Faltando menos de seis meses para a eleição presidencial e com a economia em crise, o presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou ações em busca de um alívio monetário aos brasileiros semelhantes a medidas tomadas ou planejadas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder nas pesquisas eleitorais. Em cinco meses, Bolsonaro já criou um programa de transferência de renda parecido com o Bolsa Família, reduziu impostos sobre carros e eletrodomésticos e até perdoou dívidas de estudantes com o Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) – promessa eleitoral de Lula.
Contrariando o próprio discurso de corte de gastos, Bolsonaro já comprometeu pelo menos R$ 40 bilhões do Orçamento de 2022 com essas ações, que são temporárias, válidas principalmente durante o ano eleitoral. Segundo economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, algumas medidas até são positivas, mas terão efeito limitado e têm como objetivo principal agradar o eleitorado do atual presidente.
“Bolsonaro está preocupado em se reeleger”, disse Simone Deos, professora do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Então ele está negociando lá com sua equipe econômica e ‘enfiando goela abaixo’ algumas coisas que precisam ser feitas.”
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Parte dessas coisas, disse Deos, já haviam sido identificadas pelo presidente Lula ainda no início de seu primeiro mandato. Em outubro de 2003 – dez meses após assumir a Presidência – Lula criou um programa de transferência de renda para a população mais vulnerável, o Bolsa Família, premiado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e principal responsável pela redução da probreza extrema no país.
Em outubro do ano passado – faltando um ano para eleição –, o governo Bolsonaro encerrou o Bolsa Família. Em dezembro o atual presidente sancionou a lei que criou o Auxílio Brasil, outro programa de transferência de renda, mas com pagamentos mais altos e temporários.
Com o Auxílio Brasil, a parcela do Orçamento destinada a ações para garantia de renda mínima subiu para R$ 89,9 bilhões em 2022. Em 2021, o governo havia gasto R$ 65,2 bilhões com o Bolsa Família, que Bolsonaro chamava de ação eleitoreira.
Deos afirmou que é inegável que o país precisa de um programa social robusto. Para ela, no entanto, o Auxílio Brasil não cumpre essa função já que acabará ainda em 2022. Para a economista, até ser encerrado, o Auxílio Brasil deve fortalecer a candidatura de Bolsonaro à reeleição.
Ligia Toneto, economista e pesquisadora do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), também criticou o caráter temporário do Auxílio Brasil, que substitui um programa permanente, e viu motivações eleitoreiras na ação.
“Não há nenhuma sinalização do governo Bolsonaro de que o programa de transferência de renda é de fato uma prioridade estratégica do governo mais do que algo conjuntural”, disse.
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Isenção padrão 2008
Em março deste ano, Bolsonaro editou um decreto reduzindo em até 25% a alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre eletrodomésticos e automóveis. Em 2008, quando o Brasil foi impactado pela crise gerada pela quebra de bancos nos Estados Unidos, Lula lançou mão da mesma medida para estimular o consumo.
Toneto, entretanto, ressaltou que, quando Lula anunciou a medida, o Brasil vivia os primeiros efeitos da crise. O estímulo ajudou que ela não se agravasse por aqui. Bolsonaro, por sua vez, baixou impostos em um momento em que a crise já é grave e longa. Por isso a economista não acredita que a redução do IPI estimulará a economia como no passado.
“Num cenário em que a economia está muito frágil, que a inflação vai terminar o ano acima da meta, que o desemprego vai continuar acima dos 10%, não significa que uma redução de impostos vai movimentar diretamente a economia”, explicou.
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Toneto ainda lembrou que a redução de impostos tem impacto na arrecadação. Só em 2022, o governo estimou que R$ 19,5 bilhões deixarão de ser recebidos pela União por conta da medida. Se não é efetiva para estimular a economia, segundo Toneto, acaba sendo perversa com quem mais precisa, pois compromete outras ações que poderiam ser realizadas com os recursos dos quais o governo abriu mão.
Ainda em março, o governo reduziu R$ 1 bilhão em impostos para importação de café torrado, margarina, queijo, macarrão, açúcar, óleo de soja e etanol. A intenção era frear o aumento da inflação, problema que compromete a popularidade do presidente.
Perdão após promessa
Já em fevereiro, Bolsonaro anunciou o perdão das dívidas do Fies. Cerca de 1 milhão de estudantes do Ensino Superior que não conseguiam arcar com o crédito obtido para pagar sua faculdade terão seus débitos abatidos.
Comunicado enviado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) ao site Poder360 informa que o valor médio do perdão para cada estudante será de R$ 34,8 mil. Isso quer dizer que, no total, o governo perdoará até R$ 38 bilhões em dívidas a receber, recursos estes que já eram considerados perdidos e que não seriam contabilizados no Orçamento.
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Lula, que lidera as pesquisas para as eleições de 2022, ainda em dezembro do ano passado já falava em anistiar dívidas do Fies. Bolsonaro, contudo, negou que tenha “roubado” a ideia.
O presidente também anunciou estímulo ao crédito consignado em março. Esse tipo de empréstimo cresceu de forma expressiva no governo Lula. A medida faz parte de um pacote de R$ 150 bilhões que Bolsonaro anunciou para tentar alavancar a economia, e que conta também com medidas como a antecipação do pagamento do 13º salário de aposentados e pensionistas e a liberação de novos saques de contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Foco eleitoral
O economista Pedro Mattos disse que Bolsonaro anuncia medidas semelhantes às ações de Lula pois percebeu que sua agenda neoliberal, baseada em corte de gastos e privatizações, fracassou. Ele agora busca se aproximar de setores desenvolvimentistas da burguesia, mais alinhados ao estímulo à demanda, justamente para evitar que Lula e seu partido ganhem a adesão dessa fatia da população.
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“Para Bolsonaro é importante minar essa recomposição da frente neodesenvolvimentista, o que passa também por dividir a burguesia interna”, afirmou.
De acordo com Simone Deos, Bolsonaro deve manter seu alinhamento com as ideias do ministro Paulo Guedes, da Economia, caso seja reeleito. Por conta disso, se ele sair vitorioso do pleito deste ano, é grande a chance das ideias neoliberais voltarem à pauta.
“Bolsonaro acredita em Guedes”, disse ela. “O ministro acha que o Brasil ‘deu azar’ com a covid-19, com a guerra entre Rússia e Ucrânia, mas que isso não vai durar para sempre. Se Bolsonaro for reeleito, Guedes voltará a dizer que a privatização e o controle de gastos são a solução.”
Edição: Felipe Mendes