Milhares de indígenas marcharam nesta segunda-feira (11), em Brasília (DF), para protestar contra o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que autoriza mineração e garimpo em territórios tradicionais.
Com urgência na tramitação já aprovada pelo plenário da Câmara dos Deputados mês passado, a proposta pode ser colocada em votação a qualquer instante e por isso é motivo de grande preocupação para lideranças do campo indígena.
Os manifestantes saíram da região central de Brasília (onde está montado, desde o último dia 4, o Acampamento Terra Livre, ATL) e foram até o Congresso Nacional, caminhando por cerca de quatro quilômetros. O ponto alto da marcha se deu em frente à sede do Ministério das Minas e Energia, onde os indígenas abriram uma enorme bandeira de protesto contra o garimpo.
Carregando barras fictícias de ouro e com o corpo pintado com lama amarelada, eles lembraram a invasão promovida por garimpeiros nas terras tradicionais. “É pra simbolizar que está todo mundo cansado e com lama até o pescoço. Ninguém aguenta mais”, afirmou Sônia Guajajara, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Mulheres indígenas se destacavam entre manifestantes da marcha contra o PL 191/2020 / Mídia Ninja
“O governo fica chamando nossas lideranças, chamando os indígenas pra tirar foto e dizer que tem apoio dos povos pro PL 191. E nós estamos aqui com milhares de indígenas desde a semana passada pra dizer que os povos indígenas não estão de acordo, não apoiam de forma alguma essa política, esse pacote de destruição do governo federal”, afirmou Sônia Guajajara.
O protesto desta segunda-feira foi um dos pontos altos da programação do ATL, que segue até quinta-feira (14), na capital federal. Homens, mulheres, jovens e crianças de vários estados integraram a marcha.
“É muito importante ter a presença dos jovens indígenas porque não somos o futuro. Somos o presente. Então, temos essa missão de participar das lutas para que o futuro seja garantido por nós, que estamos aqui no presente", diz Yaponã Guajajara, de 20 anos, que veio do Maranhão em uma delegação com três ônibus.
Maria Flor Guerreira Pataxó, que saiu de Santa Luzia (MG) para integrar o ATL, conta que as comunidades pataxós dos diferentes estados “já não sabem mais o que fazer com tanta exploração de invasores”.
“Nós temos problema com o garimpo. Tudo começou na Bahia. Os pataxós de Minas, por exemplo, são cercados pelas mineradoras, e mineração também é garimpo. Em Brumadinho e Mariana, onde também estamos, o Córrego do Feijão, o rio Paraopeba, o rio Doce, [estão] todos saturados de lama, sem peixe. Há morte por todo lado”, desabafa.
Ela, que se apresentou à reportagem como “engravidadora de sonhos e plantadora de árvores”, conta que a luta política organizada do povo indígena tenta levar para o restante da sociedade uma perspectiva de mundo voltada ao “bem viver”, com equilibro ambiental, climático e preservação das florestas.
“Essa luta não é só pelos indígenas. Essa luta é pelo mundo.” Na mesma sintonia, o cacique Kambré, de Marabá (PA), afirma que veio a Brasília porque está “lutando para deixar os recursos naturais das terras indígenas para os futuros bisnetos”.
Legislação
Lideranças indígenas apontam que a eventual aprovação do PL 191/2020 traria um efeito cascata devastador para as áreas tradicionais. Potencialmente contaminantes, as atividades do garimpo, por exemplo, podem comprometer os territórios com a poluição de rios e cursos d’água e devastação das matas.
Deformidades genético-fetais já são realidade em algumas comunidades onde se convive com a invasão ilegal de garimpeiros. É o que destaca o advogado Eloy Terena, que tua na Apib e na Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
Ele também pontua que o garimpo já é vetado pela Constituição Federal de 1988, que também prevê a mineração em áreas indígenas, desde que sejam cumpridos alguns requisitos. A consulta à comunidade atingida, por exemplo, é obrigatória.
“A Constituição também deixa bem claro que a mineração em territórios indígenas e qualquer outro tipo de aproveitamento de potencial energético só pode ser implementado por meio de autorização do Congresso, então, tem que ter um decreto legislativo. E outro ponto é a garantia da participação das comunidades no resultado da lavra”, destaca.
“O PL 191 não cumpre esses requisitos e é uma proposta de lei extremamente agressiva aos povos indígenas”, avalia Terena, que afirma que as comunidades seguirão em coro contra a proposta.
Edição: Felipe Mendes