O avanço da variante ômicron pelo país em meio a um aumento no número de casos de covid-19 preocupa governadores que passaram a discutir a possibilidade de retomar restrições contra o coronavírus nos estados com o objetivo de conter um novo avanço da doença. Para falar sobre os riscos e cuidados que é preciso ter com o aumento dos números de casos de covid-19 em no Ceará, o Brasil de Fato entrevistou Samuel Átila Rodrigues Nogueira, membro da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares.
Confira a entrevista completa
Brasil de Fato CE - Gostaria de começar a nossa conversa te perguntando por qual motivo estamos tendo tantos casos de covid-19?
Samuel Átila - De fato, o mundo nunca viu tantos casos de covid-19 de uma vez. Na última quarta-feira (12) o mundo bateu o recorde de casos, com mais de três milhões e meio de casos, maior recorde desde o início da pandemia. Existem alguns motivos para que esse avanço e recordes estejam acontecendo dia após dia. Um dos principais motivos é o relaxamento das medidas de controle da pandemia. O mundo inteiro relaxou as medidas de segurança, flexibilizaram o distanciamento social, o retorno de grandes festas e eventos, o relaxamento do uso da máscara, então, isso contribuiu muito para esse aumento de casos e algumas variantes como a Ômicron são potencialmente mais transmissíveis.
Esse surgimento de novas variantes do coronavírus, principalmente da variante dominante no mundo inteiro e o relaxamento das medidas são os principais fatores por todos esses casos confirmados no mundo inteiro.
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No Brasil não sabemos se estamos em recordes de casos porque os dados estão desatualizados desde o mês de dezembro de 2021, e esse apagão faz com que o Ministério da Saúde não consolide os dados em relação ao vírus. Não temos mais acesso a essas plataformas de notificação e controle de dados, está tudo totalmente desatualizado. Definitivamente estamos andando com o carro no escuro e com os faróis apagados, mas muito provavelmente o Brasil também está batendo recorde de casos de covid-19.
Você saberia informar qual a atual realidade dos hospitais que atendem pacientes com covid-19?
A realidade nos hospitais que atendem os casos de covid-19 ainda não é uma realidade desesperadora, mas, veja bem, eu falo ainda porque o número de casos subiu principalmente após as festa de fim de ano. E devemos esperar cerca de quatorze dias pra ver como é que esses casos irão se comportar, se serão casos leves, graves ou na pior das hipóteses serão óbitos. Então precisamos ficar de olho como vai ser o comportamento desse novo avanço da pandemia.
As unidades de atendimento primário como as Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e as Unidades Básicas de Saúde (UBS) têm sido bastante procuradas e têm tido aumento significativo de casos, mas os hospitais ainda não sentiram muito esses efeitos. Veja que eu falei muito, porque alguns hospitais já sentiram, com os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) atingindo o seu limite ou muito perto de atingir, principalmente no sul do Ceará onde os leitos de UTI já estão atingindo o seu limite e o governo do estado, por meio da Secretaria de Saúde, já cancelou os procedimentos eletivos como as cirurgias eletivas que podem ocupar leitos de UTI.
:: Ômicron já é a variante dominante no mundo ::
Então assim, não é uma realidade boa, apesar de não estarmos vivendo a mesma realidade do pico que vivemos em 2020 e 2021, mas estamos nos preparando para o pior, preparando para que as UTIs e enfermarias não superlotem novamente, o que não está acontecendo ainda, mas nós não podemos vacilar e não podemos deixar que isso aconteça. Já estamos com UPAs e UBSs lotadas, profissionais nos contam que o volume de casos depois das festas de fim de ano aumentou exponencialmente.
O governador Camilo Santana (PT), cancelou alguns eventos no Ceará por conta desse aumento. Você vê a possibilidade de mais uma vez entrarmos em lockdown?
O governador Camilo Santana publicou uma série de medidas reduzindo a quantidade de pessoas em eventos públicos e privados, e cancelando também os eventos de pré-carnaval e carnaval. Ao meu ver são muito salutares essas medidas, mas são insuficientes, não podemos deixar que haja uma superlotação dos hospitais nesse momento. Precisamos barrar a transmissão do coronavírus.
Para o serviço de saúde se preparar para esse avanço, nós não podemos deixar que muitas pessoas contraiam o vírus e possa ter casos graves e, acima de tudo, não podemos deixar que o coronavírus se transmita, se espalhe e se replique sem nenhum controle. Agora nós estamos com a replicação descontrolada e cada vez que o coronavírus se replica nós temos uma chance para gerar novas variantes. Isso é uma bomba relógio.
O coronavírus se transmitindo para tantas pessoas nesse momento com recorde no mundo inteiro é uma bomba relógio para criação de novas variantes. Então precisamos de medidas mais rígidas, de lockdown mais rígido, com redução de circulação de pessoas, proibição de qualquer tipo de aglomeração nesse momento. E a palavra lockdown não pode ter se tornado um tabu, não pode ter ficado em 2020 e temos que trabalhar de novo com isso. Esse é o momento de redução de circulação de pessoas para reduzir a transmissão, testar o maior número de pessoas possíveis e isolar as pessoas positivas.
Agora mais do que nunca é preciso testar todo mundo e o máximo possível de gente, testar quem teve sintomas, quem manteve contato com quem teve sintomas, adotar uma política de testagem em massa, testar e isolar. Sem isso o vírus vai se disseminar descontroladamente e isso não pode acontecer. Um exemplo muito bom de uma política de testagem em massa e de uso do lockdown de maneira pontual, temporária e efetiva é o que está acontecendo, por exemplo, na China. Eu posso contar pra vocês que a China teve só duas mortes por covid-19 em 2021. Eu não sei um município que teve só duas mortes de covid-19, e a China é um país com um bilhão e meio de pessoas que usa muito bem a política de lockdown, fecha a cidade quando tem que fechar, testa todo mundo quando tem que testar.
Então é isso que a gente tem que aprender a fazer. Fechar quando tem que fechar, abrir quando tem que abrir e testar o máximo de pessoas possíveis pra isolar todos os casos positivos.
Qual a importância da vacina nesse momento de crescimento do número de casos confirmados de coronavírus?
A importância da vacina nesse momento é imensurável. O mundo tem tido recorde de casos de covid-19 e o número de mortes felizmente não está acompanhando esse aumento. Vemos uma curva em pico de casos e uma curva muito branda de morte, e em alguns lugares não chegam nem a 10% das mortes que a gente teve nos picos em 2020 e 2021.
É importante ressaltar que são as vacinas que estão permitindo a existência de casos leves, casos moderados e a não existência de casos graves. Sem a vacina eu não consigo explicar a situação que nós estaríamos passando nesse momento com recorde de casos. São as vacinas que estão segurando as mortes, as vacinas que estão segurando os casos graves. As vacinas são a única solução que temos nessa pandemia.
As pessoas não estão morrendo, as UTIs não estão completamente lotadas por causa das vacinas, e em muitas UTIs do país só estão internadas pessoas que não tomaram a vacina, e isso é uma tristeza muito grande. UTI cheia de quem não tomou vacina. A vacina é o que está nos livrando do caos completo este ano, então agradeça a ciência, agradeça aos cientistas, agradeça as vacinas por nos manterem são e salvos, por nos permitirem estar vivos nesse momento.
O governo do estado autorizou a vacinação de crianças de cinco a onze anos. Essa ação é realmente necessária? Por quê?
Apesar de ser um público que geralmente contrai a doença de forma mais leve, a covid-19 matou muitas crianças. Tivemos quase uma morte de criança a quase dois dias por conta do vírus e precisamos ter em mente que cada vida conta. A maioria das doenças que a gente se vacina no Programa Nacional de Imunizações não geram mortes, mas geram sequelas terríveis, assim como as sequelas geradas pelo coronavírus.
As mortes por casos da covid só não matam mais crianças que acidentes de trânsito e de causas externas, mas foi a segunda maior causa de mortes de crianças no Brasil. Então temos que vacinar as crianças de cinco a onze anos. É obrigatório vacinar sua criança, vacinem-se, protejam-se, não se arrependa. Não deixe que seu filho contraia uma doença grave, não arrisque perder sua criança para a covid-19. Temos que vacinar nossas crianças de cinco a onze anos e temos que aprovar também vacinas efetivas para o público menor do que cinco anos.
As pessoas vacinadas, mesmo com a dose de reforço, ainda podem contrair o coronavírus? Se sim, quais cuidados elas devem ter?
Sim. As vacinas foram comprovadas que diminuem o risco de morte, diminuem doenças graves, porém, a pessoa, mesmo vacinada pode ainda contrair o coronavírus e pode ter a doença, entretanto, as vacinas diminuem muito a transmissão. Então quem é vacinado mesmo doente vai transmitir menos para outras pessoas. Por isso os cuidados são os mesmos de quando a gente não era vacinado ainda: continuar usando máscara, manter o distanciamento, estar em locais bem ventilados e evitar ao máximo, principalmente nesse momento, aglomerações. E além disso, tomem sua dose de reforço. É muito importante para manter essa imunidade que a vacina causa, porque com o tempo os anticorpos e a imunidade que a vacina proporciona diminuem e a dose de reforço é pra alertar nosso sistema imunológico, para proteger ainda mais contra as novas variantes que estão a solta por aí e para renovar nosso sistema imunológico.
E as pessoas que ainda não se vacinaram, quais cuidados elas devem ter e quais os riscos que elas estão expostas?
As pessoas que não se vacinaram o cuidado é se vacinar. O risco que as vacinas causam é quase nulo frente ao risco do vírus. O coronavírus causa muitos riscos como internação e morte. E mesmo nas pessoas que tem doença leve o coronavírus pode deixar sequelas para toda a vida. São riscos muito grandes que não justificam não procurar a vacinação. Por isso, procurem a vacinação para você, para seus filhos e tomem a dose de reforço. É muito perigoso pra si e para outras pessoas que não estão vacinadas nesse momento, assim como um perigo para a saúde pública.
Fonte: BdF Ceará
Edição: Francisco Barbosa