Servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) decidiram seguir em greve até a meia-noite desta quarta-feira (15). Por conta do feriado de Corpus Christi, os grevistas têm previsão de realizar nova assembleia na segunda-feira (20). Eles analisam que não tiveram suas pautas atendidas e que a instituição "encerrou o diálogo". O grupo segue em vigília esta noite em frente ao prédio da fundação, em Brasília (DF), para protestar por mais atenção ao caso do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips.
Os servidores, que deflagraram a paralisação na noite de segunda (13), trazem três pontos de reivindicação, com destaque para assistência estatal às famílias do servidor e do jornalista. “Não houve sequer uma comunicação decente com eles”, disse ao Brasil de Fato uma servidora que preferiu não se identificar à reportagem.
Assim como outros servidores da Funai, ela contou que teme "uma perseguição ainda maior" ao movimento de resistência por parte de agentes do governo Bolsonaro.
"Diante da atual situação, foi decidido que a gente retorna na segunda (20) para mais uma assembleia para deliberar se mantém a greve ou se retorna, mas sem perder a mobilização. Manteremos as vigílias à noite, por exemplo”, disse ao Brasil de Fato um integrante da entidade Indigenistas Associados (INA) que também não quis se identificar.
A greve também reivindica reforço na segurança das equipes de fiscalização que atuam na região do Vale do Javari, onde Bruno Pereira e Dom Phillips desapareceram, e uma retratação da Funai pela nota publicada na última sexta-feira (10), quando a instituição chegou a negar que o indigenista tivesse autorização para entrar na terra indígena.
Os servidores apontam que não houve cumprimento de nenhum dos pontos da cartilha da greve. No caso da nota oficial, uma decisão da Justiça Federal do Amazonas determinou, na terça (14), que a Funai deve tirar do site o texto, que, até a publicação desta matéria, ainda figurava na página do governo federal.
Entre as ações pensadas para este momento, os servidores decidiram investir energia no corpo a corpo também com o Ministério da Justiça (MJ), para onde o segmento se dirigiu na terça-feira (14). O objetivo era tentar uma reunião com o titular da pasta, Anderson Torres.
“Ele estava em viagem. Tentamos, então, agenda com o secretário-executivo, e colocaram dois assessores dele pra conversarem com a gente. Eles nos ouviram, foram razoáveis, escutaram nossas reclamações. Pedimos que ele levasse nossa pauta pro ministro, mas ainda não tivemos resposta”, conta o integrante do INA.
Solidariedade
O movimento dos grevistas da Funai tem contado com a solidariedade de diferentes entidades, coletivos e militantes parceiros, entre eles o ambientalista Thiago Ávila, que tem ido ao local de concentração dos servidores para se somar às agendas de luta.
"Toda vez que a gente pensa numa greve de trabalhadoras e trabalhadores a gente está pensando na situação geral dos trabalhadores do mundo. Os trabalhadores da INA estão defendendo o povo brasileiro, os povos originários desta terra, defendendo a natureza, que representa o presente e o futuro de todo mundo", disse Ávila.
"É algo muito importante que o máximo de setores, de pessoas interessadas em um futuro diferente do genocídio e do ecocídio que a gente vive se solidarizem com a luta dos servidores da Funai e dos indígenas deste país", completa.
Desabafo
O indígena Kamuu Dan Wapichana, que veio de Roraima para residir em Brasília, atua na Funai como servidor público desde 2007. Figura presente na mobilização do funcionalismo do órgão, ele conta que se sente desolado diante do sumiço de Bruno Pereira e Dom Phillips.
"Esse não foi o primeiro caso e a gente teme que não seja o último. A gente que trabalha na Funai tem os nossos princípios, o primeiro deles a vida dos povos indígenas. No meu caso, sou indígena, servidor e sei exatamente como é estar desamparado, não ter condições mínimas de segurança, como era o caso [dos dois]", desabafa Kamuu, que cumpre função administrativa no setor de licenciamento ambiental.
Ele afirma que foi afastado do cargo comissionado que ocupava e que antes conseguia fazer um trabalho "com mais efeito" do que é observado atualmente. "Hoje estou em um serviço em que praticamente só disponibilizo acesso aos processos", narra.
Kamuu pontua que atuar na Funai "sempre foi difícil, sob qualquer governo", mas o segmento sente um agravamento autoritário no órgão, hegemonizado pelos interesses do agronegócio e de grandes grupos econômicos que buscam avançar sobre terras de comunidades tradicionais.
"Veja que o Bruno teve que se desvincular para poder continuar o seu trabalho. Para continuar a sua luta, ele teve que sair do seu órgão, enquanto podiam estar incentivando ele. Eles dão medalha pra quem assassina as pessoas quando, na verdade, um servidor como o Bruno poderia estar nesse mérito de guardião e recebendo todos os elogios possíveis por estar dando sua vida a isso”, compara Kamuu.
Funai
O Brasil de Fato procurou novamente a Funai nesta quarta-feira e aguarda retorno da assessoria de imprensa do órgão a respeito da pauta da greve. Na segunda (13), o presidente da fundação, Marcelo Augusto Xavier da Silva, quebrou o jejum de mais de uma semana de silêncio e falou sobre o caso.
Em nota, ele negou omissão do órgão diante do desaparecimento e disse que as equipes da Funai estariam trabalhando "intensamente" nas buscas. Também afirmou que a fundação estaria distribuindo cestas básicas aos indígenas e prestando proteção, entre outras medidas.
Edição: Thalita Pires