O aumento do preço dos alimentos e os anos sem reajuste real relevante no valor do salário mínimo têm tornado a vida do trabalhador – especialmente o mais pobre e residente em grandes cidades – cada vez mais difícil. Por conta da combinação desses dois fatores, hoje um empregado que ganha o mínimo de R$ 1.212 e mora numa capital trabalha cerca da metade do mês somente para comprar o necessário para sua alimentação.
O cálculo foi feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que todos os meses pesquisa em 17 capitais brasileiras o valor de uma cesta de produtos definida com base num decreto sobre piso salarial. A composição e o preço da cesta variam conforme a cidade. São Paulo, cidade mais populosa do país, também tem a cesta mais cara: R$ 803,99, em abril deste ano.
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Especificamente na capital paulista, um empregado que ganha um salário mínimo trabalha quase 66% da sua jornada mensal somente para pagar essa cesta. São mais de 145 horas trabalhadas das 220 horas mensais previstas na legislação trabalhista. A cesta mais barata (ou menos cara) segundo o último levantamento do Dieese é a de Aracaju: R$ 551,47 – ou seja, 49,19% do salário mínimo, praticamente metade.
Um trabalhador não comprometia tanto tempo de trabalho para comprar uma cesta básica desde janeiro de 2005. Em janeiro de 2012, por exemplo, eram necessárias 101 horas trabalhadas para comprar uma cesta na capital paulista – menos da metade da jornada mensal. Contudo, desde o final de 2018, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), essa quantidade de horas vem subindo. Cresceu de forma ainda mais abrupta a partir de 2020, já no governo de Jair Bolsonaro (PL), justamente porque os alimentos passaram a subir mais e o salário mínimo, menos.
Desde o fim de 2016, já após o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) até hoje, o salário mínimo subiu de R$ 880 para R$ 1.212 –alta de 37,7%. Já o custo de uma cesta básica em São Paulo passou de R$ 438 para R$ 804 – aumento de 83%, mais que o dobro do percentual acumulado de reajustes do piso concedidos por Temer e Bolsonaro.
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Sem aumento real
Durante os governos de Temer e Bolsonaro, aliás, o salário mínimo praticamente não teve aumento real, isto é, foi reajustado somente com base no índice da inflação.
Segundo cálculos da consultoria Tullett Prebon Brasil divulgados esta semana, durante a gestão Temer (de setembro de 2016 a dezembro de 2018), o salário mínimo subiu só 3,28% mais do que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Já de janeiro de 2019 a dezembro de 2022, durante o governo Bolsonaro, o reajuste total deve ser 1,77% menor que a inflação, considerando as previsões divulgadas pelo Banco Central.
Se a previsão se confirmar, Bolsonaro será o primeiro presidente desde 1994 a deixar o governo sem conceder aumento real do salário mínimo.
Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), o piso subiu 50,9% acima da inflação; em oito anos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva, 57,8%; em quase seis anos de governo Dilma, 12,67%. Os cálculos são da Tullett Prebon Brasil.
“A falta de política de valorização do salário mínimo é dramática porque não aumenta os ganhos de quem já ganha pouco e que gasta a maior parte de seu salário com comida, que tem subido mais que inflação”, descreve o economista e engenheiro agrônomo José Giacomo Baccarin, secretário de Segurança Alimentar e Nutricional do governo federal entre 2003 e 2005, durante a gestão de Lula.
Alimentos em alta
Baccarin disse que o preço da comida no país aumentou principalmente a partir de 2020, período do início da pandemia. Segundo ele, o preço dos alimentos subiu no mercado internacional. O produtor brasileiro, então, resolveu priorizar a exportação, reduzindo a oferta no mercado interno e causando a elevação de preços para a população brasileira.
A economista e supervisora de pesquisas do Dieese, Patrícia Costa, confirmou esse cenário de aumentos causados pelo cenário externo e exportações. Ela afirmou ainda que a guerra entre Rússia e Ucrânia pressionou ainda mais os preços no Brasil, já que mexeu com a cotação do trigo e do petróleo no mercado internacional.
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O preço do petróleo influencia no custo do combustível, que por sua vez compõe o custo de transporte e, por isso, também mexe no preço final dos produtos alimentícios.
A prévia da inflação do mês de abril calculada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada no último dia 27, indica o maior aumento de preços para o mês desde 1995. Comparando preços levantados de fevereiro a março com preços coletados entre março e abril, foi registrado um aumento médio de 1,73% em 30 dias.
Esse percentual, entretanto, é uma média de várias categorias de produtos. Itens de alimentos e bebidas subiram 2,25%, ou seja, mais que a média.
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Em um ano, o café moído já subiu mais de 60%; o açúcar, mais de 40%; o óleo de soja, mais de 20%. Todos esses produtos fazem parte da cesta básica. O aumento deles afeta principalmente os mais pobres, explicou a economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresas (IREE), Juliane Furno.
“Isso afeta mais os mais pobres porque um percentual maior da sua renda é gasto em consumo de alimentos”, disse Furno. “Como o salário mínimo nem recompôs a inflação, fica pior ainda.”
Valorização e estoques
Patrícia Costa, do Dieese, afirmou que uma forma de controlar o aumento de preços de alimentos no Brasil seria a criação de estoques públicos de determinados produtos. Baccarin também defende a medida.
Ele diz que o governo precisa aumentar o apoio a agricultores que se dedicam a produzir alimentos para consumo interno, não para exportação. Isso tende a reduzir a pressão do mercado internacional sobre o preço da alimentação no país.
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Baccarin e Costa defenderam ainda uma política de valorização do salário mínimo. Segundo Baccarin, isso foi feito durante os governos de Lula e Dilma. Melhorou as condições de vida da população e ainda serviu como motor de crescimento econômico.
Edição: Felipe Mendes