Cracolândia

Justiça arquiva inquérito contra ativistas do coletivo A Craco Resiste

TJ-SP conclui que não há ilegalidades praticadas pelo grupo que denuncia violência policial na Cracolândia em São Paulo

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
O coletivo investigado pela Polícia Civil denuncia violações de direitos na Cracolândia em SP desde o final de 2016 - A Craco Resiste

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) arquivou, na última sexta-feira (14), o inquérito policial que investigava, desde o ano passado, integrantes do coletivo A Craco Resiste. O grupo se formou no fim de 2016 para se contrapor à violência do Estado praticada na chamada Cracolândia, no centro paulistano. 

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Pouco antes de serem intimados pela investigação do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), A Craco Resiste divulgou um dossiê com filmagens que flagram violências praticadas pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Paulo na região. 

Mesmo sem indícios de ilegalidade, ativistas foram investigados por seis meses pela Polícia Civil. O inquérito foi aberto a partir de uma representação feita pelo vereador Rubinho Nunes (PSL) - que também atua como advogado do Movimento Brasil Livre (MBL) e de seus principais líderes - em um período que precedeu as eleições.  

De acordo com o político, o coletivo fazia “apologia às drogas” por distribuir cachimbos. O processo contra os ativistas fez parte da campanha do então candidato a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo.   

Redução de danos 

Em documento em que recomenda o arquivamento do inquérito, o Ministério Público de São Paulo (MP-SP) afirma que das quatro pessoas investigadas, apenas uma diz ter feito distribuição de insumos para pessoas que fazem uso de drogas e que os objetos eram fornecidos pela Secretaria de Saúde “com o intuito de reduzir danos, ou seja, evitar o contágio de doenças”. 

A promotora Alexandra Santos destacou que “a distribuição de seringas faz parte de política pública de redução de doenças contagiosas, havendo inclusive norma estadual (Decreto nº 42.927/1998) que autoriza tal medida”. 

Em nota, A Craco Resiste salientou que é “favorável a iniciativas que promovam o vínculo e o autocuidado” mas que, por falta de recursos, nunca fez distribuição de insumos para reduzir os danos associados ao consumo de drogas.  

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Ainda segundo o MP-SP, as pessoas que o MBL tentou criminalizar “realizavam trabalho voluntário na região da Cracolândia e integravam diversos projetos sociais com o fim de trazer dignidade aos usuários de entorpecentes”. O TJ-SP acolheu a manifestação do Ministério Público.  

“A gente comemora porque estávamos sofrendo uma perseguição política”, ressalta a antropóloga Roberta Costa, integrante d’A Craco Resiste.  

Segundo Costa, “a denúncia eleitoreira” do MBL é “absurda”. Não apenas porque tentou acusar o coletivo de uma prática que o grupo não faz e que, mesmo se fizesse, ao contrário de ser criminosa, seria uma ação em defesa da saúde. Mas também “por ter sido um imenso desperdício de tempo e de dinheiro público”. 

“A gente comemora mesmo sabendo que é inaceitável termos tido de passar por isso”, resume, ao comentar que os investigados sofreram ameaças e que os pais de um deles tiveram a casa visitada por policiais.  

Violência policial gravada em câmeras 


Faixa contra a repressão policial na Cracolândia pendurada no bairro da Luz em setembro de 2020 / A Craco Resiste

O dossiê Não é confronto, é massacre foi divulgado pelo coletivo em abril de 2021. O material foi elaborado a partir do monitoramento das ações policiais na Cracolândia feito por câmeras de segurança durante três meses. 

Nos vídeos, é possível ver que a maioria das ações com uso de bombas de gás e balas de borracha são praticadas por iniciativa dos próprios guardas civis, sem uma ação anterior feita pelas pessoas em situação de rua.  

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O dossiê foi usado em ação movida pelo MP-SP para que a GCM deixe de atuar como força policial na Cracolândia.  

“Ironicamente, o inquérito contra A Craco Resiste se mostrou mais um exemplo do que sempre denunciamos”, sintetizou o coletivo, em nota na qual afirma:  “Não vamos parar até que a chamada guerra às drogas deixe de fazer vítimas”.

 

Edição: Vinícius Segalla