O Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou por unanimidade a cassação do deputado estadual Arthur do Val (sem partido), o “Mamãe Falei”. Foram 10 votos pelo fim do mandato do parlamentar ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL). Agora, a cassação deve passar pelo colegiado completo da Casa, em sessão ainda a ser agendada. O fim do mandato virá após votação de maioria absoluta. A avaliação dos parlamentares é de que o processo deve ser confirmado no Plenário. Além da cassação, o parlamentar pode ficar inelegível por oito anos.
A sessão foi marcada por ampla participação dos membros da Alesp, e confirmou o parecer do relator, Delegado Olim (PP). Notou-se que, por todo o tempo em que esteve no Conselho de Ética, Mamãe Falei não olhou diretamente para nenhuma parlamentar mulher. De fato, evitou também dirigir-se a qualquer outro membro do Parlamento. Eventualmente, sob críticas, deu sorrisos sarcásticos de cabeça baixa.
“Bando de homens”
Entre outros pontos relevantes da sessão, houve a presença de apoiadores convocados pelo deputado que tentaram tumultuar a votação. Do lado de fora, uma maioria de homens, incluindo funcionários do gabinete de Mamãe Falei, gritavam palavras de ordem e “urros” para “dar força” ao parlamentar. “Um bando de homens, em um rito masculino, gritam lá fora”, comentou a deputada Mônica Seixas, da Bancada Ativista (Psol). A algazarra interrompeu as falas dos parlamentares em mais de uma ocasião.
Os apoiadores do deputado também tentaram impedir a entrada de pessoas que participaram da sessão. Entre elas, tiveram dificuldades para entrar no Conselho um grupo de mulheres ucranianas. Logo após a leitura do parecer de Olim, o deputado Enio Tatto (PT) lembrou aos presentes o porquê ali estavam. Ele passou na íntegra a fala vazada de Mamãe Falei sobre mulheres ucranianas refugiadas da guerra contra a Rússia.
“Você nunca pode ir para cidades com as melhores baladas, tem que ir pra cidades normais. Você pega as minas no mercado, na padaria (…) As cidades mais pobres são as melhores (…) São quatro barreiras alfandegárias. Foram 12 policiais deusas, que você casa (…) E detalhe, elas olham. São fáceis, porque elas são pobres”, disse do Val após viagem ao país em conflito, onde “ajudou” milicianos locais a preparar coqueteis molotov.
Vergonha para o país
“Me sinto muito envergonhado como homem, como brasileiro. Tratamos de frases sexistas, misóginas, de tamanha gravidade. Estamos julgando falta de ética e a quebra do decoro do parlamentar. Houve? Não tem dúvida nenhuma a respeito disso. É uma vergonha o Parlamento de São Paulo. Essas frases não é uma coisa que aconteceu por acaso. Isso é uma construção do caráter do deputado”, completou Tatto.
O petista foi seguido pela parlamentar Erica Malunguinho (Psol). Ela foi interrompida pelos gritos dos defensores de Mamãe Falei, mas prosseguiu. “É uma história de violência, de uma lógica de poder que faz com que as mulheres estejam sujeitas ao poder do homem. Uma fala banal gera estupro, feminicídio. É uma construção histórica baseada em uma lógica de poder onde as mulheres são o elo mais frágil. Esse ‘papo bobo’, de homem, é exercício de poder”, disse.
Terrorismo na internet
Por sua vez, a deputada Marina Helou (Rede) também lamentou ouvir novamente a fala de Mamãe Falei e acrescentou sobre a tentativa de intimidação da militância do MBL. “Começo enojada de ouvir novamente isso. Sinto muito que essa Casa tenha que se debruçar sobre tamanho retrocesso. O Arthur acionou sua militância para que o defenda (…) Essa forma de fazer política intimidando as pessoas, gerando fake news e terrorismo na internet é responsável por muito da derrocada na nossa democracia. É responsável por como está nosso país. Não serei intimidada por gente gritando, moleque me ameaçando. A democracia precisa ser mais do que isso”.
Na mesma lógica, o parlamentar Emídio de Souza (PT) também fez críticas à pressão dos apoiadores do parlamentar. “Os que berram aqui, berram por alguém que agrediu mulheres ucranianas e brasileiras. Berram por alguém que foi capaz de descrever mulheres apenas como objeto e nada mais. Ele foi para a Ucrânia para lacrar, para gravar, para sustentar sua turba do MBL. Livre do que? Da moral, da ética, do respeito, da seriedade. Não me assustam. Vamos aprovar a cassação do Arthur do Val por 10 a zero para que fique claro o papel desta Casa”, criticou.
Violência econômica
O também petista Teonilio Barba chamou a atenção dos presentes para um detalhe na conduta do deputado contra as mulheres: a violência de classe. “Pouca gente reparou na violência do poder econômico, de dizer que as mulheres são fáceis porque são pobres. Isso é parte do vício da elite brasileira, machista, sexista, misógina e preconceituosa. Isso quer dizer que em qualquer bairro onde mulheres forem bonitas e pobres, a violência pode chegar lá e tratar a mulher como objeto. Isso faz parte do conceito, do caráter do Arthur”, disse.
A também petista Professora Bebel lamentou que a Casa tenha de perder tempo com um tema tão baixo. “Gostaria de estar aqui não para debater isso. É pressuposto para um parlamentar saber do seu papel em uma Assembleia Legislativa (…) Isso não poderia ter acontecido, não pode acontecer jamais. (…) No Plenário, vou votar por sua cassação. Não gostaria, gostaria de votar políticas públicas para o estado. Gostaria de debater educação, inclusão”, disse.
“Mamãe Falei representa”
Por fim, a deputada Patrícia Bezerra (PSDB) fez duras críticas ao machismo de Mamãe Falei e de toda a estrutura política brasileira. Ela lembrou que o parlamentar não está sozinho. Ao contrário, representa parte significativa dos brasileiros. “Acredito que os eleitores do Arthur do Val não estejam decepcionados. Existe uma grande maioria da população que está sentada junto com Arthur neste julgamento. Ele representa este pensamento patriarcal, misógino, sexista, preconceituoso. Ele continua com o pensamento de que mulheres são para serem adquiridas, tomadas, manipuladas contra seu próprio desejo ou anseio. São objetos da sua aspiração, do seu olhar. O olhar para uma fila de refugiados é praticamente patológico. Posso dizer isso porque sou psicóloga”.