A fase mais recente do conflito entre Rússia e Ucrânia, que já dura duas semanas, tem movimentado a economia e a diplomacia em todo o planeta. Enquanto os dois países não chegam a uma resolução, os Estados Unidos e a União Europeia movimentam suas fichas para pressionar Moscou através de sanções econômicas unilaterais.
A recente suspensão das importações de gás, carvão e petróleo da Rússia veio acompanhada de uma série de movimentações da Casa Branca que sugerem aproximações com governos até então considerados "inimigos" do establishment estadunidense. A razão seria garantir de abastecimento de petróleo, o que nas palavras da porta-voz oficial, Jen Psaki, seria a "segurança energética" do país.
Os Estados Unidos são os maiores produtores e consumidores de petróleo em todo o planeta. A produção despencou durante os primeiros meses da pandemia, levando dezenas de empresas petrolíferas à falência e forçando outras a reduzir e fechar novas perfurações.
Mas desde agosto de 2020, a extração voltou a crescer, adicionando 2 milhões de barris à produção diária, atingindo uma média de 11,6 milhões de barris diários, em fevereiro de 2022. No entanto, isso não atende um consumo do país de cerca de 18,19 milhões de barris por dia.
Os EUA compram 10% da sua demanda nacional da Rússia, o que representa cerca de 700 mil barris diários. Em 2021, 15% do total de importações estadunidenses vindas de Moscou eram de gás e petróleo, que abasteceram principalmente os estados de Washington, California, Luisiana, Pensilvânia e Delaware.
Em janeiro de 2022, a Rússia extraía 11,3 milhões de barris/dia e, embora fique atrás de Arábia Saudita e dos Estados Unidos em termos de produção, os russos são os maiores exportadores de petróleo cru do mundo, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE).
"Ainda que os EUA prejudiquem a Rússia com a suspensão da importação petroleira, o impacto no mercado e nos preços será muito grave nas próximas semanas", comenta o ex-analista da PDVSA e atual pesquisador do Instituto Samuel Robinson, Franco Vielma.
Nas últimas semanas o preço do barril do petróleo subiu constantemente, chegando a US$ 130 por unidade - o maior valor dos últimos 14 anos.
Mais que atender o vácuo da demanda interna gerado pela suspensão de importações do combustível russo, Joe Biden busca estabilizar o preço internacional do cru.
"Talvez estejam dispostos a mudar sua política em relação à Venezuela porque lhes importa muito mais diminuir o preço do barril de petróleo devido ao impacto político dos preços altos da gasolina dentro dos EUA agora", analisa o investigador do Centro de Pesquisas Políticas e Econômicas (CEPR), Alexander Main ao Brasil de Fato.
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A gasolina nos EUA aumentou 46 centavos de dólar somente na última semana, com o preço médio de US$ 4,07 o galão de 3,7 litros, quase o dobro dos US$ 2,77 de um ano atrás.
"Não é fácil suprir a demanda de petróleo bruto que a Rússia oferece à Europa. 11,3 milhões de barris de petróleo diários. O Catar havia proposto ser esse fornecedor, mas produz uma cifra muito inferior à demanda europeia", comenta o doutor em segurança, defesa e desenvolvimento integral, Vladimir Adrianza.
O Catar, que extrai cerca de 1,9 milhões de barris diariamente, e a Arábia Saudita, com 10,1 milhões de barris/dia, seriam os dois países com maior capacidade de aumentar sua produção, já que contam com jazidas que oferecem petróleo cru do tipo leve.
"No entanto esse aumento de produção leva de semanas a meses. No caso venezuelano, demorará meses porque aqui produzimos petróleo pesado e extra-pesado, e esse processo de extração leva tempo", alerta Vielma.
Venezuela e Irã
A Venezuela atualmente produz 668 mil barris, enquanto o Irã extrai 2,5 milhões de barris por dia, segundo o balanço de fevereiro da Organização do Estados Exportadores de Petróleo (OPEP).
"A política exterior da Venezuela e do Irã será muito afetada por conta da jogada tática dos EUA. No entanto, essa é uma decisão pragmática e pontual. Não vem acompanhada da solução de problemas de fundo que os EUA sustentam com esses dois países", comenta Vielma.
Após a visita de uma delegação de alto funcionários estadunidenses a Caracas, o presidente Nicolás Maduro anunciou que pretende trabalhar numa agenda com os EUA "olhando adiante".
Em seguida, na última terça-feira (8), concedeu liberdade para um ex-diretor da Citgo Petroleum - filial da estatal PDVSA nos EUA. Gustavo Adolfo Cárdenas e outros cinco ex-executivos possuem dupla nacionalidade e haviam sido detidos por crimes de conluio e associação criminosa.
A soltura de Gustavo Adolfo Cárdenas, após quatro anos de prisão, seria um gesto de Caracas para estabelecer boas relações com Washington.
Para Franco Vielma, a Venezuela não está disposta a abandonar as boas relações com a Rússia e a China em detrimento de uma aproximação com Washington, mas o país só teria a ganhar com novos acordos.
"Se a Venezuela decide evitar possíveis relações com Washington e não voltar ao mercado petroleiro internacional, isso não seria prejudicial somente à Venezuela, mas também a todos os outros países que sofrerão os impactos da crise energética que já está iniciando e será muito profunda. A participação da Venezuela no mercado petroleiro, de maneira aberta e regular, favorece o contexto e favorece a Venezuela", analisa.
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"Nunca negamos a possibilidade de que companhias estadunidense de extração e produção de petróleo atuassem em parceria com a PDVSA na Venezuela. Atualmente, a Texaco está solicitando aos EUA que levantem, ainda que parcialmente, as sanções para que possam estabelecer negócios", comenta Vladimir Adrianza.
Já o Irã insiste em estabelecer um novo acordo nuclear com os Estados Unidos e a União Europeia, depois que Washington abandonou o pacto de ação conjunta (JPCOA - siglas em inglês) e estabeleceu novas sanções econômicas no mandato de Donald Trump.
No último fim de semana, diretores das Agência Internacional de Energia Atômica visitaram Teerã para reunir-se com autoridades do país. Porta-vozes da chancelaria iraniana confirmaram que iriam adotar medidas para "acelerar" um acordo.
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Para Adrianza, tanto Irã como Venezuela apostam na multipolaridade.
"A Venezuela e o Irã têm um ponto em comum que é o desejo de suspensão das sanções internacionais, e isso estará sob a mesa de debate agora. Acredito que sempre haverá possibilidades de conversar. Agora a Casa Branca deve mostrar se tem disposição ao diálogo. Irã já demarcou suas condições. E uma delas é que os EUA não abandonem esse novo acordo", defende o especialista em geopolítica do petróleo.
Além da alta dos preços internos de combustível, outro fator que acelera a ação de Joe Biden é a crise econômica interna que se aprofunda faltando sete meses para as eleições legislativas. Os Estados Unidos bateram uma máxima com 7,5% de inflação em janeiro deste ano.
"A situação atual permite a Biden dizer que a culpa da inflação não é sua, e sim de Putin. Mas isso não irá funcionar a longo prazo. Talvez agora as pessoas estejam convencidas de que, sim, devem fazer sacrifícios para ajudar a Ucrânia, mas com o tempo aumentará o descontentamento. Portanto, Biden está assumindo um grande risco porque não sabemos quanto tempo o conflito poderá durar", analisa Alexander Main.
Edição: Arturo Hartmann