O que era pra ser um jogo entre duas seleções com pouca relevância no cenário internacional do futebol se tornou uma partida de enorme apelo. O time do País de Gales recebe o da Ucrânia, em jogo às 13h (de Brasília) deste domingo (5), para definir a última equipe europeia garantida na Copa do Mundo do Catar 2022. Mais que determinar uma equipe que disputará o principal torneio do futebol, o jogo se tornou um evento importante na geopolítica global.
Na última quarta (1º) os ucranianos cumpriram a primeira etapa da disputa, vencendo a Escócia por 3 a 1 em Glasgow. Os galeses já tinham passado pela seleção da Áustria, em confronto realizado em março. O jogo entre Escócia e Ucrânia, aliás, também estava programado originalmente para março, mas com a guerra entre Ucrânia e Rússia, a Fifa decidiu adiar a partida dos ucranianos, além de ter suspendido de forma definitiva a equipe russa, que, então, deixou de ter a chance de jogar o Mundial.
Em entrevista coletiva antes do jogo da última quarta, o lateral ucraniano Oleksandr Zynchenko, que joga pelo Manchester City, da Inglaterra, e é uma das estrelas do time, chorou e disse que "todo ucraniano sonha com o fim da guerra".
"Falei com crianças ucranianas, eles não entendem nada, mas dizem uma coisa: 'Eu sonho que a guerra acabe'. No futebol, também temos um sonho. O sonho é ir à Copa do Mundo e dar essa emoção aos ucranianos neste momento difícil", falou, às lágrimas.
Quem vencer a partida deste domingo estará na Copa. Caso a vaga seja ucraniana, um novo jogo de grande simbolismo político será realizado no Mundial, já que o classificado dessa disputa europeia vai integrar um grupo que já tem a seleção dos Estados Unidos – parceiros de primeira hora dos ucranianos no conflito com os russos, além de Inglaterra e Irã.
Partidas que têm a política internacional como pano de fundo não são novidades na história das Copas do Mundo e de suas eliminatórias. Abaixo, listamos algumas outras que, se não tiveram grande repercussão pela qualidade da bola jogada ou pelos resultados, chamaram a atenção pela importância política.
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Copa de 2018 - Sérvia x Suíça
O confronto entre as duas seleções europeias, que faziam parte do grupo do Brasil no Mundial da Rússia, em 2018, é mais lembrado pelas questões políticas do que pela vitória suíça por 2 a 1. Isso porque jogadores suíços comemoraram os gols com um gesto de pássaro com as mãos, em referência à águia de duas cabeças presente na bandeira da Albânia.
E o que uma partida entre Suíça e Sérvia tem a ver com a Albânia? É que os jogadores Granit Xhaka e Xherdan Shaqiri, que fizeram o gesto, são de famílias da região do Kosovo, cuja população tem origem albanesa, em sua maioria. O gesto nacionalista causou tensão, já que o Kosovo declarou independência de maneira unilateral da Sérvia, e os sérvios não reconhecem o país até hoje. Os jogadores declararam que fizeram o gesto em apoio aos kosovares. Sérvia e Suíça se enfrentarão de novo na Copa do Mundo do Catar – e, mais uma vez, estão no grupo do Brasil.
Copa de 1998 - Estados Unidos x Irã
A prestigiosa revista britânica Four Four Two definiu o confronto entre americanos e iranianos em 1998 como "o jogo com maior carga política da história da Copa do Mundo". Os dois países viviam em permanente tensão diplomática desde o fim da década de 1970, quando aconteceu a Revolução Islâmica, que instalou o regime dos aiatolás em Teerã. A tensão atingiu o ápice em 1979, quando a embaixada americana no Irã foi invadida por militantes que mantiveram mais de 50 americanos reféns por mais de um ano.
Em dezembro de 1997, quando o sorteio dos grupos colocou as duas seleções frente a frente, a tensão já não era tão grande, mas estava longe de terminar. As autoridades francesas se prepararam por meses até que a bola rolasse, com grande expectativa sobre animosidade entre jogadores e torcedores. O que se viu na cidade de Lyon, porém, foi uma cena que entrou para a história – do futebol e da relação entre os dois países. Os iranianos presentearam os americanos com flores e os times posaram juntos para fotos.
Americanos e iranianos posaram juntos antes da bola rolar / PASCAL GEORGE / AFP
Em campo, vitória do Irã por 2 a 1. Ambos acabaram eliminados (as seleções da Alemanha e da antiga Iugoslávia passaram de fase na chave). Em 2022, mais uma vez, iranianos e americanos vão se enfrentar, mas a Ucrânia – caso se classifique – é quem deve fazer o jogo com maior repercussão na política internacional, contra os americanos – seus aliados.
Copa de 1986 - Argentina x Inglaterra
Rivais desde a Copa de 66, na Inglaterra, quando um jogador argentino desrespeitou a bandeira britânica, os dois países se enfrentaram pela primeira vez após a Guerra das Malvinas, ocorrida em 1982. O conflito matou quase três vezes mais soldados argentinos do que britânicos, ajudou a derrubar a ditadura militar do país e se tornou motivo de humilhação para a nação. A partida de 86 foi, portanto cercada de uma rivalidade que extrapolou - em muito - a esfera esportiva.
Antes do jogo, houve briga entre as torcidas, mas o que se viu em campo entrou para a história, com dois dos gols mais icônicos do esporte, ambos de Maradona. O primeiro foi o batizado La Mano de Dios, quando o craque empurrou a bola às redes com o punho, para revolta dos ingleses. O segundo, minutos depois, concorre ao posto de gol mais bonito dos Mundiais. Maradona passou por meio time inglês antes de marcar, selando a passagem argentina para a fase seguinte, em uma campanha que terminaria em título.
Copa de 1978
Aqui não foi um jogo em especial, mas todo o torneio ocorreu sob a sombra a ditadura (1976 - 83) que matou mais de 30 mil de argentinos. Antes do torneio a houve rumores de que dois dos maiores jogadores da época (Cruyff e Breitner) teriam desistido de jogar a Copa em protesto contra a situação política do país-sede.
O atleticano Reinaldo desacatou a ordem da delegação brasileira (que assim como o Brasil, era chefiada por militares) de evitar manifestações políticas, ao fazer o gesto dos Panteras Negras quando da comemoração de um gol. Mas o gesto de resistência mais singelo talvez caiba a trabalhadores do estádio principal do torneio, o Monumental de Nuñez em Buenos Aires.
Calados pelo regime, eles pintaram tarjas negras nos pés das traves, em um luto simbólico pelas vítimas políticas. A mensagem foi tão discreta que só veio à tona décadas depois.
Eliminatórias para a Copa de 1974 - Chile x URSS
O jogo, neste caso, não chegou efetivamente a acontecer. Uma repescagem intercontinental determinou que chilenos e soviéticos deveriam se enfrentar para definir quem iria para o Mundial do ano seguinte, na Alemanha Ocidental. Mas a seleção da URSS não compareceu ao Estádio Nacional de Santiago, e os chilenos tocaram a bola até empurrá-la para o gol vazio e comemorar uma "vitória" que os garantiu na Copa.
A partida aconteceria em 21 de novembro de 1973, mas, desde outubro, era sabido que os soviéticos não entrariam em campo, em protesto contra o golpe de 11 de setembro do mesmo ano e o início da ditadura de Pinochet no Chile. O Estádio Nacional foi usado como centro de detenção e tortura. Esse é, até hoje, o único jogo boicotado na história da Copa do Mundo (que, formalmente, começam quando há as eliminatórias).
Soviéticos e chilenos chegaram a se enfrentar em Moscou, na partida de ida, em 26 de setembro, pouco depois do golpe que depôs e matou Salvador Allende. A União Soviética chegou a formalizar pedido para que o jogo de volta fosse realizado outro país, que não o Chile, para não ter de pisar no Estádio Nacional, mas não obteve sucesso.
Copa de 1938 - Suécia x Áustria
Mais um jogo que não chegou a acontecer, mas que entrou para a história. Suecos e austríacos foram sorteados para um dos confrontos da primeira fase do terceiro Mundial da história, disputado na França. A partida aconteceria em 5 de junho em Lyon (que 60 anos depois receberia o já citado confronto entre Irã e Estados Unidos), mas a bola não rolou. Poucos meses antes, em março, a Áustria foi anexada à Alemanha nazista e o país, formalmente, deixou de existir – assim como sua seleção de futebol.
Os suecos, então, avançaram à fase seguinte sem jogar. E alguns jogadores do time austríaco defenderam a Alemanha na Copa do Mundo. Um detalhe: o time que não jogou em 1938 ficou conhecido na Áustria como "Wunderteam", literalmente "time maravilhoso", pelo que apresentou nos campos nos anos anteriores, inclusive na Copa do Mundo de 1934, quando os austríacos conquistaram aquele que é, até hoje, seu melhor resultado em uma Copa do Mundo: o quarto lugar.
Edição: Monyse Ravena