"Autoritarismo", "ameaças à democracia", "desmonte do SUS", "negacionismo", "desorganização", "gestão criminosa". Estas foram apenas algumas das acusações apresentadas nesta terça-feira (24) por testemunhas que participaram do primeiro dia do julgamento do presidente Jair Bolsonaro (PL) no Tribunal Permanente dos Povos (TPP).
A sessão, que acontece simultaneamente na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e na sede do TPP, em Roma (Itália), será retomada nesta quarta-feira (25), a partir das 8h45 (horário de Brasília).
A denúncia foi apresentada pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns, a Internacional de Serviços Públicos (ISP), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coalizão Negra por Direitos, com o apoio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e outras entidades ligadas à defesa dos direitos humanos.
A advogada Eloísa Machado, professora da Fundação Getúlio Vargas e integrante da Comissão Arns, destacou que as entidades se uniram para acusar Bolsonaro de agir deliberadamente para propagação da pandemia. Isso se deu, por exemplo, a partir da "desorganização intencional" da política de saúde e da "opacidade de dados". Ela lembrou que os governos estaduais se juntaram a veículos de imprensa para conseguir organizar os números da doença no país, já que o governo, por meio do ministério da Saúde, parou de contabilizá-los.
Durante a sessão desta terça, o advogado Maurício Terena, da Apib, destacou que "o governo brasileiro elegeu o negacionismo científico como princípio norteador de suas escolhas". Terena citou a distribuição do chamado "kit covid", com remédios comprovadamente ineficazes contra a doença. "Não é exagero afirmar com convicção que o governo se tornou mais letal que a pandemia", pontuou.
A também advogada Sheila de Carvalho, que atua na Coalizão Negra por Direitos, afirmou ainda que a "gestão criminosa" da pandemia pelo governo causou perdas irreparáveis que poderiam ter sido evitadas. "Quanto mais tempo vamos deixar esse genocida estar na presidência? Bolsonaro e sua gestão criminosa foram fundamentais para expansão do genocídio do povo negro brasileiro", alertou.
A professora Deisy Ventura, da Faculdade de Saúde Pública da USP, destacou que a Organização Mundial de Saúde (OMS) advertiu o Brasil durante conferências de imprensa sobre o equívoco das estratégias adotadas pelo governo federal durante a pandemia. Ventura destacou, principalmente, a conduta "eticamente inadmissível" de se buscar a chamada "imunidade de rebanho", algo que teve efeito direto na mortalidade de pessoas pobres.
"O governo tentou de todas as formas estender o conceito daquilo que é atividade essencial durante a pandemia para que os trabalhadores mais pobres fossem expostos ao vírus, se contaminassem e com isso adquirissem o que falsamente é apresentado como imunidade de rebanho por transmissão", pontuou.
Integrante da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o senador Humberto Costa (PT-PE) lembrou que o autoritorismo foi uma das tônicas da atuação de Bolsonaro desde a declaração da emergência sanitária.
"Vimos, por exemplo, ameaças à democracia, que o governo utilizou de um lado pra desviar atenção da desastrosa condução de enfrentamento à pandemia, e, de outro, para intimidar instituições, que estavam tendo papel importante na adoção de medidas eficazes. Ameaças ao STF [Supremo Tribunal Federal], ao Congresso, até uma tentativa de golpe no 7 de setembro [de 2021]", listou.
O advogado Luiz Armando Badin, integrante da Comissão Arns, lembrou que o julgamento desta semana no TPP será o único de Bolsonaro durante o exercício do mandato. A atuação do tribunal é simbólica, mas ele afirma que o júri internacional pode esclarecer se e como devem ser caracterizados os fatos descritos pelas testemunhas.
"O que disse o governo brasileiro em favor de suas ações calamitosas? Basicamente que razões econômicas e liberdade individual devem prevalecer sobre as exigências de saúde pública. disse que a pandemia não era tão grave assim, e que tratamentos alternativos seriam mais baratos e eficazes", lembrou Badin, destacando que o governo não enviou representante para sua defesa no julgamento.
O médico italiano Gianni Tognoni, secretário geral do TPP, disse que o julgamento é a consolidação de um trabalho de cerca de seis meses em que o objetivo foi garantir a "presença real" das comunidades que foram vítimas de tudo que foi denunciado.
"O tempo de preparação foi longo e difícil pra este evento, com objetivo de assegurar a melhor documentação disponível de modo a comprovar o que está previsto nesta denúncia como responsabilidade de Bolsonaro e seu governo", destacou.
Sobre o TPP
Fundado em 1979, o TPP substituiu o Tribunal Russell, que investigou crimes cometidos pelos Estados Unidos durante intervenção militar no Vietnã e até mesmo ditaduras militares no Brasil e no Chile.
O corpo de jurados é composto por 12 personalidades e um presidente que vai ouvir as testemunhas dos casos e a acusação preparada pela advogada Eloísa Machado.
Segundo o ex-ministro de Direitos Humanos e integrante da Comissão Arns, Paulo Sérgio Pinheiro o governo de Jair Bolsonaro terá direito de defesa.
“A ata de acusação foi entregue ao embaixador do Brasil na Itália, remetida ao ministro das Relações Exteriores e ao presidente da República. Nós guardamos um espaço de 50 minutos para a defesa do presidente. Se o governo não indicar – esperamos que indique –, o secretário-geral do Tribunal nomeará um relator para apresentar a defesa dos atos indicados pela acusação”, afirmou Pinheiro.
Confira abaixo a íntegra da sessão desta terça-feira:
Edição: Rodrigo Durão Coelho