Uma mulher de 52 anos foi resgatada em Vitória da Conquista, sudoeste baiano, após 40 anos de submissão a condições de trabalho análogo à escravidão. A libertação da vítima ocorreu na quarta-feira (30), mas o fato só veio à tona nesta sexta (1º), quando foi finalizada a operação.
Os trabalhos foram liderados pelo Grupo Especial de Combate ao Trabalho Análogo ao de Escravo na Bahia (Getrae), da Superintendência Regional do Trabalho (SRT-BA), em parceria com Ministério Publico do Trabalho (MPT), Defensoria Pública da União (DPU), Secretaria de Justiça e Direitos Humanos da Bahia e Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A mulher foi resgatada de uma casa de família para onde havia sido levada desde os 13 anos de idade para cuidar dos afazeres domésticos.
“É aquele tipo de história em que a patroa ‘pegou a pessoa para criar’, um caso típico do Brasil, como a gente já sabe. A patroa estava grávida e pegou a adolescente pensando em colocá-la para trabalhar na casa e tê-la supostamente como filha”, conta a auditora-fiscal do Trabalho Flávia Maia, que participou da operação.
De acordo com a equipe de resgate, o tratamento dado à vítima era “bem diferente” daquele dispensado aos filhos biológicos. “Dos três filhos da patroa, por exemplo, dois se formaram e um deles mora no exterior, enquanto a trabalhadora nunca foi além da 4ª série do ensino fundamental. Então, o tratamento era discriminado”, compara Flávia.
A mulher também trabalhava de domingo a domingo e nunca havia recebido salário nem outros direitos trabalhistas. “Ela não tinha tempo pra si, não tinha final de semana, não tinha os próprios vínculos [de relacionamento]”, enumera a auditora fiscal.
Flávia destaca que a vítima vinha de uma realidade muito pobre, tendo sido trazida de uma família em situação socioeconômica bastante vulnerável.
“Isto é uma coisa muito importante: [nos casos de] pessoas que se submetem ao trabalho análogo ao de escravo, o requisito da vulnerabilidade é muito marcante, seja no trabalho rural, doméstico, seja no caso das que se submetem a uma exploração sexual, enfim. A vulnerabilidade é muito marcante nesses casos”, reforça.
Outro destaque do caso localizado pelos fiscais é que a mulher recebia mensalmente o benefício de prestação continuada (BPC), por sete anos, devido a problemas de saúde, mas o dinheiro era sacado pela patroa, que decidia seu destino.
Entre outras coisas, a trabalhadora era colocada para cumprir tarefas em um pensionato que funciona no mesmo endereço. “Ela não prestava serviço na limpeza dos quartos do pensionato, por exemplo, mas colocava mesa do café da manhã dos moradores, colocava a mesa da janta, auxiliava no preparo do almoço deles, etc.”.
Humilhações também estão presentes entre os elementos apurados pelas equipes de resgate. “Houve relatos de incômodo dos vizinhos com relação à situação a que a vítima era submetida. Agora, recentemente, quando ela já estava mais adoecida, [a patroa] dizia ‘ah, vou lhe entregar de volta pra sua família’, ‘vá embora. Você quer ir embora? Então, vá mesmo’, uma vez que a vítima começou a apresentar problemas de saúde”.
“Porém, por outro lado, a patroa também dizia: ‘Não vá embora, eu tenho você como uma filha e você é uma mãe pros meus filhos’. Era uma relação dual”, acrescenta Flavia Maia.
Esperança
Apesar da situação em que vivia, a trabalhadora contou à equipe que mantinha há algum tempo a esperança de um dia ser resgatada. Ela narrou aos fiscais ter visto certa vez, em uma reportagem, a história de pessoas em situação semelhante que foram libertadas e por isso acreditava que iria viver o mesmo no futuro.
“Quando a gente conversou com ela, ela disse: ‘Agora eu sei que vou ser livre. É uma vida nova’", conta a auditora.
Desdobramentos
A operação resultou na imposição do pagamento de R$ 150 mil por parte da patroa à vítima, sendo R$ 90 mil referentes a verbas rescisórias e R$ 60 mil por danos morais individuais. Além disso, ela deverá pagar o valor referente ao FGTS, cujo montante ainda não foi calculado.
A mulher resgatada agora está recebendo assistência social por parte do governo da Bahia e já foi encaminhada para a casa da própria família, em Itacaré, no Sul do estado.
Edição: Rodrigo Durão Coelho