O mês de março traz muitas reflexões sobre o acesso à água pública de qualidade, privatização do saneamento, estiagem e a contaminação por agrotóxicos diante do Dia Mundial da Água, comemorado no dia 22.
No Rio Grande do Sul a pressa e dedicação demonstradas pelo governo estadual para privatizar a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) contrastam com a lerdeza em tomar atitudes, frente à enorme crise hídrica que atinge 426 dos 497 dos municípios gaúchos, impactando populações e a produção agropecuária, com forte consequência no abastecimento e custo dos alimentos.
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Além disso, o ostensivo uso de agrotóxicos e o avanço da soja sobre os biomas têm contaminado cursos d´água e gerado impactos incomensuráveis na saúde. Em um copo de água potável podem estar presentes 27 tipos diferentes de agrotóxicos. Esta é a realidade de um em cada quatro municípios em vários estados do país.
O ostensivo uso de agrotóxicos e o avanço da soja sobre os biomas têm contaminado cursos d´água e gerado impactos incomensuráveis na saúde
O Brasil já era o maior consumidor de agrotóxicos do planeta em volume de produtos, e o governo Bolsonaro liberou mais 1,5 mil novos pesticidas nos três primeiros anos de gestão.
Neste mês, em que os versos remetem para as “águas de março fechando o verão”, temos ainda mais motivos para pensar sobre isso diante de novas investidas privatistas. Dia 31 de março é prazo limite para os municípios fazerem atualização nos contratos de programa vigentes e regulares para a prestação dos serviços públicos de saneamento, segundo o novo Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/20).
As prefeituras gaúchas tinham prazo até 16 de dezembro de 2021 para assinar o novo contrato proposto pelo governo do estado, caso tivessem interesse na cessão de ações para a troca do controle acionário, autorizado pelo parlamento gaúcho em agosto do último ano (Lei Estadual nº 15.708/21).
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Até a data referida, apenas 25% dos 307 municípios atendidos pela Corsan firmaram a intensão de desestatizar os serviços de água e esgoto, muitos seduzidos por ofertas de obras municipais por parte do governo estadual.
Mas as investidas privatistas do governo estadual continuam até o último minuto do mês em curso. Com o prazo legal para que a totalidade dos municípios atenda os critérios para o cumprimento da Lei do Marco Legal do Saneamento, o governo do estado e seus agentes políticos novamente estão procurando as 233 prefeituras que não acordaram com a privatização até meados de dezembro a assinarem este aditivo ao programa, contendo itens temerários na redação do texto contratual.
O Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado do Rio Grande do Sul (Sindiágua/RS) está denunciando esta nova ofensiva e alertando os municípios sobre o conteúdo do aditivo contratual que a Companhia está propondo aos gestores municipais. O contrato contém cláusulas que deixam em aberto possibilidades futuras de privatizar os serviços de água e esgoto.
Os 233 prefeitos e prefeitas que não assinaram os aditivos em dezembro demonstraram responsabilidade e consequência com suas gestões. Mais de 70% não embarcaram numa aventura de entrega à iniciativa privada serviços essenciais, como são a água e esgoto públicos.
Frente à pouca adesão dos municípios à cessão de ações para a privatização e a insegurança jurídica dos contratos firmados, o governo do estado recuou em colocar à venda, ainda em janeiro, o controle acionário da Corsan.
Neste cenário temerário não houve interesse do mercado, adiando a tentativa de privatização, recuo considerado um êxito parcial do movimento em defesa do saneamento público.
Estudos técnicos realizados pelo Fórum em Defesa da Água e do Saneamento, a partir de dados oficiais da Corsan, comprovam que a estatal tem todas as condições para atingir as metas de universalização de esgotos prevista na Lei 14.026/20, sem precisar de recursos privados.
A análise detalhada dos integrantes do Fórum derrubou definitivamente a teoria forçada do governo e os atuais dirigentes da estatal de que a meta só seria atingida com a privatização.
Outras constatações do Fórum também preocupam muito quanto às intenções da gestão estadual do saneamento. Em quatro anos, o governo não se habilitou a nenhum financiamento para investir em esgoto, mesmo com dinheiro abundante para empréstimos no setor. E o mais grave: o governo não apresentou o Plano Estadual de Saneamento, enquanto todos os municípios e o governo federal já cumpriram.
Os gaúchos precisam de gestores comprometidos com serviços públicos de qualidade e não de leiloeiros do patrimônio coletivo para atender interesses políticos pessoais que prejudicam a comunidade.
Lembrando que no início do mês milhares de famílias atendidas pela empresa privada CEEE-Equatorial ficaram sem energia elétrica por quase uma semana após temporal.
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A privatização da CEEE-D ocorreu há menos de um ano e a gestão privada já causou enormes transtornos e prejuízos, evidenciando de imediato o que ocorre quando se entregam serviços estratégicos nas mãos de empresas que visam apenas o lucro e não o bem-estar das pessoas.
As empresas estatais não têm a missão, nem a necessidade de ter lucro. Sua vocação é prestar bons serviços públicos a toda a população por preço justo. Está provado em dezenas de países que a desestatização piorou os serviços e encareceu as tarifas.
E o que se constata é que a reestatização de serviços importantes em mais de mil lugares pelo mundo deixou um legado de insatisfação, prejuízos e insegurança, que ensinou muitos países a reconhecer o erro e voltar atrás.
Com as mudanças climáticas e o excessivo uso de agrotóxicos, a insegurança hídrica se acentua. Mas o mais grave de tudo é a ausência de planos de manejo sustentável da água, pauta que deveria ser a prioridade número um dos governos pela importância vital do tema.
O mais grave de tudo é a ausência de planos de manejo sustentável da água
Do total de água disponível no planeta, 97% estão nos mares e oceanos (água salgada) e apenas 3% são água doce. Dessa pequena porcentagem, pouco mais de 2% estão nas geleiras (em estado sólido) e, portanto, menos de 1% está disponível para consumo.
Nessa proporção, o agronegócio, que é um dos maiores responsáveis pela poluição de rios e nascentes, usufrui de 75% do total de água consumida no planeta, segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, da sigla em inglês).
Governos neoliberais seguem com todos os seus esforços para entregar o maior de todos os patrimônios para exploração comercial, promovem desmonte de legislação protetiva e têm ausência de fiscalização.
Estamos remando contra a maré para garantir o direito à água pública de qualidade para todos e que não seja tratada como mercadoria. É um direito humano, um bem comum e deve ser cuidado como o maior tesouro por ser a base da vida. Por isso todo o dia é dia de defender a água.
* Arilson Wünsch é presidente do Sindiágua/RS
** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras e do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira