ALTO RIO NEGRO

Senador é acusado de estimular disputa entre indígenas em prol de mineração em área protegida

Parlamentar dá voz a grupo favorável à exploração mineral, mas omite que maioria dos 25 mil moradores rechaça atividade

Brasil de Fato | Lábrea (AM) |

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Terra Indígena Alto Rio Negro fica na tríplice fronteira com Venezuela e Colômbia - Juliana Radler/ISA

Povos originários do noroeste do Amazonas acusam o senador Plínio Valério (PSDB-AM) de tentar legitimar a entrada de empresas de mineração na Terra Indígena (TI) Alto Rio Negro, onde a extração de minérios é rechaçada pela maioria dos 25 mil habitantes. 

A acusação surgiu na última semana, quando o parlamentar leu, durante sessão do Legislativo, uma carta assinada por 50 moradores da comunidade indígena Castelo Branco, banhada pelo rio Içana, na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM). 

Segundo a carta, endossada pelo parlamentar, ONGs que apoiam geração de renda e fortalecimento da identidade cultural da população são, na verdade, responsáveis por impedir o desenvolvimento econômico local.

O trecho do documento que defende a exploração mineral, porém, foi omitido pela leitura do senador. Valério é um notório defensor da mineração na Amazônia e da redução do tamanho de terras indígenas

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"Os interesses de grupos empresariais que desejam explorar as terras indígenas sem passar pela consulta livre, prévia e informada parecem mover o senador Plínio Valério", afirma nota de repúdio divulgada pela Organização Baniwa e Koripako Nadzoeri.

Representando 85 comunidades e 10 associações dos povos Baniwa e Koripako, a entidade vê uma tentativa do senador de estimular a divisão interna das comunidades, utilizando o espaço privilegiado da tribuna do Senado para amplificar posições ultraminoritárias.

"O senador tenta criar um ambiente de hostilidade e de acusações infundadas contra organizações da sociedade civil que lutam pelos direitos indígenas no Noroeste Amazônico há mais de duas décadas e lutam por políticas públicas efetivas para o desenvolvimento da região e do bem viver dos povos indígenas", continua a nota de repúdio. 

Procurado pela reportagem, o tucano reafirmou o apoio à "exploração das riquezas naturais de forma sustentável" e a lançou suspeitas sobre a atuação de ONGs. A resposta completa do parlamentar está disponível no final do texto. 

Bolsonarismo e lobby da mineração 

O Brasil de Fato procurou a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), instância máxima de articulação dos povos indígenas do Alto Rio Negro, que representa legalmente 750 comunidades de 23 povos da tríplice fronteira com Venezuela e Colômbia, região conhecida como “Cabeça do Cachorro”. 

“Nas assembleias consultivas, deliberativas e normativas que a gente realiza com o povo do rio Içana, a pauta de mineração e de garimpo nunca foi prioridade. O que o movimento discute é a demanda por defesa do território e pela ampliação do diálogo com o estado brasileiro para buscar a implementação dos direitos indígenas”, afirma Dário Casimiro Baniwa, diretor executivo da Foirn.

O dirigente diz que a Foirn não teve acesso à carta, mas afirma que a produção do documento pode ter sido estimulada pelo lobby da mineração, que, segundo ele, também atua no interior das comunidades.  

“O senador parece desconhecer nossa luta, nossos interesses e nossos projetos, que são voltados para a melhoria de condições de vida, mas nunca para a destruição e poluição. Eles são sempre voltados para o manejo, melhorando as condições de vida da população e também cuidando do meio ambiente”, diz Baniwa.

Ele cita ainda a proximidade de membros da comunidade Castelo Branco com partidários do presidente Jair Bolsonaro (PL), que já acusou ONGs de frear o desenvolvimento econômico das populações originárias. 

“A gente sabe que tem uma influência de interesses de alguns empresários no trecho do médio rio Içana. Deve ter dois ou três pequenos grupos de pessoas ali que têm contato com esse pessoal bolsonarista. E eles devem ter influenciado para que saísse esse documento lido pelo senador”, disse o integrante do povo Baniwa. 

Outro dirigente da Foirn, o presidente Marivelton Rodrigues Barroso, do povo Baré, também vê proximidade entre o discurso do presidente e o teor da carta lida pelo senador tucano na tribuna do Senado.

“A missão de Bolsonaro e dos ruralistas é criminalizar e perseguir o movimento indígena. Pois nós somos organizados e temos a nossa visão. E nossas lideranças são de luta e compromisso coletivos. Aqueles que se manifestam a favor do governo falam em nome deles e não dos povos indígenas”, afirmou. 

Povos apostam no fortalecimento cultural 

Segundo Barroso, a região já tem sido alvo de entradas ilegais de garimpeiros, sem qualquer fiscalização ou proteção sobre o território. “Há muitas décadas a gente vem lutando contra o garimpo. E agora vêm esses interesses que desejam explorar a terra indígena sem passar pela consulta prévia, livre e informada”, diz. 

Para a Foirn, os indígenas do Alto Médio não precisam da mineração. No lugar dela, apostam no cultivo de mandioca, na criação de abelhas, no artesanato e em outras atividades que fortalecem a identidade cultural dos povos da região.

Um dos destaques é a pimenta Jiquitaia Baniwa, comercializada em todo país, que impulsiona o fortalecimento da cadeia produtiva local.

O presidente da Federação afirma que a posição histórica das comunidades contra a mineração se dá pela lembrança da presença de duas grandes mineradoras no território, a Paranapanema e Golden Amazon.


Mulher Baniwa planta em comunidade no Içana / Beto Ricardo/ISA

Antes da demarcação das terras, lembrou Barroso, os indígenas enfrentavam invasões constantes e ameaças graves aos territórios. Os danos socioambientais provocados pela atividade na década de 80 ainda estão na memória dos moradores mais velhos 

“A região do Rio Negro já vivenciou e viu que a mineração e o garimpo nada trouxe de benefício a região, apenas desunião, poluição e muitas mortes. Nosso território é o mais intacto da Amazônia com desmatamento de 0,05% ao ano. Essa preservação é graças à luta de nossas lideranças, não a políticos nem a nenhum governo”, destaca Barroso.

Outro Lado 

Procurado pela reportagem, a assessoria de imprensa do senador Plínio Valério afirmou que o posicionamento do movimento indígena “só confirma as denúncias que ele vem fazendo durante o mandato e fortalece o pedido para a instalação da CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] de sua autoria para investigar a atuação de ONGs na Amazônia”.

“O senador destaca que grande parte dessas organizações prejudicam e fazem mal ao país, falam em nome de comunidades indígenas e dificultam o desenvolvimento e o avanço dessas comunidades. O senador defende, ainda, que é preciso dar transparência ao trabalho feito por essas organizações na Amazônia e que muitos fatos precisam ser elucidados, como os recursos que essas ONGs recebem e a compra de terras em territórios estratégicos na Amazônia”, destacou o gabinete do tucano.

“Em seus discursos e ações, o senador defende a liberdade e a independência das comunidades indígenas, o direito ao trabalho, à produção e plantio, à exploração das riquezas naturais de forma sustentável e que todos tenham acesso aos mesmos direitos, como qualquer outro cidadão, livres de amarras e de tutelas”, completou. 
 

Edição: Vivian Virissimo