Mesmo com o desemprego flertando com o mínimo histórico, os Estados Unidos não têm motivos para comemorar. Isso porque o país enfrenta a maior inflação dos últimos 40 anos, deixando mais raso o bolso de todos que são obrigados a repensar a lista de compras, ora optando por itens ou marcas mais baratos, ora desistindo por completo de comprar determinado produto ou serviço.
Para melhor contextualizar o cenário econômico, vamos aos números: a inflação nos Estados Unidos marcou um aumento de 8,54% em março deste ano na comparação com o mesmo mês em 2021. A cifra foi impulsionada por aumentos nos preços dos alimentos e de combustíveis.
"Não sei se podemos decretar uma crise econômica, mas diria que isso é uma baita crise de credibilidade para o FED (Federal Bank Reserve, o Banco Central dos EUA)", diz ao Brasil de Fato o professor de economia da Texas A&M, Dennis Jansen. "O FED se comprometeu a manter a inflação em 2%, e estamos muito além disso", completa o docente, que critica duramente a letargia do órgão federal.
Na opinião de Jansen, as últimas duas rodadas de auxílio emergencial, no final da era Trump e começo da era Biden, injetaram dinheiro no mercado, mas o FED não agiu com rapidez para amortecer o impacto dessa manobra. "No ano passado, quando a inflação chegou a 4%, o Banco Central nada fez. Eles esperaram até março deste ano para finalmente subir os juros", explica.
O FED elevou em 0.25pp a taxa básica de juros, no primeiro aumento desde 2018. A expectativa é que, na primeira semana de maio, um novo reajuste seja formalizado.
"Isso mostra que o assunto é sério e está progredindo", avalia em entrevista ao Brasil de Fato John Leer, economista-chefe da Morning Consult. "Um ano atrás, a inflação era sentida apenas em setores específicos, que haviam sido impactados pela pandemia, como o mercado de carros usados, por exemplo. Agora, tudo e todos sofrem com essa inflação".
De fato, o poder de compra dos estadunidenses foi bastante reduzido. Mesmo aqueles que tiveram aumento salarial, na maioria dos casos, não chega a ser um aumento real, uma vez que o reajuste dificilmente se aproxima dos 8% necessários para repor a inflação.
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E, assim, pagando mais para viver da mesma forma, a população dos EUA assiste os valores dos aluguéis escalarem em mais de 5%, os do supermercado em 10% e os da gasolina em 12%. "Embora todos tenham que desembolsar para consumir itens de necessidade básica, como comida e, na maioria dos casos, gasolina, já que é preciso se deslocar, os mais pobres sofrem mais. A parcela da renda que eles dedicam a essa finalidade é muito maior que a de quem está mais acima da pirâmide social. Em outras palavras, todos sentem a inflação, mas talvez só o pobre a sofra", afirma o professor Jansen.
Essa pressão na carteira da população mais vulnerável deve repercutir nas urnas. Em novembro deste ano, os Estados Unidos renovam parte do Congresso, elegendo novos deputados e senadores. "A inflação, sem dúvida, está corroendo o poder de compra dos consumidores, porque os salários não estão acompanhando a inflação, e então, sob essa perspectiva, acho que é um risco político bastante significativo. E vemos isso não apenas nos EUA, mas globalmente: lugares como Chile, Argentina e Turquia estão experimentando o descontrole da inflação, e isso vai levar a muita turbulência política lá também", prevê Leer.
A situação já é tão complexa que não existe uma forma indolor de sair desta sinuca de bico. "Não existe almoço grátis, então quando resolvemos um problema, criamos outro", pondera o consultor. "Quando o FED aumenta a taxa básica de juros, o acesso ao crédito e a financiamentos fica mais difícil, mas acho que o foco agora é manter o preço sob controle. Claro, as pessoas vão sofrer com a alta dos juros, mas elas já estão sofrendo com a inflação também. É importante, porém, que o Banco Central ajuste suas políticas para manter o momento da economia e preservar a criação de empregos. Sou otimista em relação ao futuro, mas a curto prazo, tudo isso vai provocar muita incerteza e muita confusão".
Edição: Thales Schmidt