Aprovada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) na quarta-feira (18), a proposta do governo de privatizar a Eletrobras entrou em sua reta final. O presidente Jair Bolsonaro (PL) corre para concluir a venda do controle da estatal o mais rápido possível, podendo inclusive finalizá-la ainda em junho. Movimentos populares, entretanto, pretendem questionar o projeto na Justiça antes que ele seja concluído. Com isso, é possível que a desestatização seja adiada a tal ponto de acabar sendo definida num eventual novo governo.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pré-candidato líder em todas as pesquisas presidenciais, já afirmou ser contra a privatização da Eletrobras, a maior empresa de energia da América Latina. Ciro Gomes (PDT) também, assim como outros pré-candidatos à Presidência filiados a partidos de esquerda.
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Isso significa que, caso a Eletrobras não seja vendida ainda neste mandato de Bolsonaro, é grande a chance de que ela não seja privatizada.
Para que seja, ainda há algumas etapas a serem cumpridas. A primeira delas é o cumprimento de todas as determinações do TCU. Segundo a advogada Elisa Alves, que representa o Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) e acompanha o processo sobre a Eletrobras na corte de contas, ainda não se sabe ao certo quais serão os requisitos.
Segundo ela, apesar de o julgamento do TCU ter sido claramente favorável à privatização, todos os detalhes da decisão do órgão só são conhecidos quando registrados num acórdão, uma espécie de documento sobre o julgamento. Esse acórdão pode trazer algumas condicionantes e recomendações para a desestatização. Pode levar algum tempo até que elas sejam cumpridas.
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“Os acórdãos do TCU geralmente levam uns dez dias para serem publicados a partir do final do julgamento”, explicou Alves. “Pode ser que neste caso, por conta do interesse neste processo, isso seja agilizado. Mas é preciso esperar para ver.”
Aviso a investidores
Ela também disse que, encaminhadas as questões com o TCU, a Eletrobras terá de avisar à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a oferta de suas ações que culminará na privatização. A CVM é uma autarquia pública que fiscaliza o mercado desse tipo de título no Brasil. Como a Eletrobras tem ações negociadas na Bolsa, a CVM precisa ser alertada sobre sua capitalização.
A Eletrobras também tem ações à venda na Bolsa de Valores de Nova York, nos Estados Unidos. Por isso, a “CVM norte-americana”, chamada SEC –Securities and Exchange Comission–, também precisa ser avisada.
Segundo Alves, esses avisos são formalidades rápidas de serem cumpridas.
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Feito isso, bancos contratados para viabilizar a privatização vão realizar uma série de reuniões com possíveis compradores de ações da Eletrobras. Essas reuniões são conhecidas como “road show” (algo como "apresentações itinerantes", em tradução livre). Elas tentam explicar aos interessados detalhes e sanar possíveis dúvidas sobre a operação .
Depois dessas reuniões, os investidores têm que formalizar seu interesse na Eletrobras. Com base nisso, será definido um preço mínimo de cada ação da estatal que será colocada à venda. Aí cada investidor decidirá se compra ou não. Caso haja concorrência, o preço da ação sobe.
A compra dessas ações por investidores vai, automaticamente, reduzir a participação do governo na empresa. Hoje, ela é de cerca de 75% do capital votante da companhia. Cairá para 45%, fazendo com que a União perca o controle da estatal.
Para Alves, é possível que tudo isso ocorra até a primeira quinzena de julho.
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Procurados, nem o governo nem a Eletrobras se pronunciaram sobre um prazo para a desestatização. A vice-presidente da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU), Fabíola Antezana, disse que o governo pretende ofertar as ações em 8 de junho e fazer a liquidação entre 13 e 14 de junho. Não se sabe, porém, se esse cronograma é viável.
Resistência judicial
Elisa Alves disse que há muitas ações contra a privatização da Eletrobras tramitando na Justiça. Uma sentença ou decisão liminar pode paralisar o processo ou adiá-lo. Um adiamento pode, inclusive, inviabilizar o projeto.
Alves explicou que regras da SEC determinam que uma empresa só realize uma oferta de ações até 130 dias após a publicação de um balanço. A exigência é para garantir que investidores tenham acesso a informações atualizadas ao decidirem aplicar ou não ser dinheiro numa companhia.
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A Eletrobras divulgou o balanço do primeiro trimestre na segunda-feira (16). Isso implica que ela tem que ser privatizada até meados de agosto.
Caso isso não ocorra, a empresa terá de publicar novo balanço e refazer seu aviso à SEC. Só assim criaria-se uma nova janela de oportunidade para privatização.
Neste caso, porém, a venda ocorreria já durante o calendário eleitoral. Isso tende a afugentar investidores, o que poderia inviabilizar a desestatização.
Fabiola Antezana, que também integra o CNE, afirmou que o coletivo já tem outras ações judiciais pensadas para barrar a privatização da Eletrobras. Os processos devem ser abertos em varas do Brasil e exterior.
Ela disse que haverá uma mobilização de diversos movimentos e partidos para denunciar irregularidades no processo de venda do controle da empresa. Também haverá mobilização no Congresso Nacional e em audiências públicas para que sejam discutidos os impactos negativos da desestatização da Eletrobras.
“O que começa errado não tem conserto”, disse Antezana. “Faremos a resistência para que o povo brasileiro não pague a conta da privatização”, diz ela.
Caso o controle da empresa seja mesmo vendido, a conta de luz, por exemplo, deve subir 25%.
Edição: Rodrigo Durão Coelho