O Tribunal da Rússia decidiu na segunda-feira (21) classificar a empresa Meta, que controla o Facebook e o Instagram, como uma “organização extremista”. O pedido foi feito pela Procuradoria-geral do país e pelo órgão regulador das comunicações, Roskomnadzor, depois que a companhia parou de remover postagens com supostas ameaças contra militares russos no contexto da guerra na Ucrânia. O WhatsApp não foi enquadrado na legislação sobre extremismo.
Em 10 de março, a corporação Meta anunciou que permitiria que usuários do Facebook e Instagram em alguns países fizessem postagens de violência contra soldados russos no contexto da invasão da Ucrânia, contrariando a sua política em relação discursos de ódio. A empresa de mídia também permitiu temporariamente algumas postagens pedindo inclusive a morte do presidente russo, Vladimir Putin, ou do presidente bielorrusso Alexander Lukashenko.
Em 14 de março, o órgão regulador das comunicações da Rússia adicionou o Instagram ao registro de sites proibidos. O bloqueio do Facebook ocorreu em 4 de março. As plataformas, no entanto, ainda funcionam por meio de VPN’s.
"Como resultado da invasão russa da Ucrânia, temporariamente permitimos formas de expressão política que normalmente violariam nossas regras, como discurso violento como 'morte aos invasores russos'. Ainda não permitiremos apelos credíveis à violência contra civis russos", disse um porta-voz da Meta em comunicado.
Para a Procuradoria-geral da Rússia, a permissão da empresa Meta de postagens de apelo à violência em suas redes sociais representa uma forma de justificar "ações terroristas" e incitar o "ódio e a animosidade" contra os russos.
Posteriormente, o vice-presidente da Meta, Nick Clegg, se manifestou dizendo que a nova política só se aplicaria na Ucrânia e assegurou que a corporação "não tolerará a russofobia".
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O cientista político e professor de Comunicações Integradas da Escola Superior de Economia da Rússia, Nikita Savin, disse ao Brasil de Fato que a corporação Meta exerce uma posição semelhante a outras grandes empresas ocidentais que não apoiam as ações militares da Rússia na Ucrânia, mas como a corporação Meta controla redes sociais como o Facebook e o Instagram, essa crítica em relação à Rússia fica mais exacerbada.
“Realmente a Meta afirma com clareza seu apoio à Ucrânia neste conflito, e considerando que o mercado russo não é a principal fonte de lucro da corporação Meta, essa decisão soa justificável, pelo menos do ponto de vista econômico”, afirma.
Risco para usuários russos
A versão oficial do Kremlin sobre a guerra na Ucrânia é de que a Rússia realiza uma "operação especial de paz" para "desmilitarizar e desnazificar" a Ucrânia. De acordo com a atual legislação russa, manifestações públicas contrárias à guerra, nas redes sociais ou na mídia, por exemplo, são passíveis de punições como multas ou até prisão. Protestos contra a guerra já geraram mais de 15 mil detidos em todo o país.
Com isso, o bloqueio a corporações ligadas à internet na Rússia vem sendo visto como uma forma de restringir o acesso do público a informações alternativas e articulações coletivas para organização de manifestações, por exemplo. A medida também levantou a discussão sobre o risco de indivíduos serem enquadrados como extremistas com maior facilidade ao utilizar as redes sociais. As autoridades russas negam que haja esse risco para meros usuários, mas a legislação deixa precedentes em aberto.
A Procuradoria-geral da Federação Russa, por sua vez, alega que a determinação para a Meta ser classificada como uma "organização extremista" não afeta os usuários russos do Facebook e do Instagram, caso eles contornem o bloqueio.
O especialista do Centro de Pesquisas Estratégicas russo, Andrei Gusev, citado pela agência RIA Novosti, afirmou que a decisão de proibir o Facebook e o Instagram não trará consequências negativas para os habitantes do país, mas observou que não se pode descartar completamente que ações individuais dos usuários das redes sociais sejam reconhecidas pela investigação como ações extremistas.
Gusev destacou que a decisão do tribunal deixa claro que é a participação direta no trabalho do Meta que se enquadra na legislação russa sobre extremismo.
"Ao mesmo tempo, não se pode descartar completamente que, em alguns casos, as autoridades investigadoras reconhecerão como ações extremistas a distribuição de materiais das redes sociais Meta, postagens diretas e outras ações dessa natureza", acrescentou o especialista.
O advogado e sócio-gerente da Enterprise Legal Solutions, Yury Fedyukin, citado pela agência Vedomosti, também acredita que o simples fato de usar uma rede social e ter uma conta não será passível de punição pela legislação sobre atividade extremista, mas destaca que o mercado publicitário - anunciantes, agentes de publicidade e outros que fazem pagamentos em favor da Meta e seus serviços - serão os que mais sofrerão com o reconhecimento da Meta como uma organização extremista.
“Formalmente, após o reconhecimento das atividades do Meta ou Facebook e Instagram como extremistas ou terroristas, qualquer transação pode ser qualificada como financiamento de atividades extremistas”, acredita o advogado.
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Já o professor de Comunicações Integradas da Escola Superior de Economia da Rússia, Nikita Savin, observa que as autoridades russas vêm declarando que a decisão diz respeito apenas à corporação Meta e sua atividade no território da Rússia, e consequentemente, não representa riscos jurídicos para os usuários. “No entanto, a legislação sobre extremismo na Rússia é caracterizada por formulações bastante embaçadas e por uma aplicação do direito muito arbitrária. Por isso, a preocupação da sociedade russa em relação a como essa decisão será aplicada com certeza é justificada”, argumenta.
“As leis que estão entrando em vigor agora são muito difíceis de serem interpretadas, muito difícil avaliá-las, por dois motivos: o primeiro, as próprias formulações são nebulosas e vagas. Quando o Facebook e o Instagram são classificados como extremistas no território da Federação Russa sob uma legislação não clara, é muito difícil determinar como isso vai funcionar e ser aplicado. E, em segundo lugar, não há precedentes de aplicação jurídica”, completa.
Rússia seguindo o modelo chinês?
Para o cientista político Nikita Savin, a decisão do tribunal russo sobre a Meta corresponde à lógica de desenvolvimento de um regime autoritário. De acordo com ele, autocracias comumente restringem redes sociais, bloqueiam sites, criam restrições para que as pessoas se comuniquem entre si, se juntando para a realização de quaisquer ações.
“Nisso não tem nada de surpreendente. A Rússia aqui age da mesma forma como a China inibe protestos em Hong Kong, e, além disso, bloqueios desta natureza já foram feitos na Rússia durante os protestos de 2011 e durante os protestos de 2019, por isso aqui não há nada de novo”, diz.
Ao comentar se a Rússia está orientada a adotar um modelo de restrição da internet semelhante ao da China, o cientista político afirma que a particularidade da regulação chinesa está centrada nos bloqueios a convocações para ações coletivas e não tanto para um controle de críticas ao governo, sendo um modelo construído ao longo do tempo.
Ele cita também que, no caso da Bielorrússia, as restrições foram muito mais severas e drásticas no decorrer dos protestos contra o presidente Lukashenko em 2020. De acordo com o pesquisador, “o que vai acontecer na Rússia ainda não está claro, mas provavelmente será algo distinto da China”.
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Para ilustrar a incógnita da liberdade do uso de internet na Rússia, o cientista político Nikita Savin fez uma referência à abertura do clássico da literatura russa “Anna Karenina”, de Leon Tolstói, citando a célebre frase em que o escritor afirma que “todas as famílias felizes são iguais; as infelizes o são cada uma à sua maneira".
“Se diz que todas as pessoas felizes são iguais, mas todos são infelizes à sua maneira. A internet livre é praticamente igual em todos os lugares. Mas a internet restrita em todos os lugares é singular. E aqui não há uma dicotomia entre internet livre e o caminho chinês. A Rússia deve acabar criando um caminho próprio”, completa.
Edição: Thales Schmidt