A Colômbia vive um ano eleitoral. Após definir em março um novo Congresso agora o país espera o segundo turno, no dia 19 de junho para saber quem será seu novo presidente. A chapa Gustavo Petro e Francia Márquez (Pacto Histórico) venceu o 1º turno, no último domingo (29), com 40,3% da votação, cerca de 12 pontos percentuais de vantagem em relação aos segundos colocados Rodolfo Hernández e Marelen Castillo (Liga Anticorrupção), com 28,1%, de acordo com resultados preliminares.
Caso a aliança de esquerda, Pacto Histórico, saia vitoriosa, além de ocupar a presidência também terá a maior bancada no Congresso, com 20 senadores e 27 representantes.
O resultado é inédito para a história do país, marcada pelo bipartidarismo entre Partido Liberal e Partido Conservador, e nos últimos 20 anos, pelo surgimento do uribismo, corrente política liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe Vélez (2002 - 2010), fundador do partido governante, Centro Democrático, e considerado mentor do atual mandatário, Iván Duque.
Nas eleições legislativas de março deste ano, o Pacto Histórico obteve 2,8 milhões de votos, equivalente a 17,3% do total, num processo que contou com a participação de 47% do eleitorado colombiano.
Entre as principais propostas está a implementação integral dos Acordos de Paz, assinados em 2016 com os guerrilheiros das Farc; reforma agrária e rural; aprovação do projeto de renda básica universal; erradicação da fome; e ampliação do sistema público de saúde e educação.
Gabriel Becerra Yañez é advogado, iniciou sua vida política ainda no movimento estudantil, organizando manifestações em defesa da educação pública e fundando a Associação Nacional de Estudantes Secundaristas (ANDES) e a Associação Colombiana de Estudantes Universitários (ACEU). Foi secretário geral da Juventude Comunista da Colômbia (JUCO) e da Organização Continental Latino Americana e Caribenha dos Estudantes (OCLAE). Hoje é secretário geral da União Patriótica e em março foi eleito um dos deputados pela bancada do Pacto Histórico.
Em entrevista ao Brasil de Fato analisa os desafios políticos do próximo período na Colômbia.
Brasil de Fato: O Pacto Histórico obteve a maior bancada do Congresso nas últimas eleições legislativas, realizadas em março. Quais são as principais propostas que a coalizão deve priorizar na agenda parlamentar?
Gabriel Becerra: Se triunfarmos no dia 19 de junho, seremos uma bancada de governo, algo que é muito emocionante, porque todos meus antecessores na representação política foram bancada de oposição. Sendo opositores, obviamente a bancada se dedicava ao controle político, já que as iniciativas legislativas se limitam muito pela falta de correlação de forças.
Mas, em geral, vamos promover o nosso programa de governo. Eu, particularmente, vou focar no acesso à educação pública e gratuita. É um projeto bastante desenvolvido, pensando no orçamento, porque assim como no Brasil e em outros países, aqui na Colômbia, nos últimos anos, aumentou a oferta do setor privado, em paralelo com a diminuição do financiamento do público.
Petro tem defendido que a construção dessa nova etapa de Colômbia se baseie no conhecimento e isso depende do investimento nas universidades, na pesquisa, para agregar valor a esse novo modelo econômico que queremos.
O outro assunto será regulamentar o Estatuto Trabalho, previsto na Constituição de 1991, mas ainda não regulamentado. Se conseguimos aprová-lo podemos dar ferramentas para uma política de Estado que contenha a flexibilização laboral, que afeta principalmente os jovens e as mulheres.
E o terceiro aspecto fundamental da agenda, que tem a ver com a nossa tradição como partido, será a implementação dos Acordos de Paz.
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E quais partidos, além dos seis que já compõem o Pacto Histórico, poderiam unir-se numa aliança parlamentar?
Sabemos que a Aliança Verde, que tem 14 senadores e uma menor representação na Câmara, será aliada.Também há setores dos partidos tradicionais, porque aí [entre Pacto Histórico e Aliança Verde] se esgotam os representantes que não fazem parte do setor tradicional.
A bancada de senadores do Partido Liberal foi umas das mais difíceis de convencer. Tem um caráter bastante clientelista, mas agora está conosco. O partido da União Naconal (Partido de la U), criado na época de Uribe e Santos, já vem em decadência, mas dois porta-vozes, que apoiaram o processo de paz já estão conosco, são eles Roy Barreras e Armando Benetti.
E nos reiteramos que estamos dispostos a conversar com todos os setores com base no nosso programa.
Se ganhamos, não acredito que será difícil obter uma bancada majoritária, mas teremos que lidar com setores que devem se somar sob uma lógica de transação.
Há uma série de reformas previstas nos Acordos, que também estão presentes no programa de Petro e Francia, como é o caso da reforma agrária. Com maioria no Congresso será possível levar adiante esse tipo de projetos?
Vai ser difícil mudar um modelo econômico extrativista para uma modelo produtivo, de economia para a vida. Mas para isso, o tema agrário aparecerá como uma prioridade. Acredito que devemos cumprir fundamentalmente o que está previsto nos Acordos de Paz, que não é necessariamente uma reforma agrária radical.
Na Colômbia não existe um cadastro ou algum tipo de registro sobre como está a distribuição de terra e essa falta de informação beneficia o latifúndio e tudo o que está por trás: as máfias e o narcotráfico.
O acordo também prevê uma jurisdição agrária que seria responsável por resolver conflitos históricos em relação ao território, que não foram atendidos pela justiça comum, que atua em função dos latifundiários e não em função do uso social da terra.
Paralelamente há outras coisas que deveríamos fazer, como rever tratados de livre comércio, discutir a questão do monocultivo, as zonas de reserva ambiental.
A coalizão Pacto Histórico é bastante ampla, além de ter um programa que os unifique, como manter a unidade, considerando a diversidade política dos seis partidos que a compõem?
O Pacto é uma nova etapa de reagrupamento dos setores progressistas, é o acúmulo de um processo. Juridicamente ele é uma coalizão de seis partidos (Colômbia Humana, União Patriótica, Partido Comunista, Polo Democrático Alternativo, Aliança Democrática Ampla e Movimento Alternativo Indígena e Social) e ser uma frente ampla é uma política mais que uma forma de organização.
Agora se o Pacto se reduzir a uma representação jurídica não poderá atender a tarefa histórica que lhe corresponde.
Mas poderá projetar-se se conseguir construir métodos para canalizar a indignação que se manifesta nas pessoas e torná-la um movimento político - algo que alcançamos parcialmente. Eu não teria sido eleito congressista se não tivéssemos nos tornado uma referência da indignação popular que se manifestou em várias ocasiões, sendo a mais recente a greve geral de 2021.
:: Relembre Cobertura Especial | Greve Geral Colômbia ::
O Pacto tem um programa democrático-liberal se for analisado de maneira minuciosa. É um projeto de reformas, mas ainda está nos seus primeiros passos.
Depois que passarem as eleições, se sairmos vitoriosos, Petro deverá se dedicar ao governo, enquanto outros quadros devem se dedicar ao movimento político para avançar a uma nova etapa do Pacto, para enraizar esse processo que hoje possui um caráter mais eleitoral numa estrutura política - organizativa.
Deve ser um movimento, uma frente, uma convergência flexível na maneira de se organizar, mas muito firme aos seus princípios. Isso vai depender dos seus quadros e de uma nova geração de dirigentes.
Nosso grande desafio é não herdar os conflitos de outra época e sermos capazes de construir esse novo sujeito político para que este processo não seja meramente eleitoral, mas uma nova etapa na história nacional, que permita construir uma nova hegemonia cultural, econômica e política na Colômbia.
Edição: Rodrigo Durão Coelho