O presidente Jair Bolsonaro (PL) pretende gastar até R$ 29,6 bilhões da União para tentar baixar o preço dos combustíveis durante o segundo semestre, período em que ele concorrerá à reeleição. O valor foi revelado na quarta-feira (8) pelo senador Fernando Bezerra (MDB-PE), relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Combustíveis.
A ideia da PEC é autorizar que o governo federal pague a estados para que eles suspendam a cobrança do Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis de 1º de julho a 31 de dezembro. O imposto está embutido no preço da gasolina e do diesel. Sua suspensão, em tese, tende a reduzir o preço desses produtos.
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Porém, é por meio da arrecadação com o ICMS que os estados pagam servidores e aplicam recursos em saúde e educação, por exemplo. Para tentar assegurar esses pagamentos, o governo federal se dispôs a ressarcir estados pelas perdas caso aceitem paralisar a cobrança do seus impostos sobre os combustíveis até o fim do ano.
Segundo Bezerra, os R$ 29,6 bilhões seriam repasses diretos dos cofres federais aos estados. Tanto é assim que, para conseguir fazer esses pagamentos, terá de ser aprovada uma exceção ao chamado Teto de Gastos do Orçamento Federal.
Essa proposta do governo já foi classificada como “mambembe”, improvisada e desesperada por economistas e integrantes de movimentos populares. Segundo fontes ouvidas pelo Brasil de Fato, ela não garante a redução do combustível, já que não lida com a causa dos aumentos no Brasil: a política de preços praticada pela Petrobras.
Definida em 2016 por chefes da estatal indicados pelo próprio governo – na época, durante a gestão de Michel Temer (MDB) –, a política vincula o valor da gasolina e do diesel vendidos no Brasil ao valor desses produtos no exterior, apesar de a maior parte do mercado nacional ser abastecida com derivados de petróleo extraído e refinado aqui.
Por conta dessa política, a Petrobras tem obtido lucros recordes, afinal, “produz em real” e “vende em dólar”. Em 2021, foram R$ 106 bilhões.
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O governo tem cerca de 37% de todas as ações da Petrobras. Por conta disso, recebeu cerca de R$ 37 bilhões do lucro da estatal no ano passado em forma de dividendos pagos pela empresa.
Caso a PEC dos Combustíveis seja aprovada e os estados aceitem zerar os ICMS, em seis meses de 2022 a União gastaria praticamente tudo que lucrou com a Petrobras durante os 12 meses de 2021. Já o restante dos acionistas, a maioria deles estrangeiros, continuaria recebendo seus altos e intactos dividendos.
“Note a quantidade de ajustes e arremedos na Constituição para que você proteja um grupo pequeno de pessoas, que são os acionistas minoritários da Petrobras”, criticou o economista e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), André Roncaglia. “Vão se acumulando medidas para tentar compensar o aumento dos combustíveis porque o governo não quer mexer na raiz do problema.”
“A Petrobras pode ter lucros, mas não estratosféricos”, disse a senadora Zenaide Maia (Pros-RN), em debate sobre a PEC. “Metade do povo brasileiro [sofre] com insegurança alimentar, quando estão priorizando acionistas da Petrobras em detrimento de recursos para saúde e educação.”
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Um Bolsa Família
O valor que o governo quer gastar para tentar baixar o combustível equivale ao orçamento de quase um ano de Bolsa Família. Em 2021, ano em que o programa foi extinto por Bolsonaro, o Orçamento tinha R$ 35,4 bilhões para a iniciativa, que atendia 14,6 milhões de famílias de baixa renda.
O programa Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família, tem neste ano um orçamento de R$ 89,1 bilhões. O equivalente a um terço disso seria gasto para conter a alta da gasolina e do diesel.
Já as universidades federais devem receber cerca de R$ 4,5 bilhões para custeio de seu funcionamento neste ano, considerando um corte de R$ 1 bilhão anunciado pelo governo em maio. O gasto para baixar os combustíveis seria mais de seis vezes maior.
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Contudo, o impacto nos cofres federais não seria só esse. Bolsonaro, além de pagar para estados reduzirem o ICMS, disse estar disposto a zerar impostos federais sobre a gasolina. Isso reduziria a arrecadação da União em R$ 16,8 bilhões.
Fora isso, ele também quer compensar com abatimento de dívidas os estados que perderem arrecadação com ICMS com a inclusão dos combustíveis na lista de itens essenciais. Um projeto de lei para isso já foi aprovado na Câmara e deve ser votado no Senado na segunda-feira. Na prática, ele limita a alíquota do imposto estadual em 17% sobre gasolina, diesel e gás de cozinha. Hoje, os estados cobram até 30%.
Não há uma estimativa do governo sobre o impacto dessa medida.
Procurado pelo Brasil de Fato, o Ministério da Economia não se manifestou sobre o assunto. Não quis sequer comentar as estimativas apresentadas por Bezerra no Senado.
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Vai funcionar?
Bezerra disse também que não tem certeza de que a redução de impostos vai reduzir o preços dos combustíveis nos postos. Segundo ele, isso depende de que a cadeia de abastecimento repasse o corte nos impostos.
Se isso ocorrer, o preço da gasolina poderia cair em R$ 1,65 por litro – hoje, ela custa R$ 7,21 em média no país. Já o preço do diesel cairia R$ 0,76 –hoje, ele custa 6,88.
Tudo isso, claro, se a Petrobras não aumentar ainda mais seus preços.
Na quarta-feira (8), a estatal reiterou seu compromisso com a prática de preços estabelecidos pela oferta e demanda do mercado internacional. Disse que a política de preços é necessária para garantir o abastecimento do mercado brasileiro.
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Hoje, uma fração dos combustíveis consumidos no Brasil é importada. Isso significa que, caso a Petrobras reduza seus preços, importadores podem deixar de trazer gasolina e diesel para o Brasil. Haveria risco de falta de combustíveis.
Segundo a Petrobras, por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia, a cadeia de produção e distribuição do diesel foi comprometida. Os estoques mundiais caíram.
Isso indica que o preço internacional do combustível deve subir. A Petrobras, por sua vez, deve acompanhar o aumento. O preço nos postos, portanto, deve aumentar ainda mais. A estatal não disse quando nem quanto.
Edição: Felipe Mendes