Dizem que pássaro engaiolado não canta, chora. Agora que o Twitter, a rede social do passarinho azul, ficará sob o controle de Elon Musk, o homem mais rico do mundo, colocamos à prova essa sabedoria popular.
Fundador da Tesla e da SpaceX, além de outros grandes negócios, Musk oferece quase US$ 44 bilhões, cerca de R$ 218 bilhões, para ser dono da plataforma de microblog, que conta com cerca de 220 milhões de usuários ativos.
Como todo processo de aquisição semelhante, este também está sujeito à aprovação dos órgãos reguladores, mas o aval para a transação é dado como certo. A expectativa é que, até o final do ano, o Twitter volte a ser uma empresa de capital fechado, sem nenhuma obrigação de tornar público seus balanços financeiros e movimentações internas.
Considerada uma das redes sociais que mais influenciam a opinião pública, a compra do Twitter é vista com preocupação por pesquisadores. A professora de marketing da Universidade de Boston, Shuba Srinivasan, falou com o Brasil de Fato sobre o assunto e relata estar preocupada com a desinformação na plataforma.
Shuba entende que ainda é muito cedo para fazer julgamentos, mas tenta antecipar possíveis cenários baseados nas informações compartilhadas por Musk.
O bilionário afirmou, por exemplo, que pretende adicionar um botão de edição à rede – algo que, num primeiro momento, pode parecer vantajoso, já que daria ao usuário o poder de corrigir algum erro de digitação ou coisa semelhante.
"O botão de edição pode permitir que as pessoas alterem, seletiva e indevidamente, certos conteúdos, alterando o registro de uma conversa pública, por exemplo", e complementa, "isso pode complicar ainda mais os problemas de desinformação no Twitter. Um colega publicou um estudo que mostrou que 50% da atividade no Twitter, durante a pandemia, foi gerada por robôs. Então, algo como o recurso de edição pode ser usado por robôs e pessoas, o que pode realmente aumentar a desinformação do Twitter".
O uso de robôs para fins políticos não é nenhuma novidade, sobretudo para os brasileiros. O presidente Jair Bolsonaro (PL), um usuário assíduo da plataforma, ganhou milhares de seguidores repentinamente há uma semana. Muitos desses novos seguidores são robôs, ou bots, criados para insuflar a popularidade de candidatos e pessoas públicas, dando a impressão de aprovação pública.
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Estratégias de manipulação nas redes sociais são uma ameaça à democracia. Em 2018, quando estourou o escândalo da Cambridge Analytica, o mundo ficou sabendo como dados sensíveis compartilhados pelo Facebook foram utilizados para influenciar o Brexit, como ficou conhecida a saída do Reino Unido da União Europeia, a eleição nos Estados Unidos e até a do Brasil.
Agora, com o Twitter na mão de um bilionário com interesses comerciais, a democracia pode ficar fragilizada. "Se você pensar no que aconteceu na área de comunicação de massa, as pessoas não leem mais as notícias nos jornais. A geração mais jovem está sendo influenciada pelas mídias sociais. Portanto, é uma ferramenta poderosa para influenciar as mentes, os corações e as percepções das pessoas", completa Shuba.
De fato, 7 em cada 10 estadunidenses que são ativos no Twitter dizem que a plataforma de microblog é uma maneira de consumir notícias, segundo uma pesquisa da agência Omnicore.
"Ele [Elon Musk] já comunicou também sua intenção de buscar um modelo de monetização que não seja o de publicidade, cobrando uma assinatura dos usuários e, aqui, de novo, cabe preocupação. As marcas servem, em muitos casos, como moderadores de conteúdo. A Procter&Gamble, por exemplo, desativou todos os seus anúncios no YouTube depois que viu que sua publicidade estava sendo associada a vídeos extremistas. Por conta dessa confusão, empresa e YouTube trabalharam juntas para garantir que houvesse melhores seguranças para a marca. Então, em certo sentido, uma mudança na geração de receita, se afastando da publicidade, pode piorar os problemas de desinformação do Twitter", avalia a professora da Universidade de Boston.
Dinheiro, porém, não é problema para o homem mais rico do mundo, que acumula uma fortuna estimada em quase US$ 265 bilhões. "Sempre que vejo o poder se concentrando nas mãos de uma pessoa ou entidade, digo que há margem para alarme", afirma à reportagem o professor Roy Gutterman, diretor do Centro de Liberdade de Expressão da Universidade de Syracuse, em Nova York.
Apesar das repetidas promessas de Musk, que se comprometeu a fazer do Twitter uma rede neutra e sem censura, o professor acredita que é preciso estar atento. "O Musk alega ser um absolutista da liberdade de expressão. Como um defensor da liberdade de expressão, apoio a ideia, mas ninguém tem certeza do que significa. Quem poderá estar nesta plataforma? Que tipo de coisas as pessoas vão dizer? No final das contas, ainda estaremos nas mãos de uma única entidade, em mãos privadas. Então, se Elon Musk acordar um dia e decidir que não gosta desse tipo de fala ou de orador, talvez haja ramificações, talvez pessoas sejam banidas... O tempo nos dirá".
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Colabora para essa série de incertezas o fato de o discurso de ódio, nos Estados Unidos, não ser criminalizado. "O discurso de ódio não é ilegal nos Estados Unidos, não temos nenhum tipo de padrão legal para o que pode constituir discurso de ódio. E mesmo que o fizéssemos, é uma área de expressão tão vaga e subjetiva que seria difícil de controlar e regular. Mas isso é para o modelo americano", completa Gutterman.
O Twitter sob a gestão de Musk deve ser desafiador para a esquerda dos EUA. O fundador da Tesla parece não cansar de postar memes e piadas sobre quem está mais alinhado ao Partido Democrata, dizendo que a esquerda está cada vez mais extrema. "Os extremistas de esquerda odeiam todo mundo, inclusive a si mesmos", escreveu o empresário na rede, no dia 29 de abril. Segundo depois, complementou: "Mas não sou fã da extrema direita também. Vamos odiar menos e amar mais".
Edição: Thales Schmidt