INDÍGENAS

25 anos da morte de Galdino: assassinos recebem mais de R$ 15 mil como servidores públicos

Relembre onde estão cada um dos envolvidos em um dos crimes mais chocantes da história da capital federal

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Indígenas do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe fazem homenagem a Galdino em registro de 2011 - Marcello Casal Jr/ABr

No aniversário de 25 anos da morte do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, em Brasília, em 1997, os cinco assassinos responsáveis pelo crime bárbaro estão na elite do funcionalismo público, com altos salários e uma série de privilégios.

No ano passado, o Brasil de Fato mostrou com exclusividade que o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) designou um dos cinco condenados por matar o índio pataxó, para um cargo comissionado na Polícia Rodoviária Federal.

Gutemberg Nader de Almeida Júnior, servidor que ingressou na corporação por concurso público em 2016, foi agraciado em janeiro de 2020 com o posto na PRF e permaneceu na função até dezembro do mesmo ano.

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Nos 11 meses em que esteve no cargo de substituto do chefe da Divisão de Testes, Qualidade e Implantação, ele recebeu gratificações mensais de aproximadamente R$ 2 mil (o comissionamento é identificado pelo governo federal pelo código FCPE 101.2). Os ganhos foram acrescidos ao seu salário bruto, de mais de R$ 9 mil.

A portaria com a designação de Gutenberg foi assinada por André Luiz Marçal da Silva, coordenador de Recursos Humanos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, então chefiado pelo ex-juiz Sérgio Moro. O comando da PRF, à época, era de Adriano Marcos Furtado.

Depois da saída de Moro da pasta, em abril de 2020, Gutemberg se manteve na função por cerca de oito meses. Em maio, com o Ministério da Justiça sob chefia do atual ministro do Supremo Tribunal Federal, André Mendonça, a direção-geral da PRF passou a ser de Eduardo Aggio de Sá.

A medida perdeu validade apenas em dezembro daquele ano, quando a dispensa do servidor do cargo comissionado foi assinada por Silvia Regina Barros, atual diretora de Gestão de Pessoal da corporação. Veja o trecho das portarias que citam a concessão do cargo comissionado:

O policial rodoviário é um dos cinco condenados pela assassinato de Galdino, que foi brutalmente queimado enquanto dormia em um ponto de ônibus na W3 Sul, avenida em um bairro nobre da capital federal. Ele era o único menor de idade na cena do crime cometido na madrugada 19 de abril de 1997.

Gutemberg foi libertado em 12 de setembro de 1997, por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Em sessão secreta, os desembargadores trocaram a internação de três anos por liberdade assistida. Ao completar a maioridade, o registro do crime praticado na adolescência foi apagado, como determina a legislação brasileira.

Os outros assassinos (Tomás Oliveira de Almeida, Max Rogério Alves, Eron Chaves Oliveira e Antônio Novely Cardoso Vilanova) foram condenados, em 2001, em júri popular, a 14 anos de prisão em regime fechado por homicídio doloso. Em 2004, sete anos depois do caso, nenhum deles permanecia preso.

::: Leia a íntegra dos autos do processo que condenou os responsáveis pela morte de Galdino :::

Em seus depoimentos à Justiça, os criminosos disseram que o objetivo era "dar um susto" em Galdino e fazer uma "brincadeira" para que ele se levantasse e corresse atrás deles. Um dos rapazes disse à imprensa que ele e seus amigos haviam achado que Galdino "era um mendigo" e que, por isso, cometeram o crime.

Em 2014, Gutemberg foi aprovado em um concurso para agente da Polícia Civil do Distrito Federal. Ele passou por todas as etapas até chegar à análise de vida pregressa. Nesse momento, a morte de Galdino teve peso e a candidatura foi barrada pela corporação. O condenado questionou a decisão na Justiça e chegou a levar o caso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), mas a determinação foi mantida.

O advogado de Gutemberg na ocasião era o então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF), Ibaneis Rocha. Em 2018, tornou-se político e foi eleito para o cargo de governador do Distrito Federal, com apoio do atual presidente Jair Bolsonaro.

Mesmo com a recusa da Polícia Civil, Gutemberg insistiu no projeto de integrar uma força de segurança. Em 2016, foi aprovado em um concurso da Polícia Rodoviária Federal. Depois de disputa judicial por ter sido barrado novamente análise de vida pregressa, conseguiu tomar posse no cargo. Ele é agente da corporação desde novembro daquele ano. Até o governo Bolsonaro, Gutemberg não havia recebido nenhuma gratificação ou ocupado cargos em comissão dentro da corporação.

No ano passado, o Brasil de Fato procurou a Polícia Rodoviária Federal para fazer questionamentos sobre a promoção de Gutemberg durante o ano de 2020. A corporação não especificou os motivos, mas enviou a seguinte nota (reproduzida na íntegra):

"O servidor Gutemberg Nader foi alvo de investigação social como qualquer outro candidato, durante o certame de 2016. Por ocasião da investigação social, houve decisão para que ele fosse desligado do Curso de Formação Profissional - CFP, de 2016, pelos fatos que são de conhecimento geral, qual seja, o evento com o Índio Galdino, quando ele era ainda menor de idade. Contudo, ele retornou ao CFP, concluiu e tomou posse como PRF, por força de decisão judicial. O servidor Gutemberg está lotado na Superintendência do Distrito Federal. Sua remuneração está no Portal da Transparência."

Condenados têm cargo público

Em 2001, os quatro adultos que participaram do crime ao lado de Gutemberg foram condenados a 14 anos de prisão. Em 2002, receberam benefício de liberdade assistida, que foi revogado após vídeos do Correio Braziliense que mostravam os condenados bebendo cerveja e namorando no horário em que deviam estar trabalhando ou estudando.

No início de 2004, o benefício foi concedido novamente. Em novembro do mesmo ano, dois deles foram agraciados com a liberdade condicional. Em dezembro, os outros dois que permaneciam presos saíram da prisão pelo mesmo benefício. A pena de 14 anos foi cumprida pelos quatro completamente em 2011.

Mesmo após terem sido condenados por um crime hediondo (homicídio triplamente qualificado), todos possuem certidão negativa de antecedentes criminais. O artigo 202 da Lei de Execução Penal garante sigilo em caso de condenações já cumpridas.

“Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”, aponta o artigo da lei de 1984.

Veja onde está cada condenado

Tomás Oliveira de Almeida, servidor do Senado Federal

Irmão mais velho de Gutemberg, é um dos quatro condenados a 14 anos de reclusão por homicídio qualificado. É técnico legislativo no Senado Federal, onde ingressou por concurso público em 2012. No ano seguinte, passou a receber, além do salário, um valor por ocupar uma função comissionada na Casa. Atualmente, ele soma todo mês R$ 5.763,32 ao salário bruto de R$ 21.476,11. Tomás trabalha na Coordenação de Comissões Permanentes do Senado e, em 2017, chegou a ser alocado na chefia de gabinete do ex-senador Ataídes Oliveira, então do PSDB. Neste ano, no aniversário de 25 anos da morte de Galdino, tirou licença para estudar no exterior.

Eron Chaves Oliveira, agente de trânsito no Detran do Distrito Federal

Primo de Gutemberg e Tomás, é agente do Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF). Recebe salário de R$ 15.699,20 brutos. Formado em Direito por uma universidade em Brasília, chegou a atuar na profissão, mas parou de advogar depois que uma emenda constitucional proibiu o acúmulo de funções, em 2014.

Antônio Novély Vilanova, fisioterapeuta da Secretaria de Saúde do Distrito Federal

Filho do desembargador federal Novély Vilanova, formou-se em fisioterapia pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e hoje é servidor da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, lotado no Hospital Regional de Santa Maria. Por mês, ele recebe salário mensal de R$ 15.196,46 brutos.

Max Rogério Alves, servidor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

Em outubro de 2017, o advogado Max Rogério Alves foi nomeado para cargo no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), após ser aprovado em concurso público. Desde então, após anos atuando em prestigiados escritórios de advocacia em Brasília, atua como analista judiciário da Corte Distrital, onde recebe mensalmente cerca de R$ 16.091,40 de salário bruto.

Edição: Vivian Virissimo