O diretório executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI) aprovou, nesta sexta-feira (25), em Washington, o novo programa de pagamento apresentado pelo governo argentino, após a aprovação no Senado do país sul-americano, no último dia 17. O acordo estabelece um refinanciamento da dívida e parcelas trimestrais para pagar a dívida de US$ 44 bilhões, cerca de R$ 208 bilhões, contraída pelo ex-presidente Mauricio Macri, em 2018.
Os desembolsos serão efetuados durante dois anos e meio, após a revisão da agenda econômica do país por funcionários do Fundo. O único desembolso que não passará por revisão é o primeiro, de US$ 9,8 bilhões, habilitado de maneira instantânea com a aprovação do acordo por parte do FMI.
Este programa reinicia o pagamento integral da dívida bilionária — valor que o próprio FMI já admitiu que a Argentina não tem capacidade de pagar. Com o novo plano, o país conta com um período de graça de quatro anos para fortalecer suas reservas e pôr em prática o plano anunciado em janeiro.
Segundo o porta-voz do Fundo, Gerry Rice, a aprovação legislativa ”é um sinal importante de que a Argentina está comprometida com políticas que fomentarão um crescimento mais sustentável e inclusivo”. Com a reunião do diretório executivo nesta sexta, o organismo postergou para o dia 31 de março o pagamento que venceria nos dias 21 e 22, quando a Argentina deveria desembolsar US$ 2,014 bilhões em Direitos Especiais de Saque (SDR, na sigla em inglês).
Nesta semana, o Ministro da Economia da Argentina, Martín Guzmán, em viagem à França, também firmou uma prorrogação para os próximos vencimentos do que resta da dívida com o Clube de Paris, de US$ 2 bilhões. A dívida será paga no prazo de duração do programa que será firmado entre a Argentina e o FMI, cuja conclusão é prevista para meados de 2024.
Em um complicado momento econômico, o governo do presidente Alberto Fernández busca o equilíbrio para controlar a inflação e melhorar os salários, aposentadorias e planos sociais. A rejeição popular sobre o pagamento ao FMI, que aperta as contas e se reflete no bolso da população, também aprofunda divisão em sua coalizão, o Frente de Todos, uma crise que teve início na derrota das eleições primárias e se escancarou com o acordo levado adiante por Fernández e sua equipe de economia.
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Divergências
As 10 horas de debate no Senado refletem a complexidade do tratamento do acordo com o FMI: a oposição votou a favor, enquanto a maioria dos votos contrários foram da própria coalizão governista. Na sessão anterior, na Câmara dos Deputados, uma manifestação contrária ao acordo com o FMI culminou em um apedrejamento contra o Congresso Nacional, onde o gabinete de Cristina Kirchner foi especialmente atacado. Há uma investigação em curso sobre o ataque, que é considerado premeditado contra a vice-presidenta.
O presidente não se pronunciou publicamente sobre o caso, mas a porta-voz do governo garantiu que uma mensagem foi enviada à vice através do secretário do presidente. Tampouco houve resposta por parte de Cristina Kirchner.
Um presidente e uma vice que não se falam e as ruas que gritam diante de preços que não param de subir. Nas últimas semanas, o clima de ruptura na Frente de Todos (FdT) é iminente e alimenta especulações sobre uma nova reformulação de gabinete — algo que não foi confirmado pela Casa Rosada.
Uma das principais divergências entre as correntes dentro da FdT refere-se aos pontos de ataque sobre o problema da pobreza e da inflação. O setor kirchnerista, que também defende o pagamento ao FMI, acredita que os prazos não são favoráveis, e rechaça a presença do organismo em revisões trimestrais. Não há uma mensagem realmente efetiva sobre a garantia anunciada em janeiro de que não haverá ajustes sobre a população — inclusive porque, segundo as próprias manifestações populares, o ajuste já estaria acontecendo.
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O economista Horacio Rovelli afirma que o acordo é “inevitavelmente inflacionário”, e reflete parte da preocupação dos críticos sobre a execução do plano. Por um lado, o aprofundamento da primarização da economia com vistas no aumento da exportação. Por outro, a garantia, firmada no acordo, do crescimento do preço interno com relação ao dólar, o que beneficiaria as grandes empresas, as mesmas que resistem à fixação de preços.
“Ano passado, 65% das exportações argentinas foram produtos primários. Azeite, farinha, carnes, biocombustível. E o que pretendem agora é aumentar entre 25 e 30% as exportações para aumentar as divisas, primarizando ainda mais a economia. Pretendem restringir o consumo interno para aumentar os agroexportáveis”, afirma o economista ao Brasil de Fato.
“Os memorandos enviados pelo governo ao FMI dizem que o dólar crescerá com a inflação. Ou seja, se crescem os preços, cresce o dólar. Com isso, buscam uma paridade cambiária, o que se chama de dólar competitivo. Pois bem, as mesmas empresas que exportam são as que têm o mercado interno. Em resumo, estamos gerando um modelo sustentado e supervisionado pelo FMI, que a única coisa que oferece é uma integração ao exterior às custas da desintegração e da pobreza do mercado interno.”
Guerra contra a inflação
Com o sinal verde do Senado sobre o acordo com o FMI, o governo reforçou medidas de controle sobre os formadores de preços, uma vez que o controle sobre a inflação é um dos pontos mais importantes do plano traçado pelo governo para cumprir o pagamento da dívida e frear o empobrecimento dos salários e da população. A Casa Rosada chegou a estipular um prazo de 24 horas — não cumpridos — para que as grandes empresas voltassem seus preços para os índices do início de março, no marco do que o presidente Alberto Fernández chamou de “guerra contra a inflação”. O anúncio não passou sem os devidos memes, não apenas pelo paralelismo em um contexto de guerras reais, mas pela pouca credibilidade do governo sobre o controle efetivo da inflação.
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A Argentina registrou em fevereiro um disparo no preço dos alimentos, com um aumento de 7,5% com relação ao mês anterior, com destaque para os preços de verduras, tubérculos e legumes, especialmente tomate, alface, batata e cebola.
Os dados, revelados pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec) no início de março, dispararam o alarme sobre a aceleração inflacionária geral: 4,7% em fevereiro, na comparação com janeiro, variação mais alta em 11 meses.
O ministro de Desenvolvimento Produtivo, Matías Kulfas, afirmou que o “peso da lei” poderia ser aplicado diante do descumprimento das políticas de preços, como multas e sanções definidas pela Lei de Abastecimento.
Para Héctor Polino, advogado representante da ONG Consumidores Livres, na Argentina, o governo deveria recorrer ao bom funcionamento da legislação já aprovada pelo Congresso. “Eu esperava que anunciassem, por exemplo, a execução de leis já aprovadas, como a Lei de Defesa à Competitividade ou Lei Antimonopólio”, disse Polino ao Grupo Medios de La Rioja.
“Essa lei cria um Tribunal Nacional de Defesa da competitividade, constituído por 5 membros, jamais designados. Esperava a execução da lei de gôndola, aprovada há uns 2 anos, e que aumenta a competitividade ao permitir que os produtos elaborados por pequenas e médias empresas tenham 25% de espaço reservado nas prateleiras. Esperava o anúncio da execução da Lei de Observatório de Preços, aprovada há 7 anos, que permitiria determinar em que ponto da cadeia de produção se produz um aumento abusivo ou indevido de preços”, completou. “Hoje, não sabemos.”
Edição: Thales Schmidt