Depois de ser questionado nesta segunda-feira (18) sobre a possibilidade de investigação de torturas cometidas por militares durante a ditadura, o vice-presidente Hamilton Mourão, que é general da reserva, riu da situação e disse que “os caras já morreram”. Áudios de sessões do Superior Tribunal Militar (STM) mostram relatos de crueldade no período.
“Apurar o quê? Os caras já morreram tudo, pô. [risos]. Vai trazer os caras do túmulo de volta?”, disse o vice-presidente da República. E continuou: "História, isso já passou, né? A mesma coisa que a gente voltar para a ditadura do Getúlio. São assuntos já escritos em livros, debatidos intensamente. Passado, faz parte da história do país".
As falas chocam, mas não surpreendem, já que estão de acordo com outras declarações de Mourão desde que se lançou candidato. O vice-presidente defendeu um torturador que atuou durante a ditadura, afirmou que "não existe racismo no Brasil" e disse que liberdade só existe quando as Forças Armadas quiserem. Os discursos de Mourão seguem a mesma linha de pensamento do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Viagra para o Exército
Na semana passada o vice já havia causado polêmica ao comentar os processos de licitação abertos pelo Exército brasileiro para a aquisição de 35 mil comprimidos de Viagra. Para ele, houve exagero na repercussão do caso.
“Mesmo que seja para o cara usar [para disfunção erétil]. Vamos colocar como funciona o sistema de saúde do Exército: um terço é recurso da União, que é o chamado fator de custo, é a contrapartida da União para os militares. E dois terços é o fundo de saúde que é bancado pela gente. Então, eu desconto 3% do meu salário para o fundo de saúde. E todos os procedimentos que eu faço a gente paga 20%, além dos 3% que ele desconta", afirmou.
E finalizou: “Então, tem o velhinho aqui [aponta para si próprio]. Eu não posso usar o meu Viagra, pô? O que são 35 mil comprimidos de Viagra para 110 mil velhinhos que tem? Não é nada". Apesar das declarações do vice-presidente, o Ministério da Defesa afirmou usar o remédio para tratar de hipertensão.
Defesa de torturador
Em 2020, Mourão afirmou que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra foi "um homem de honra, que respeitava os direitos humanos de seus subordinados". Ustra foi chefe do DOI-CODI, órgão usado na repressão política durante a ditadura militar, e foi condenado em 2008 por tortura.
"O que posso dizer sobre o homem Carlos Alberto Brilhante Ustra é que ele foi meu comandante no final dos anos 70 do século passado, e era um homem de honra e um homem que respeitava os direitos humanos de seus subordinados. Então, muitas das coisas que as pessoas falam dele, eu posso te contar, porque eu tinha uma amizade muito próxima com esse homem, isso não é verdade".
Após as declarações, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns publicou uma carta de repúdio, alegando que as falas de Mourão "desonram as Forças Armadas".
"Racismo não existe no Brasil"
Ainda em 2020, o vice-presidente voltou a ser criticado por falas consideradas impróprias. Após um homem negro ser espancado e morto por um segurança do Carrefour, em Porto Alegre (RS), Mourão disse que não existe racismo no Brasil. A declaração ocorreu no Dia da Consciência Negra.
"Digo com toda a tranquilidade: não existe racismo no Brasil. É uma coisa que querem importar, mas aqui não existe", falou.
"Eu digo para vocês o seguinte, porque eu morei nos Estados Unidos: racismo tem lá. Eu morei dois anos nos EUA, e na escola em que eu morei lá, o 'pessoal de cor' andava separado. Eu nunca tinha visto isso aqui no Brasil. Saí do Brasil, fui morar lá, era adolescente e fiquei impressionado com isso aí. Isso no final da década 60".
"Liberdade só existe se as Forças Armadas quiserem"
Em março de 2019, logo no terceiro mês à frente da vice-presidência, Mourão defendeu uma fala antidemocrática do presidente Jair Bolsonaro, afirmando que ele foi "mal interpretado" ao declarar que "democracia e liberdade só existem" quando as Forças Armadas desejam.
"O que que o presidente quis dizer? Está sendo mal interpretado. O presidente falou que onde as Forças Armadas não estão comprometidas com democracia e liberdade, esses valores morrem. É o que acontece na Venezuela. Lá, infelizmente, as Forças Armadas venezuelanas rasgaram isso aí. Foi isso que ele [Bolsonaro] quis dizer", defendeu.
"Branqueamento da raça"
Antes de fazer parte do governo, quando ainda era candidato ao posto, em 2018 Mourão citou o "branqueamento da raça" ao dizer que o neto dele "é um cara bonito". A fala foi considerada racista.
"Gente, deixa eu ir lá, que meus filhos estão me esperando. Olha, meu neto é um cara bonito, viu ali? Branqueamento da raça", afirmou Mourão.
Antes, o militar já havia feito comentários racistas ao relacionar negros a "malandragem". Ele disse que o brasileiro herdou a cultura do "privilégio" do português, a "indolência" do índio e a "malandragem" do africano.
Edição: Felipe Mendes