A capital gaúcha sediará entre os dias 26 e 30 de janeiro de 2022, o Fórum Social Mundial Justiça e Democracia (FSMJD). O Fórum, que acontecerá presencialmente, será um espaço de resistência frente aos constantes ataques ao Estado Democrático de Direito que assolam o Brasil, a América Latina, e outras partes do mundo.
Vai reunir debates em torno de cinco eixos temáticos: Capitalismo e Desigualdades, Democracia e as Forças Sociais, Direitos de Grupos Vulnerabilizados, Comunicação e Tecnologias e Cultura. E cada um desses eixos abarca uma série de linhas temáticas.
Entre os convidados confirmados estão o professor Boaventura de Sousa Santos (idealizador inicial do evento), o juiz criminal Rubens Casara, a ativista feminista francesa Jules Falquet, o pastor Henrique Vieira e o ativista membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos. A mesa de abertura do Fórum já tem as presenças confirmadas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de Marinete da Silva, mãe de Marielle Franco, entre outras pessoas.
Em entrevista ao Brasil de Fato RS, a militante do FSMJD Paula Freitas de Almeida, que compõe o Comitê Facilitador como representante da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (REMIR-Trabalho), afirma que a vasta gama temática do FSMJD se entrelaça a partir de problemáticas sociais que transversam todos os eixos, reunindo forças sociais progressistas que buscam defender a democracia e lutar por sistemas de justiça mais plurais.
“Especialmente aqueles que dizem respeito a reconhecer que vivemos em uma sociedade de classe, oligárquica, patriarcal e desigual, em que sobressaem as questões sobre as violências do capitalismo, processos de vulnerabilização, favelização e escravização, que, por outro lado, remontam às resistências que se fortalecem nas problemáticas trabalhadas pela interseccionalidade, combate ao racismo, feminismo, LGBTQIA+, entre outras”, afirma.
Paula é também primeira secretária da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho (ABET) e doutoranda em Desenvolvimento Econômico pelo Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Nas linhas a seguir, ela aprofunda os objetivos do Fórum e explica a relevância do evento que ocorre 21 anos após o primeiro Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre – hoje em um contexto de investidas fascistas no país. Também fala das atividades programadas e de como pessoas e entidades podem participar.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato RS - Quais as principais problemáticas e lutas que serão debatidas do Fórum Social Justiça e Democracia?
Paula Freitas de Almeida - O FSMJD se autodefine como um movimento que arregimenta forças sociais progressistas que buscam defender a democracia e lutar por sistemas de justiça mais plurais. As deturpações e violências contra a justiça e a democracia, inclusive pelos próprios sistemas de justiça, são o nosso núcleo temático fundante e o que orienta a leitura de tudo mais quanto se desenvolva no âmbito do Fórum. Aqui, estamos falando de mais de 150 instituições inscritas no FSMJD, cada uma com sua missão, objetivos, com aquilo que define sua agenda e pauta a sua luta.
Como movimento das forças sociais que é, tudo o que tem sido feito até agora é resultado de um processo de construção coletiva, com participação de representações das instituições integrantes e que levou à criação inicial de cinco eixos temáticos:
Eixo 1 – Capitalismo, desigualdades, relações sociais, mundos do trabalho e sistemas democráticos de Justiça;
Eixo 2 – Democracia, Arquitetura do Sistema de Justiça e as forças sociais;
Eixo 3 – Sistema de Justiça, Democracia e Direitos de grupos vulnerabilizados;
Eixo 4 – Democracia, comunicação, tecnologias e Sistema de Justiça, e;
Eixo 5 – Perspectiva transformadora do sistema de justiça e a centralidade da cultura nesse processo.
Os cinco eixos ainda abarcam uma série de linhas temáticas, colocadas como um rol aberto de sugestões, que podem ser encontradas no site fsmjd.org. Mas, é importante saber: a vasta gama temática do FSMJD se entrelaça a partir de problemáticas sociais que transversam todos os eixos, especialmente aqueles que dizem respeito a reconhecer que vivemos em uma sociedade de classe, oligárquica, patriarcal e desigual, em que sobressaem as questões sobre as violências do capitalismo, processos de vulnerabilização, favelização e escravização, que, por outro lado, remontam às resistências que se fortalecem nas problemáticas trabalhadas pela interseccionalidade, combate ao racismo, feminismo, LGBTQIA+, entre outras.
Como e por quem o FSMJD foi idealizado e por que Porto Alegre foi escolhida como sede da primeira edição?
O Fórum teve um idealizador inicial, que já trazia em sua larga bagagem de trabalho no FSM e na vida de pesquisador sobre decolonialidades, o amadurecimento necessário para perceber que era o momento ideal para que a defesa dos sistemas de justiça e da democracia ganhasse vida própria em um temático do FSM. Foi assim que Boaventura de Souza Santos, sociólogo português propôs que o FSMJD fosse chamado a partir do Brasil.
Trata-se de reconhecê-lo como um país que nunca rompeu com as estruturas sociais do passado e que, mesmo considerado democrático, viveu em tempos recentes a prática do lawfare contra uma das maiores lideranças políticas do mundo, o impeachment de uma presidenta e o desmantelamento de direitos estruturantes de uma sociedade verdadeiramente democrática e justa por uma série de reformas justificadas à base de argumentos falaciosos que não cumpriram nenhum dos objetivos que oficialmente se propunha.
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A provocação do professor Boaventura foi direcionada a um conjunto de associações jurídicas progressistas e ocorreu durante evento por elas organizado, resultando na chamada do FSMJD. Foram elas: Transforma MP - Coletivo por um Ministério Público Transformador, Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia, Associação Juízes para a Democracia, Associação Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia, Coletivo Defensoras e Defensores Públicos pela Democracia, Coletivo das/dos Defensoras/es Públicos pela Democracia e Movimento Policiais Antifascismo.
Em seguida, juntamente com outras entidades que a estas se juntaram, foi escrita uma Carta Convite para o FSMJD, cuja versão em português se encontra disponível no site e que fora traduzida para o inglês, francês, espanhol e italiano. A ideia é possibilitar cada vez mais a internacionalização do FSMJD, ainda que a conjuntura pandêmica tenha colocado alguns importantes limites a essa expansão.
É chegada a hora da resistência às investidas fascistas da extrema direita se tornar palpável e a escolha por Porto Alegre vem ao encontro dessa proposta... estamos por comemorar 20 anos do FSM (agora, 21), ao tempo em que o Brasil voltará a ser emblemático na corrida presencial de 2022. Em POA, há grande representações políticas que apoiam o atual governo negacionista, fascista e genocida, mas também há a forte presença de grandes lideranças progressistas, além de grandes expressões dos setores populares organizados de nossa sociedade. É uma grande arena e marcaremos nossa presença por lá.
O FSMJD é um dos Fóruns temáticos que pretende levar seus resultados para o Fórum Social Mundial que ocorre neste ano no México. Passados 21 anos da primeira edição do Fórum, realizada em Porto Alegre, o fortalecimento da democracia e da justiça social no mundo estão ainda mais desafiadores?
Sem dúvidas, quando o FSMJD passa a se compreender como movimento, se está indo além. Ele assume que as relações com o mundo são dinâmicas e se transformam a todo o tempo. O Fórum é colocado em constante processo de atualização, seja porque a cada dia novas instituições somam suas forças, seja porque também a sociedade vive em contínua transformação e em tempos cada vez mais intensos.
:: Lula participa de fórum mundial sobre justiça e democracia em Porto Alegre ::
Por mais que esse dinamismo possa ganhar conformações distintas nas muitas regiões da Terra (redonda) e se remodelar conforme as forças em disputas se façam mais ou menos presentes, 21 anos atrás as preocupações com o fortalecimento e expansão de regimes democráticos e com a promoção da justiça social pareciam encontrar uma força propulsora.
A ascensão de governos considerados de esquerda na região da América Latina, associados sobretudo às pautas sociais, retrataram bem o fôlego que as pautas progressistas vinham tomando. Mas, sempre com tensionamentos. A título de exemplo, em 2001, haviam passado apenas 26 anos da independência de parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa em relação a Portugal (a exemplo de Moçambique e Angola), outros, ainda se mantiveram na guerra pela independência, como o Timor-Leste (que, uma vez conseguida sofreu interferência da ONU para incremento do pacote instituições do capitalismo ocidental).
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Agora, o mundo assiste a novos desafios. Temos que defender que a Terra é redonda, que a vacina imuniza, que a mortalidade infantil não é política de natalidade e de controle da pobreza abaixo dos trópicos... são novos e velhos desafios, que intrigam pela dimensão de retrocesso que representam.
Ao lado disso, as mutações do capitalismo continuam a favorecer a intensificação da desigualdade e a subjugação da política interna de nações inteiras à autoregulação do mercado e dos interesses hegemônicos, que já vinham expressos nos fundamentos políticos do neoliberalismo e sistematizado pelo Consenso de Washington. Algo assim é um ponto de inflexão na história da humanidade e é capaz de produzir seus efeitos deletérios por décadas; as resistências têm que cada vez mais se unir e buscar se fortalecer a partir dessa união.
O desafio se coloca diante de uma conjuntura que cada vez mais exacerba as atitudes individualistas em detrimento da identidade do sujeito coletivo e que reflete a perda do sentimento de pertencimento à coletividade. Vimos o desmantelamento dos ganhos e direitos sociais dos últimos anos em uma velocidade feroz; vimos a ascensão da ultradireita; vivenciamos a maior crise sanitária do planeta e vimos novos nomes ingressarem na lista de milionários da Forbes, enquanto políticas genocidas se consolidam. Temos novos desafios; o que se tem para resistir a isso?
O lugar dos movimentos sociais, das lutas e disputas por um mundo melhor é nas ruas
O FSMJD não vai se furtar a se colocar como uma das opções de resistência (a ser pensada globalmente) e, por isso, vem se juntando a tantos outros atores nesse processo. A escolha por ser presencial é expressão do fundamento de que o lugar dos movimentos sociais, das lutas e disputas por um mundo melhor é nas ruas.
Nas ruas é que se faz o sujeito político, que atua, interfere, contribui com a construção da sociedade da qual é parte. Vamos usar, como se deve, o desenvolvimento e a difusão das novas tecnologias para somar a militância digital, mas como algo que deve acrescer, não substituir a ocupação das ruas, dos espaços públicos.
Como o FSMJD entende o atual momento pelo qual passa o país no que diz respeito a direitos humanos e desenvolvimento de uma sociedade democrática e que caminhe na direção de um maior equilíbrio social?
Do ponto de vista dos poderes constituídos internamente, o Brasil anda na contramão do desenvolvimento, de qualquer ordem. Destroem-se direitos com a justificativa de que se geraria empregos e renda, mas que acarreta no processo de desindustrialização e na consequente desestruturação do mercado de trabalho; perdem-se postos de trabalho com segurança social para os vínculos uberizados, precarizados pela imposição da força do mercado em detrimento da legislação nacional..
Além disso, perde-se investimento público em programas voltados à emancipação de grupos vulnerabilizados; destroem-se ainda mais as florestas, aumenta-se a mortandade e o desrespeito aos povos originários, aos povos indígenas; vendem-se terras públicas para o estrangeiro com respaldo do STF, ao tempo em que se deixam nacionais sem-terra; aumenta-se o trabalho escravizado, ao tempo em que se diminui o poder da fiscalização do trabalho e se buscam reformas que possam aos poucos esvaziar o sentido das instituições do trabalho; corta-se orçamento da educação e saúde, mudam-se políticas, destituem-se ministros; se endurece o poder de polícia e a necropolítica contra a favela e a periferia; não se reconhecem as necessidades específicas de mulheres estupradas, nem de adolescentes menstruadas que precisam ir à escola; relega-se a homofobia, a violência contra a mulher, o racismo estrutural a questões de segunda ordem, o chamado “mimimi”.
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Todas essas formas (e outras) de violência da condição humana são reconhecidas pelo FSMJD e colocadas como alvo daquilo contra o que se dedica a energia de luta. Não se trata de uma visão romântica de mundo, mas da compreensão de que um outro mundo é possível. Para isso, é preciso se fazer a crítica por dentro; implicar não só os governistas em sua responsabilidade pelo retrocesso brasileiro em termos de direitos humanos e aumento das desigualdades, mas também quem está no corpo institucional dos poderes Legislativo e Judiciário, que, de muitos modos, vêm assegurando a incorporação e legitimação das investidas destrutivas do país.
O legislativo corroborou o golpe presidencial e vem promulgando leis contrárias aos interesses nacionais e à sua população, que fortalecem a governabilidade de governos ilegítimos e incrementam políticas que atentam contra os princípios constitucionais. O judiciário, por sua vez, vem sendo palco de lawfare e do reconhecimento como constitucional de uma série de atos inconstitucionais, em grande medida, pela visão estreita e conveniente aos poderes constituídos em detrimento do seu fundamento principiológico.
Trata-se de um conjunto orquestrado de ações no âmbito do Executivo, mas também do Legislativo e do Judiciário que reproduzem a racionalidade destrutiva das violências do capitalismo e que reverberam no conjunto da sociedade e na potencialização das violações dos direitos humanos. Violências estas que costumam ser dirigidas contra a negritude, trazer o recorte de gênero e de outros tantos marcadores da vulnerabilização de segmentos sociais.
Ataques ao meio ambiente e aos povos originários, violações de direitos de mulheres, populações negras, LGBTQI+, despejos em plena pandemia e volta da fome são alguns dos problemas de nosso país. Qual o papel da justiça para enfrentá-los e como transformar essa justiça em uma ferramenta realmente justa?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares! Para começo de conversa, é preciso se perguntar: é possível encontrar o justo no capitalismo? Nesse processo, a relação do capitalismo com a democracia não é necessária; de um lado, a sociedade de classe legitima a exploração dos trabalhadores pelos proprietários dos meios de produção, e, de outro, a exploração deve ser contida para haver emancipação e superação do reino das necessidades. Trata-se, portanto, de um suposto dilema (ao menos para quem se beneficia com a exploração) que nos coloca em xeque acerca da sustentabilidade da democracia ante o capitalismo. Ainda assim, acredita-se que é possível trilhar caminhos que contribuam com a redução das desigualdades e com o fortalecimento de movimentos emancipatórios.
É preciso se perguntar:é possível encontrar o justo no capitalismo?
Um segundo esclarecimento deve ser feito para que se entenda que quando se fala em “justiça”, se quer dizer “sistema de justiça”, que, na perspectiva do Estado moderno capitalista e ocidental significa dizer o conjunto de mecanismos, valores e sujeitos reconhecidos e organizados institucionalmente para tornar efetivo o conjunto de valores (políticos, econômicos, sociais) eleitos por uma dada sociedade, àquele tempo histórico.
Então, como os sistemas de justiça reconhecidos institucionalmente podem ser justos? Daí, temos que entender uma outra coisa: no mais das vezes, como Estados constitucionais, são as Constituições dos países, decorrentes da síntese de um processo político participativo e inclusivo das pautas de lutas das forças sociais organizadas, que incorporam, sistematizam e dão legitimidade institucional àquilo que deverá ser efetivado pelo sistema de justiça para fazer essa sociedade mais justa, não só do ponto de vista formal (dos direitos garantidos), como também do ponto de vista das relações materiais.
:: A fome é a grande história de nosso tempo ::
Ao nosso tempo histórico, o marco do desenvolvimento desses valores está na promoção da condição humana. Trata-se de resposta às muitas violações herdadas dos tempos em que se legitimava a escravização, a subjugação da mulher, marginalização dos seguimentos vulnerabilizados, a cidadania seletiva aos homens brancos proprietários, a invasão colonizadora para exploração e dizimação dos povos originários, a exploração por modelos de produção desigual, a reserva do meio ambiente sadio para as economias ou regiões centrais e tantas outras formas discriminatórias e de exercício do poder do homem sobre o homem.
Depois de muitas mediações históricas, de muita luta e conquistas das forças sociais, da resistência à perda de liberdades civis e políticas decorrentes da ditadura, o Brasil sistematizou aquilo que considera justo na Constituição Federal, também chamada de Constituição Cidadã. O seu pressuposto é de que se está diante de um Estado Democrático de Direito, que visa universalizar a promoção humana ao orientar todo o resto a partir do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.
Concretamente, isso significa reconhecer todos os aspectos da vida em sociedade que agregam ao processo do desenvolvimento humano pensado a partir das relações consigo, com o outro e com o meio ambiente (natural, artificial, cultural e do trabalho). Disto decorre a necessidade de se respeitar as diferenças e de integrá-las ao conjunto social, o que pode se dar por muitas formas tal como pelo respeito ao multiculturalismo e à pluralidade, à diversidade, ao tratamento igualitário por dentro das estruturas institucionais, etc.
É partindo desse paradigma que o FSMJD defende os sistemas de justiça plurais. Garantir comida na mesa é necessário, mas não é suficiente. Chamemos as nossas instituições à sua responsabilidade por efetivar as constituições federais por meio dos sistemas de justiça; coloquemos os sujeitos que são os atores institucionais implicados no processo, à frente das negligências e normalização das violações, para que se possa também deles se cobrar essa fatura.
Um dos eixos temáticos aborda comunicação e tecnologias. Em tempos de fake news que elegem presidentes, ataques de ódio contra pessoas ou grupos sociais, como o Fórum entende a questão de democratização dos meios e necessidade de alguma regulamentação?
A primeira falácia que se precisa combater é de que fake news é liberdade de expressão; há de se ter muito cuidado e entender o que fundamenta esse tipo de afirmação. Em primeiro lugar, entender que as relações humanas e a vida em sociedade são construídas a partir da noção de boa-fé, não somente da sua dimensão jurídico-institucional das relações contratuais. Pensar a boa-fé como algo que é constitutivo da própria coesão social é dizer que a sustentabilidade da coletividade perpassa pela confiança entre os sujeitos, pelo dever de lealdade, pelo cumprimento de um primado ético, pelo dever de todos e todas com a construção social.
A segunda falácia é tomar a liberdade de expressão como o direito de se dizer o que quer... isso é voluntarismo. Todo direito individual, e a liberdade de expressão é um deles, é limitado, maximamente quando violenta a integridade do patrimônio jurídico de outros indivíduos ou da coletividade. É por isso que existe uma série de crimes (em sentido amplo) que decorrem do que é dito: injúria, difamação, calúnia, violência verbal, etc.
Todo direito individual, e a liberdade de expressão é um deles, é limitado quando violenta a integridade do patrimônio jurídico de outros indivíduos ou da coletividade
Assim, é preciso se entender que a liberdade de expressão é garantia do direito da manifestação livre de pensamento, de ideias e de opiniões contra o exercício de poderes instituídos que visam usurpar as liberdades civis e políticas dos indivíduos e da coletividade. As fake news não se encaixam nesse enunciado, pois não são pensamento, ideia ou opinião, mas enganação discursiva.
A terceira falácia, talvez menos evidente, é dizer que não há regulação sobre o tema das fake news. De pronto, é possível se perceber que há uma regulação social imposta pelo conjunto da sociedade, a partir da expectativa de que a manifestação de pensamentos, ideias e opiniões seja exercida em observância das balizes da boa fé como elemento da coesão social, da lealdade e da lisura nas relações humanas. Do ponto da norma heterônoma estatal (o direito produzido pelo Estado), já foram sinalizados os crimes por declarações falsas ou agressivas.
Nesse sentido, o FSMJD defende a democratização de acesso aos meios de comunicação digitais e dos usos das novas tecnologias, desde quando voltados para emancipação e desenvolvimento social. Defende o combate à manipulação tecnológica dos sistemas de justiça, por meio da jurimetria e outros “serviços” da machine learning, da inteligência artificial e da internet of things. Não tolera usos com efeitos deletérios sobre o sentido de comunidade livre e que atentem contra os primados da justiça e da democracia, devendo-se ter clareza que as dúvidas acerca das temáticas se relacionam menos com uma razão real para dúvida e mais como efeito de construções discursivas, sofismas, que buscam obscurecer ou deturpar o devido sentido da liberdade de expressão.
De que forma esses temas serão debatidos dentro do FSMJD?
No início da entrevista, dissemos sobre a organização metodológica do FSMJD em cinco eixos temáticos. Esses eixos servirão para balizar a construção de atividades pelas entidades e coletivos que integram o FSMJD. Os eixos foram fruto da construção coletiva, a partir de muito trabalho do GO de Metodologia e Programação para sistematizar aquilo que foi apontado nas Assembleias Gerais como a expectativa do que seria desenvolvido pelo Fórum.
Depois de meses de trabalho na construção da proposta, a mesma foi levada ao Comitê Facilitador do FSMJD e validada também em Assembleia Geral. É o retrato daquilo que está presente na militância das instituições integrantes do FSMJD e, talvez por isso, tenha garantido o sucesso do encontro que já conta com mais de 80 atividades inscritas, com prazo ainda aberto para mais inscrições.
Além destas atividades, totalmente organizadas pelas instituições, o GO de Metodologia e Programação e o Comitê Facilitador também estão organizando algumas atividades. No dia 26, contaremos com a Marcha de Abertura, realizada em vias públicas, em parceria com o Fórum das Resistências. No dia 27, haverá a mesa inicial com o tema “Vítimas do Sistema de Justiça”, em que teremos a participação de Lula (ex-Presidente, vítima de lawfare), Luís Nassif (jornalista, vítima de assédio judicial), Ana Paula Oliveira (Mãe de Manguinhos, vítima de necropolítica), Marinete Franco (mãe de Marielle Franco, vítima de perseguição política e da ação de milicianos), Fernanda Kaigang (liderança indígena, vítima da violência contra os povos originários), sob a mediação de Tânia Oliveira, integrante do Comitê Facilitador.
Ainda no dia 27, terão início as mesas dos eixos temáticos, que acontecerão também no dia 28. Para o dia 29, além de atividades autogestionadas, está prevista a Plenária FSMJD e, no dia 30, o encerramento com a programação cultural, sabendo-se que para o FSMJD a cultura não é simplificada ao plano do entretenimento, mas também reconhecida como importante campo de disputa, diante do seu potencial transformador de uma sociedade.
Como faz quem tiver interesse em participar do FSMJD?
Quem quiser ter uma militância participativa dentro do FSMJD poderá participar de muitos modos. Todas as inscrições poderão ser realizadas no site fsmjd.org. A todes é possível se inscrever como voluntário ou participante ouvinte. As entidades e movimentos, por sua vez, podem fazer inscrição de atividades (até dia 09/01) e ingressar como entidades aderentes. Além dessas inscrições, também é possível contribuir com o FSMJD mediante a doação de recursos financeiros.
Para ser um voluntário, é suficiente preencher o formulário de inscrição e fazer constar os modos que se poderia colaborar. Fica aqui um apelo em particular para as pessoas que estarão em Porto Alegre e que são adeptas da dessa militância para que se juntem ao FSMJD nessa condição de voluntárias. Toda a ajuda será muito importante para fazer acontecer o FSMJD!!!
Para ser um participante (ouvinte), é preciso preencher o formulário de inscrição e pagar a taxa de inscrição no valor de R$ 20 (vinte reais), podendo ser qualquer interessado, sem a exigência de que faça parte de uma das nossas entidades. Pedimos que os interessados não deixem para fazer suas inscrições de última hora, pois precisamos nos organizar para receber bem a todes, ainda mais diante dos protocolos sanitários que cumpriremos à risca para garantir a segurança contra a covid-19.
Aquelas pessoas que fazem parte das entidades integrantes do FSMJD, têm a opção de também inscreverem atividades (até o dia 09/01). Nesse caso, além de terem a arquitetura da proposta para colocar no formulário de inscrição, deverão pagar uma taxa no valor de R$ 100 (cem reais), que já envolve a inscrição de até cinco participantes da atividade.
Por fim, ainda é possível fazer a adesão e a doação para o FSMJD. Se alguma entidade ou coletivo progressista ainda não faz parte do FSMJD, pode se tornar instituição aderente a qualquer tempo. O pedido de adesão é gratuito, mas deve aguardar o retorno do Comitê Facilitador com a aprovação do pedido. Não é possível integrar o FSMJD empresas privadas, sindicatos patronais ou quaisquer outras instituições e coletivos que não assumam a defesa da pauta progressista.
A doação, por sua vez, poderá ser realizada ou por qualquer instituição apoiadora ou por qualquer pessoa que acredite no FSMJD e queira contribuir com a realização do encontro em Porto Alegre e a sua existência contínua. Essa é a doação que, mais do que a entrega de valores, se transforma num ato de resistência e de militância, porque é o que tem contribuído para dar concretude ao FSMJD, contribuindo também para o seu tamanho, alcance e importância.
Tanto as doações como o pagamento das inscrições podem ser realizados por meio da chave pix [email protected], qualquer que seja a contribuição, será muito bem-vinda! E, no melhor dos mundos, virá junto com o seu voluntariado! Um outro mundo é possível!!!
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Rebeca Cavalcante e Ayrton Centeno