BOLSOLÃO DA EDUCAÇÃO

4º Ministro de Bolsonaro a deixar MEC, Milton Ribeiro pede demissão após denúncias de corrupção

Revelação de esquema envolvendo propina em barras de ouro e venda de bíblias encurtou passagem de Ribeiro pelo governo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Ribeiro durante cerimônia de posse, em julho de 2020, no Palácio do Planalto - Flickr/Palácio do Planalto

Milton Ribeiro pediu demissão do cargo de ministro da Educação nesta segunda-feira (28). Em carta direcionada ao presidente Jair Bolsonaro (PL), ele disse que vai deixar o cargo depois de vir à tona um suposto favorecimento de pastores na distribuição de verbas do ministério.

Mais cedo, o Brasil de Fato mostrou que o presidente Jair Bolsonaro (PL) demitiria Ribeiro por pressão da bancada evangélica no Congresso Nacional. O chefe do Ministério da Educação (MEC) está no centro do escândalo dos pastores lobistas na pasta desde a semana passada.

Na tarde desta segunda-feira, a CNN Brasil e o G1 obtiveram uma versão da carta escrita por Ribeiro a Bolsonaro. Ele diz que a decisão da saída do MEC é um "até breve" e termina o texto com o slogan eleitoral de Bolsonaro: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Leia a íntegra da carta:

"Desde o dia 21 de março minha vida sofreu uma grande transformação. A partir de notícias veiculadas na mídia foram levantadas suspeitas acerca da conduta de pessoas que possuíam proximidade com o Ministro da Educação. Tenho plena convicção que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade.

Eu mesmo, quando tive conhecimento de denúncia acerca desta pessoa, em agosto de 2021, encaminhei expediente a CGU para que a Controladoria pudesse apurar a situação narrada em duas denúncias recebidas em meu gabinete. Mais recentemente, solicitei à CGU que audite as liberações de recursos de obras do FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação], para que não haja duvida sobre a lisura dos processos conduzidos bem como da ausência de poder decisório do ministro neste tipo de atividade.

Saiba mais: STF autoriza inquérito contra Ribeiro; Bolsonaro diz que “bota a cara no fogo” por ministro

Tenho três pilares que me guiam: Minha honra, minha família e meu país. Além disso tenho todo respeito e gratidão ao Presidente Bolsonaro, que me deu a oportunidade de ser Ministro da Educação do Brasil. Assim sendo, e levando-se em consideração os aspectos já citados, decidi solicitar ao Presidente Bolsonaro a minha exoneração do cargo, com a finalidade de que não paire nenhuma incerteza sobre a minha conduta e a do Governo Federal, que vem transformando este país por meio do compromisso firme da luta contra a corrupção.

Não quero deixar uma objeção sequer quanto ao meu comportamento, que sempre se baseou em pilares inquebrantáveis de honra, família e pátria. Meu afastamento do cargo de Ministro, a partir da minha exoneração, visa também deixar claro que quero, mais que ninguém, uma investigação completa e longe de qualquer dúvida acerca de tentativas deste Ministro de Estado de interferir nas investigações.

Tomo esta iniciativa com o coração partido, de um inocente que quer mostrar a todo o custo a verdade das coisas, porém que sabe que a verdade requer tempo. Sei de minha responsabilidade política, que muito se difere da jurídica. Meu afastamento é única e exclusivamente decorrente de minha responsabilidade política, que exige de mim um senso de país maior que quaisquer sentimentos pessoais. Assim sendo, não me despedirei, direi um até breve, pois depois de demonstrada minha inocência estarei de volta, para ajudar meu país e o Presidente Bolsonaro na sua difícil mas vitoriosa caminhada. Brasil acima de tudo!!! Deus acima de todos!!!"

Mídia antecipou decisão

Diversos veículos, como os jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo, e os sites G1Metrópoles e O Antagonista, afirmaram que Bolsonaro já havia tomado a decisão, convencido por aliados. As reportagens apontaram a "ala política" do governo como fonte da informação.

Metrópoles afirmou que o substituto de Ribeiro deve ser Victor Godoy Veiga, secretário-executivo da pasta. O número 2 do Ministério da Educação é o maior candidato a assumir o posto de Ribeiro, segundo o site.

Pouco antes do vazamento da carta, o pastor Silas Malafaia, um dos religiosos mais próximos a Bolsonaro, fez duras críticas a Ribeiro nas redes sociais na manhã desta segunda (28). Ele escreveu que o ministro deveria ser demitido "para nunca mais voltar".

Foto com esposa na Bíblia usada para corrupção

Nesta segunda-feira (28), após uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelar a distribuição de bíblias com fotos do agora ex-ministro da Educação em evento da pasta, o titular do MEC afirmou que autorizou o uso de sua imagem para confecção de exemplares da obra.

“Autorizei em 2021 o uso de minha imagem para a produção de algumas bíblias para distribuição gratuita em um evento de cunho religioso”, disse Ribeiro em suas redes sociais.

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O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), presidente da bancada evangélica, criticou Ribeiro pela distribuição de exemplares da bíblia com sua foto.

“É vergonhoso ver um pastor misturar o sagrado com o profano. Nós evangélicos não aceitamos mistura da igreja com o Estado. Essa atitude é totalmente reprovada, a Igreja é muito maior do que a política”, disse ao Estadão.

Dois inquéritos estão na PF

No final da semana passada, a Polícia Federal abriu dois inquéritos para investigar as supostas irregularidades na liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão ligado ao Ministério da Educação.

O primeiro deles foi aberto na Superintendência da PF no Distrito Federal e irá apurar as suspeitas apontadas em um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) sobre distribuições de verbas do FNDE.

A outra investigação foi instaurada na sede do órgão, no setor que cuida de inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), e tem como alvo o ministro Milton Ribeiro e a fala dele em áudio revelado pela Folha de S.Paulo.

"A pedido de Bolsonaro"

Na segunda-feira passada (21), uma reportagem da Folha divulgou um áudio em que o ex-ministro da Educação diz favorecer, a pedido do presidente Jair Bolsonaro, prefeituras de municípios ligados a dois pastores.

A divulgação da gravação foi um fato novo envolvendo a questão, que, segundo a CGU, era investigada desde o ano passado.

As denúncias foram recebidas pela CGU no dia 27 de agosto de 2021 e tratam de possíveis irregularidades que estariam ocorrendo em eventos realizados pelo MEC e sobre o oferecimento de vantagem indevida, por parte de terceiros, para a liberação de verbas do fundo. A apuração ocorreu entre os dias 29 de setembro de 2021 e 3 de março de 2022.

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O órgão concluiu que agentes públicos não estavam envolvidos nas supostas irregularidades e enviou o caso para a PF, que abriu um inquérito criminal. Na quinta-feira (24), a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia autorizou a abertura de inquérito para investigar Milton Ribeiro.

O caso também é apurado na esfera cível pela Procuradoria da República no Distrito Federal. O Tribunal de Contas de União (TCU) vai realizar uma fiscalização extraordinária no Ministério da Educação.

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"Cara no fogo"

Diante do suposto esquema de corrupção na distribuição de verbas do Ministério da Educação para prefeituras, Bolsonaro saiu em defesa de Milton Ribeiro e disse que “bota a cara no fogo” pelo pastor.

"O Milton, coisa rara de eu falar aqui: eu boto minha cara toda no fogo pelo Milton. Estão fazendo uma covardia contra ele", disse Bolsonaro, durante sua live semanal no Facebook, na quinta-feira (24). 

De acordo com entrevistas de prefeitos, o esquema de negociação de recursos no Ministério da Educação esbarrava em compra de bíblias, pedidos de propina em ouro e fila de pastores para participar das negociações.  

No total, pelo menos 10 prefeitos relataram a presença de pastores na intermediação de recursos ou no acesso direto ao ex-ministro da Educação depois que o esquema foi revelado pela imprensa.

Edição: Rebeca Cavalcante