A corrida do ouro no oeste do Pará está sendo reativada por conta do impulso dado pelo conflito na Ucrânia, que vem provocando alta no preço internacional do minério. Mineradores começam a articular novas frentes de exploração onde a operação “Caribe Amazônico”, da Polícia Federal (PF), desarticulou acampamentos de garimpo ilegal em fevereiro deste ano.
O Brasil de Fato apurou que o preço do ouro negociado em Itaituba (PA), um dos polos de exploração irregular no país, subiu cerca de 15% em uma semana. Até o dia 25 de fevereiro, a grama do minério era negociada a R$ 240. Três dias depois, foi para R$ 265. Após o mesmo intervalo de tempo, o preço bateu os R$ 275.
A valorização do minério ocorre após uma ação conjunta entre a PF e o Ibama, que destruiu máquinas do garimpo e reprimiu a atividade irregular, provocando um prejuízo de R$ 12 milhões aos empresários. A exploração ilegal de ouro ganhou destaque nacional após o escurecimento das águas cristalinas do balneário de Alter do Chão pela lama proveniente do garimpo.
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Repressão não pôs fim ao garimpo
De acordo com a Polícia Federal, no entorno do rio Tapajós foram destruídas 21 máquinas escavadeiras, 15 acampamentos, uma balsa de garimpo, além de motos, carros, motores e 41 mil litros de combustível. O desfalque, porém, não foi suficiente para pôr fim à atividade.
Uma pessoa que já trabalhou no garimpo ilegal em Itaituba confirmou, em anonimato, que a alta na cotação internacional tem estimulado abertura de novas frentes de extração do minério.
“Aqui, o garimpo não parou. De fato, ele continua. Eu tenho conhecidos que entraram para o garimpo agora para trabalhar. Perguntei como eles iam fazer isso depois de todo esse controle que está tendo. Um respondeu que não ia parar, não, que devagar as coisas iam se ajeitando”, relatou.
“Essas pessoas com quem eu conversei não foram para os mesmos garimpos onde teve a queima dessa máquinas. Os garimpos agora estão muito fragmentados. Tem muitos que estão sendo descobertos agora. Por isso [o garimpo] está expandindo, e é muito difícil o controle”, afirmou a pessoa ouvida pela reportagem.
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Garimpeiros nas redes sociais
Após o longo silêncio que se seguiu à operação policial, garimpeiros de Itaituba começaram a se rearticular por meio de grupos nas redes sociais nas últimas semanas. “Alguém conhece quem tem uma escavadeira para alugar?”, publicou um homem em 27 de fevereiro.
Em outra postagem, uma mulher anuncia vagas abertas. “Tem garimpeiro aqui no jardim precisando. Três vagas, ela está precisando mesmo”, postou. Outro homem se oferece para a vaga de “jateiro”, responsável por manipular a mangueira de pressão que transforma o solo em barro. “Tem alguma vaga no garimpo para jateiro?”, escreveu.
“Eles não vão parar porque sabem que o ouro está dando dinheiro. E isso influencia e muito na corrida do ouro aqui. Eu acho que tem uma tendência a aumentar, porque é difícil os órgãos competentes de imediato legalizarem o garimpo”, opinou a fonte ligada ao garimpo ouvida pelo Brasil de Fato.
Ouro é refúgio em tempos de crise
No mercado internacional, o ouro é considerado um investimento seguro e estável. A procura pelo metal disparou em função da crise econômica mundial provocada pela pandemia de coronavírus.
Em agosto de 2020, a cotação do ouro no mercado internacional atingiu, pela primeira vez na história, os US$ 2.000. Puxado pelas tensões no conflito entre Rússia e Ucrânia, o preço da commodity chegou a atingir a mesma cifra neste domingo (6).
Um levantamento do Instituto Socioambiental (ISA) mostrou que houve aumento de 363% na área degradada pelo garimpo na Terra Indígena (TI) Munduruku entre janeiro de 2019 e maio de 2021.
Em 2020, uma pesquisa da Fiocruz revelou que o mercúrio, substância tóxica utilizada na separação do ouro, contaminou 100% da população Munduruku. De cada dez indígenas examinados, seis apresentaram níveis de mercúrio acima de limites seguros.
A contaminação era maior nas aldeias próximas às margens dos rios afetados pela atividade. Nesses locais, nove em cada dez participantes apresentaram alto nível de mercúrio no organismo.
Garimpo ilegal tem livre acesso ao Planalto
Junto com os municípios vizinhos de Jacareacanga e Novo Progresso, Itaituba se transformou, nos últimos anos, em um “shopping” do garimpo a céu aberto. No comércio da cidade, são oferecidos serviços e mercadorias vitais ao funcionamento do mercado ilegal.
A prevalência da atividade é motivo de orgulho para os integrantes do poder público local. Em 2019, a Prefeitura inaugurou uma estátua de três metros em homenagem à categoria. O “monumento” está na orla do rio Tapajós, cuja saúde vem sendo prejudicada pela extração mineral em seus afluentes.
Após a operação da PF em fevereiro, protestos convocados por empresários e políticos que se beneficiam do garimpo foram convocados pelas redes sociais. O clima de tensão aumentou quando um grupo cercou a unidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) na cidade. Não houve feridos.
O prefeito de Itaituba, Valmir Clímaco (MDB), viajou até Brasília e acionou correligionários. Ele se reuniu com o deputado federal José Priante (MDB-PA) e o ministro da Casa Civil Ciro Nogueira (PP-PI).
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O objetivo de Clímaco era buscar o apoio de Jair Bolsonaro (PL) para “suspender as operações, principalmente na região de Jacareacanga, Novo Progresso e Itaituba”, segundo declarou em um vídeo publicado nas redes sociais.
No mesmo vídeo, Priante tranquilizou os garimpeiros: “Tivemos a palavra empenhada do ministro Ciro Nogueira. Ele falou que ia comunicar imediatamente o presidente da República e providenciar ações no sentido de paralisar esse tipo de ação dolorosa para todos que vivem nessa região”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho