A flexibilização no acesso às armas e munições no Brasil durante a gestão do governo Bolsonaro associada à dificuldade de mecanismos de controle e rastreamento tornou-se motivo de preocupação, principalmente, por ter relação direta com o aumento da violência.
Um levantamento realizado pelo advogado e gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, para o seu mais recente livro Arma de fogo: Gatilho da violência no Brasil, da editora Telha, aponta que o número de armas em circulação na categoria Caçador, Atirador Esportivo e Colecionador (CAC) no Brasil já é superior o total de armas da instituição Polícia Militar.
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Segundo os dados obtidos pelo autor a partir do Sistema Nacional de Armar (SINARM) e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA), até abril de 2021, os CACs contabilizavam um total de 648.731 armas, enquanto a soma dos armamentos das Polícias Militares totalizava 583.498.
Mais armas e mais homicídios
Bolsonaro publicou mais de 30 decretos e atos normativos desde janeiro de 2019 para facilitar o acesso às armas. Embora muitos estejam judicializados, a intenção de aumentar o acesso ao armamento foi atingida.
Como mostrou reportagem publicada pelo Brasil de Fato, no último mês de dezembro, além dos CACs obterem altas quantidades de armas e munições, os decretos presidenciais desclassificaram uma série de itens que eram considerados Produtos Controlados pelo Exército (PCEs). Hoje, um CAC pode ter acesso, por exemplo, a um fuzil semiautomático calibre 7.62, que era de uso restrito.
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Na avaliação de Langeani, a relação é direta entre aumento de circulação de armas e homicídio. Para ele, os impactos da adoção dessa medida sem controle eficiente dos órgãos responsáveis já é conhecida da população brasileira.
“O período que mais cresceu o homicídio no Brasil foi quando tivemos uma corrida armamentista na década de 90. O Brasil está vendo algo semelhante com o governo Bolsonaro. No final de 2018 tivemos uma queda de homicídios que acabou entrando um pouco em 2019. A flexibilização de armas começou, principalmente, a partir de maio de 2019 e não parou até agora, mesmo com pandemia e toda essa questão de fechamento de comércio, a gente está vendo cada vez mais a compra de armas e isso já começa a ter um reflexo nos indicadores”, aponta o advogado em entrevista ao Brasil de Fato.
Violência doméstica
Um dos principais indicadores que mais preocupa especialistas da área de Segurança Pública é o crescimento da violência doméstica e dos casos de feminicídio. Segundo o Atlas da Violência 2021, enquanto os homicídios de mulheres nas residências cresceram 10,6% entre 2009 e 2019, os assassinatos fora das residências apresentaram redução de 20,6% no mesmo período, indicando um provável crescimento da violência doméstica.
O Atlas da Violência 2021 foi produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). O estudo teve como base os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde.
“Causa preocupação as mudanças recentes na legislação de controle de armas, como os mais de 30 decretos e atos normativos presidenciais publicados desde janeiro de 2019, a flexibilização pode agravar o contexto da violência doméstica”, diz o texto do estudo que ainda ressalta a piora na qualidade das informações do sistema de saúde brasileiro em 2019, podendo levar à subnotificações de homicídios e análise distorcida de dados.
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Para Langeani, o indicador da violência doméstica é um dos primeiros que começa a subir com o aumento da circulação de armas e deve ser analisado com muita atenção.
“A gente está falando de compra de armas para casa, esse é o lugar onde primeiro sofre essa questão da violência, temos visto o aumento do feminicídio em vários estados que, na nossa opinião, não é uma coincidência quando a gente olha esse cruzamento e essa explosão de armas”, afirma o gerente do Instituto Sou da Paz.
Mais controle
Segundo o advogado, a solução para a redução da violência de uma maneira geral perpassa por dois mecanismos que ainda são ineficientes no Brasil: o controle do mercado legal de armas e o combate ao mercado ilícito de armas e munições.
“Você pode permitir que pessoas comprem armas para ter em casa desde de que elas cumpram os requisitos para evitar o uso violento, que exijam que essa pessoa passe, de tempos em tempos, por teste psicológico, de que ela apresente atestado de antecedentes [criminais], de que qualquer uso indevido implica que seja retirada preventivamente”, explica o pesquisador.
“E que a gente consiga ter uma política de prevenção de violência armada que passe pelo fortalecimento de um combate ao mercado ilícito de armar e munições, um ponto que eu destaco é a fraqueza que o Brasil tem para fazer um trabalho de rastreamento sistemático do que é apreendido no mercado, que a gente sabe que, a maioria, são de armas nacionais desviadas do mercado legal”, conclui.
Em análise
No ano passado, o Senado aprovou o projeto de lei (PL 1.419/2019) que proíbe a aquisição de arma de fogo por quem praticar violência contra mulher, idoso ou criança. A proposta também determina perda da validade dos registros de armas já existentes em nome do agressor e a apreensão imediata de armas de fogo na posse do agressor, mesmo que não tenham sido usadas na agressão.
A proposta, que altera o Estatuto do Desarmamento, ainda precisa ser analisada pela Câmara dos Deputados.
Hoje em dia, a Lei Maria da Penha já prevê a suspensão da posse ou do porte de arma de fogo e a apreensão da arma como medidas protetivas de urgência. No entanto, a medida é restrita a atos que ocorram na unidade doméstica, no âmbito familiar.
Fonte: BdF Rio de Janeiro
Edição: Mariana Pitasse