A tensão entre indígenas e fazendeiros escalou no Mato Grosso do Sul, na região que faz fronteira com o Paraguai. Neste sábado (21), um jovem Guarani Kaiowá de 18 anos, Alex Recarte Vasques Lopes, foi assassinado com ao menos cinco tiros. Em reação, indígenas da sua comunidade retomaram uma fazenda na cidade de Coronel Sapucaia (MS) e ali permanecem desde domingo (22).
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os acampados relatam que drones sobrevoam o local desde a tarde desta segunda-feira (23) e que fazendeiros se reuniram na estrada ao lado.
Ali perto e também neste fim de semana, no município de Japorã (MS), lideranças Guarani Ñandeva da Terra Indígena (TI) Yvy Katu relatam ter tido parte de seu território invadido por tratores e homens armados, pressionando para que a área seja cedida para arrendamento e monocultivo de soja.
Ambas as situações aconteceram enquanto era realizada uma reunião entre lideranças indígenas da região na TI Guaimbé, no município de Laguna Carapã (MS). Muitas delas, portanto, não estavam presentes durante os ataques vividos em seus territórios. A Aty Guasu, Grande Assembleia dos povos Guarani e Kaiowá, aconteceu entre os dias 17 e 21 de maio.
O assassinato do jovem Guarani Kaiowá
Fotos de Alex baleado estão circulando nas redes sociais de organizações do movimento indígena (atenção: as imagens são fortes). As organizações cobram apuração das autoridades federais e afirmam temer retaliação de policiais e fazendeiros.
Questionado pelo Brasil de Fato sobre quais providências estão sendo tomadas, o Ministério Público Federal (MPF) de Ponta Porã disse que “não se manifestará”.
:: O que não indígenas deveriam aprender com os povos originários para impedir a queda do céu? ::
De acordo com lideranças indígenas da região, Alex havia saído junto com a esposa da reserva Taquaperi, onde viviam. Enquanto ela tomava banho no rio, ele foi buscar lenha. Da água, ela teria ouvido os tiros. Apavorada, voltou para a comunidade para pedir ajuda. O corpo do jovem foi encontrado do lado paraguaio da fronteira, a cerca de 10 km da reserva, na cidade de Capitán Bado.
Segundo relatos dos Guarani Kaiowá colhidos pelo Cimi, Alex teria sido assassinado dentro da área da fazenda que veio a ser retomada no domingo (22). Ela foi rebatizada de tekoha Jopara, que significa "diversidade".
"A título de evitar que se repita a história de outras mortes que saíram impunes, o Cimi pede a federalização das investigações", defende Flávio Machado, integrante do conselho no Mato Grosso do Sul.
Entre os assassinatos cometidos na mesma região e que ficaram sem respostas estão os de três lideranças do tekoha Kurusu Amba – Xurite, Ortiz e Oswaldo Lopes – cometidos entre 2007 e 2009.
A comunidade onde Alex vivia foi uma das oito reservas indígenas criadas, ainda no começo do século 20, pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão que depois se transformaria na Funai.
Indicando que atualmente a TI Taqueperi tem apenas 3.600 hectares para uma população de 3.300 indígenas, o assessor do Cimi Tiago Miotto descreve que "o confinamento e a apropriação, ao longo das décadas, de partes da área reservada por fazendeiros é uma das razões para que os Guarani e Kaiowá da reserva frequentem áreas de mata das propriedades vizinhas à reserva, reivindicadas pelos indígenas como parte de seu território tradicional”.
Yvy Katu, ameaças e arrendamento
Lideranças da Aty Guasu informaram que a TI Yvy Katu, retomada em 2013, teve parte de sua área invadida por ao menos cinco tratores, caminhonetes e carretas com calcário desde a noite de sábado (21).
Árvores, pés de coqueiro e mata nativa teriam sido derrubadas para, forçadamente, lavrar a terra para que seja arrendada. Ainda de acordo com integrantes da Aty Guasu, caminhonetes de fazendeiros circularam ao redor das casas enquanto homens efetuaram disparos para cima.
Edição: Felipe Mendes