As definições de poder no cenário geopolítico mundial foram atualizadas com sucesso — e os Estados Unidos parecem ter dificuldades para "aceitar" essas novas condições. Na mais recente edição da Cúpula das Américas, celebrada entre 6 e 10 de junho, em Los Angeles, o mundo pôde ler nas entrelinhas dos contratos sociais que o poderio estadunidense sob os países vizinhos sofre uma baixa.
Depois de convocar os líderes e diplomatas latino-americanos que lhe interessavam, a Casa Branca sofreu uma série de recusas e até boicote por ter deixado Venezuela, Cuba e Nicarágua fora de sua lista. Alegando que apenas convidaria nações sob o regime democrático, os Estados Unidos receberam críticas de todos os lados — inclusive daqueles que compareceram ao evento, como o presidente do Chile, Gabriel Boric, e a presidenta de Barbados, Sandra Mason.
O levante da voz dessas lideranças mostra uma inversão nas dinâmicas de poder. Historicamente, os Estados Unidos sempre usaram de sua força política e econômica para interferir nas relações de seus vizinhos, e é difícil acreditar que, anos atrás, algum desses países teriam "coragem" de negar um pedido da Casa Branca, como acontece agora.
"A grande verdade é que, há anos, os Estados Unidos tratam os membros da América Latina como países de quarta ou quinta importância, mas agora, com a aproximação da China, eles estão tentando manter a sua posição de liderança", explica à reportagem do Brasil de Fato o sociólogo Gabriel Locke, professor e doutorando da UCLA.
De fato, o papel da China na América Latina cresceu rapidamente. Em 2000, o mercado chinês representou menos de 2% das exportações da América Latina, mas logo houve um boom de commodities na região. Nos oito anos seguintes, o comércio cresceu a uma taxa média anual de 31%, atingindo o valor de US$ 180 bilhões em 2010. Em 2021, o comércio totalizou US$ 450 bilhões, e os economistas preveem que poderá ultrapassar US$ 700 bilhões até 2035.
Essa ascensão da presença chinesa em territórios vizinhos acende alerta na Casa Branca, que também disputa a liderança geopolítica com Pequim em outros lugares. Paralelamente, com o distanciamento da América Latina, os Estados Unidos se veem em uma posição mais frágil — e isso pode ser crucial quando se fala na possibilidade de uma recessão.
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"Não acho que há alguma relação que possa salvar os Estados Unidos de uma crise, mas tenho certeza que, se a relação com os países vizinhos fosse melhor, o impacto poderia ser amortecido. A história nos prova a importância da comunidade em tempos difíceis", diz Michael Shifter, presidente do centro de pesquisas Inter-American Dialogue.
Prova do fracasso das tentativas da Casa Branca em retomar o "namoro" com os vizinhos foi a pouca importância dada ao evento por parte da imprensa internacional. A cobertura da Cúpula das Américas foi pífia no exterior, e tampouco ajudou o fato de que nenhum grande acordo ou contrato tenha sido firmado.
Aliás, pelo contrário, a grande "conquista" do encontro dos líderes na semana passada foi um acordo de colaboração para as questões imigratórias. Os países presentes se comprometeram a colocar sob rédeas questões humanitárias, a fim de reduzir o fluxo migratório rumo às fronteiras estadunidenses. O documento, embora redigido de maneira humanitária, reforça a ideia de que há uma crise de imigração.
Enquanto se ocupa de levantar mais muros e grades, os Estados Unidos perdem a oportunidade de construir pontes com quem lhe cerca. O isolamento social que a maior potência do mundo falhou em colocar em prática durante a pandemia, pode ser justamente o efeito colateral de uma política desajeitada, que tende a subjugar tudo e todos que estão ao sul de sua fronteira.
Edição: Thales Schmidt