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Lula: É o trabalhador quem move a economia real

Para o ex-presidente, recuperação econômica não pode ser dissociada da melhoria das condições de vida das pessoas

São Paulo |
"Os sindicatos têm que ser fortes e desenvolver novas relações, não só com a base, mas com as novas categorias de trabalhadores que surgem que têm menos direitos do que os trabalhadores de uma fábrica" - Ricardo Stuckert

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu entrevista por e-mail ao Brasil de Fato abordando a atual situação do Brasil e, em especial, a precarização do mercado de trabalho e a piora nas condições de vida da população em geral. Para ele, “o que gera emprego é o povo tendo condições de comprar, é o dinamismo da economia, a economia real, não a especulação”.

A estabilidade que a formalização dá para o trabalhador, ela também se transfere para a economia. A gente consegue planejar uma viagem para ver a família, consegue planejar comprar a geladeira, fazer um churrasquinho para comemorar o aniversário”, pontua Lula.

A precarização do mercado de trabalho e a ilusão gerada pelo chamado “empreendedorismo” também foram questões abordadas pelo ex-presidente, que estará presente no ato unificado das centrais, no Pacaembu, neste Primeiro de Maio. “O sonho de todo o trabalhador é não ter patrão. Mas criaram uma ilusão de que ele não teria patrão e criaram um patrão pior, invisível, e uma corrente a partir do aplicativo de celular, em um trabalho sem direitos.”

Confira abaixo a entrevista, que também é tema da edição especial impressa do Brasil de Fato nº 19, que tem como tema principal a questão do trabalho.

Além do elevado nível de desemprego, o país vive hoje um processo de queda no rendimento médio dos trabalhadores com o crescimento da informalidade. Que medidas podem ser tomadas pelo poder público para estimular a criação de empregos com aumento da formalização? E de que forma o aumento da formalização pode impactar na economia do país?

O poder público precisa acreditar e construir o futuro do Brasil, não ser um destruidor, como o governo atual. Precisamos fazer as obras de infraestrutura necessárias, estimular setores da economia que gerem empregos e renda. Ouvir todos os setores da sociedade e ajudar os mais pobres, para que eles também possam ter uma vida digna e participar da economia. Precisamos dar apoio a produção de alimentos e estoques reguladores, para o preço da comida cair. Precisamos cobrar preços de combustíveis a partir dos custos em reais, não do preço em dólar no mercado internacional. Ajudar o povo a renegociar e quitar suas dívidas. E assim começar a movimentar a economia porque o que gera emprego é o povo tendo condições de comprar, é o dinamismo da economia, a economia real, não a especulação. Quando o trabalhador tem emprego de qualidade, ele movimenta o comércio e a indústria.

No final de 2014, o Brasil tinha uma taxa de desemprego de 4,3%, quase pleno emprego, padrão França, padrão Suécia. Criamos 22 milhões de empregos com carteira assinada. A estabilidade que a formalização dá para o trabalhador, ela também se transfere para a economia. A gente consegue planejar uma viagem para ver a família, consegue planejar comprar a geladeira, fazer um churrasquinho para comemorar o aniversário. E isso bota mais energia na roda gigante da economia.

A política de valorização do salário mínimo foi abandonada no governo Temer e chegou ao fim na gestão Bolsonaro. Qual a importância da retomada desta política para a classe trabalhadora e para a economia como um todo?

Está todo mundo sentindo no dia a dia qual é o problema dos salários não serem reajustados como deveriam. Fica evidente quando se tem que cortar a lista do mercado pela metade ou se endividar para pagar a conta de luz. Hoje, uma em cada três famílias brasileiras têm contas em atraso. As famílias mais pobres são as mais impactadas, sofrem mais, vivem pior do que antes. Vale lembrar que, quando estivemos na Presidência, o salário mínimo teve valorização de 74% e mais de 80% dos reajustes das categorias organizadas se davam acima da inflação, o que assegurava o poder de compra. Hoje, apenas 15,8% dos reajustes estão acima da inflação, o restante é igual ou menor. Significa que o povo está ganhando menos, com menos emprego, comendo menos e se endividando mais.

Ultimamente a lógica do empreendedorismo tem adquirido cada vez mais força entre os brasileiros, que passam a admitir a perda de direitos como algo natural para assegurar um emprego, ainda que precário. Isso vai desde a narrativa das iniciativas privadas com pequeno capital até a precarização dos motoristas e entregadores de aplicativos. Como o senhor enxerga esse momento do mercado de trabalho?

O sonho de todo o trabalhador é não ter patrão. Mas criaram uma ilusão de que ele não teria patrão e criaram um patrão pior, invisível, e uma corrente a partir do aplicativo de celular, em um trabalho sem direitos. E o desmonte dos direitos dos trabalhadores não aumentou a empregabilidade, como dizem. O que aumentou foi o trabalho sem garantia para o trabalhador, sem previdência, sem seguridade social. O menino que sai de casa para entregar comida, ele não está empreendendo. Ele está ganhando um trocado, às vezes passando fome e carregando comida nas costas, enquanto o dono do aplicativo está ganhando milhões. E se ele cai da bicicleta, ele não tem seguridade social, não tem seguro saúde, não tem auxílio-doença. Não tem nada. O déficit da Previdência cresceu após a reforma, porque as pessoas não estão contribuindo mais para a Previdência.

O momento é grave e nós precisamos rediscutir isso. Por isso, tenho estudado e conversado com o governo da Espanha, onde houve uma negociação com trabalhadores e empresários para rever a reforma trabalhista de lá, para recuperar a qualidade, estabilidade e força do mercado de trabalho e consumo da Espanha.


"O sonho de todo o trabalhador é não ter patrão. Mas criaram uma ilusão de que ele não teria patrão e criaram um patrão pior, invisível, e uma corrente a partir do aplicativo de celular, em um trabalho sem direitos"/ Alfredo Estrella / AFP

 

O desemprego é uma preocupação geral, mas, principalmente durante a pandemia, atingiu alguns segmentos em especial como os jovens, as mulheres e os negros. Como olhar para essas categorias de trabalhadores e combater essa desigualdade no mercado de trabalho?

A gente precisa atuar para reduzir as desigualdades raciais e com as mulheres no mercado de trabalho. Precisamos criar oportunidades de trabalho e voltar a ampliar as ofertas de educação. A gente estava tendo cada vez mais negros nas universidades, mais pessoas da primeira geração da sua família se formando. Isso gerou uma geração que está pressionando por mais diversidade nas empresas, porque acabou o discurso de que não havia mulheres e negros com boa formação para os cargos mais qualificados do mercado de trabalho.

Desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff os sindicatos têm sido alvo de ataques feitos no âmbito do governo federal e também do Congresso Nacional. Como reverter essa situação?

O golpe não foi contra a Dilma. O povo agora, seis anos depois, percebe que o golpe foi contra ele, contra o povo brasileiro, contra os trabalhadores, contra a soberania do país que está sendo destruída.

E nisso eles incluíram também a perseguição contra os sindicatos. Os sindicatos têm que ser fortes e desenvolver novas relações, não só com a base, mas com as novas categorias de trabalhadores que surgem que têm menos direitos do que os trabalhadores de uma fábrica. E temos que dialogar com a população que percebeu que os ataques aos sindicatos, ao PT, no fundo, eram ataques aos seus direitos. A gente precisa explicar e não se conformar com o mundo selvagem e precário que eles impuseram aos trabalhadores.

Edição: Glauco Faria