Indigenistas e representantes de povos originários da Amazônia acusam a Fundação Nacional do Índio (Funai) de "perigosa negligência" diante da confirmação de um novo grupo de indígenas isolados que não constava no registro oficial do Estado brasileiro.
O grupo foi confirmado pela Funai em setembro de 2021, mas a informação foi tornada pública nesta semana pelo Brasil de Fato e pelo site O Joio e o Trigo. Eles vivem fora dos limites de terras indígenas no município de Lábrea, no sul do Amazonas, um dos mais desmatados do país.
A proximidade com comunidades ribeirinhas expõe os indígenas ao contágio do coronavírus, em uma região onde a cobertura vacinal está abaixo de 30%. Por viverem isoladas, essas populações têm sistemas imunológicos mais suscetíveis a doenças infectocontagiosas.
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Interdição urgente da área
"(...) a Funai deveria estabelecer imediatamente uma Restrição de Uso – interditando a área para proteger os indígenas isolados por meio de ações sistemáticas de vigilância e fiscalização para controlar eventuais ingressos de pessoas não-autorizadas".
O trecho é da nota intitulada "Negligência e risco de genocídio: a política da 'Nova Funai' voltada aos povos isolados", assinada pelo Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi) e pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
"Além disso, [A Funai] deveria priorizar a construção de uma cordão sanitário no entorno da área ocupada pelos indígenas e elaborar plano de contingência, tanto para uma eventual situação de contato como para fazer a contenção do coronavírus na área", prossegue o texto publicado nesta quinta-feira (3).
Outra reivindicação é a continuidade de estudos técnicos que visem à demarcação da área, procedimento que assegura o direito originário à terra, conforme prevê a Constituição Federal.
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"Funai cometeu crime"
A Coiab e o Opi querem ainda que os envolvidos sejam investigados por prevaricação, que é o crime cometido por integrantes da administração pública quando não cumprem atos obrigatórios em função de interesses pessoais.
"Há uma perigosa negligência da Funai em Brasília em não iniciar medidas urgentes de proteção desse grupo isolado, tendo em vista que a área onde foram vistos sofre invasões e está completamente desprotegida", dizem as organizações.
A conduta da Funai também é questionada por organizações indígenas do médio rio Purus, onde a confirmação ocorreu. A Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp), que representa 190 aldeias distribuídas em 40 terras indígenas, concorda com a nota assinada pela Coiab.
"A Funai não está cumprindo seu papel de proteger os direitos dos povos indígenas, principalmente os que estão em isolamento total", afirmou Zé Bajaga Apurinã, coordenador executivo da Focimp.
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Plano de vigilância sanitária
A liderança local reconhece o risco à vida do grupo. "Nós queremos a proteção deles [isolados] e que seja criada urgentemente uma base de proteção da terra e também um plano de vigilância sanitária", reivindica.
Coiab e Opi apontam ainda que a cúpula da Funai ignorou recomendações da Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus. A equipe, que confirmou a presença de indígenas durante uma expedição, sugeriu o isolamento do local, o que não ocorreu até hoje, cinco meses depois.
O coordenador da Focimp complementa: "Nós queremos que as autoridades competentes, principalmente a Funai Brasília, apoie as ações FPE Purus-Madeira, para que a gente possa de fato fazer a proteção daquele povo, para que não haja contato [com não indígenas] agora.
Confirmação inequívoca
A confirmação de comunidades isoladas é um fato raro e representa um momento histórico no indigenismo. "Desde 2010, dos mais de 80 registros de povos indígenas isolados em investigação no Brasil, apenas cinco deles tiveram sua presença confirmada pelas equipes especializadas da Funai na região amazônica", dizem Coiab e Opi.
No texto, as organizações afirmam que a expedição da Funai encontrou panelas, cestos, arco, porretes e acampamentos de diferentes datas, o que comprova a ocupação por um período prolongado do território, onde o grupo pescava e coletava alimentos na floresta.
"A equipe da expedição chegou a ouvi-los a uma pequena distância, o que provocou a imediata suspensão dos trabalhos e a posterior solicitação de uma série de medidas urgentes; entre elas, a imediata interdição da área", afirma o comunicado escrito por indígenas e indigenistas.
Outro lado
A sede da Funai em Brasília ignorou dois pedidos de resposta feitos pela reportagem do Brasil de Fato. Ao site O Joio e O Trigo, o órgão enviou uma nota disponível na íntegra a seguir:
“A Fundação Nacional do Índio (Funai) esclarece que, por meio da Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC), tem analisado os relatos sobre a possível existência de um grupo de indígenas isolados na área Himerimã, porém somente com a continuidade dos estudos e das ações de monitoramento será possível esclarecer questões voltadas à ocupação da área.
A Fundação informa, ainda, que tem promovido articulação interinstitucional para a construção de um plano de convivência que inclua os ribeirinhos da Reserva Extrativista (RESEX), visando minimizar as tensões na região até que as equipes técnicas do órgão concluam os levantamentos necessários.
Por fim, a Funai esclarece que jamais se esquivou de apoiar as Frentes de Proteção Etnoambientais, inclusive a Frente de Proteção Etnoambiental do Purus. A Fundação promove ações ininterruptas de vigilância e fiscalização por meio de suas 11 Frentes de Proteção Etnoambiental (FPE), descentralizadas em 29 Bases de Proteção Etnoambiental (Bape), localizadas estrategicamente em Terras Indígenas da Amazônia Legal. Dessas 25 Bapes, cinco foram inauguradas e quatro reativadas pela atual gestão da Funai.”
Edição: Rodrigo Durão Coelho