Revolta social

Presidente do Cazaquistão se nega a dialogar com manifestantes: "Terroristas"

Em meio a violentos protestos, Tokayev diz que "bandidos armados e treinados" promovem tumultos e promete eliminá-los

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Manifestantes nas ruas de Almaty, ex-capital da antiga república soviética - Abduaziz Madyarov / AFP

Após dias de violentos protestos, o presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, afirmou nesta sexta-feira (07/12) que autorizou forças de segurança a abrir fogo contra "terroristas" e atirar para matar, prometendo destruir "bandidos armados".

Num pronunciamento transmitido pela TV, Tokayev culpou "terroristas" pelos tumultos, afirmando que cerca de 20 mil "bandidos" atacaram a capital financeira e maior cidade do país, Almaty. "Terroristas continuam a destruir propriedades e a usar armas contra civis", afirmou. "Aqueles que não se renderem serão eliminados."

Ele também descartou dialogar com os manifestantes, como pediram outros países, afirmando que isso seria sem sentido. "Que negociações podem ser travadas com criminosos, assassinos? Estamos lidando com bandidos armados e treinados", declarou Tokayev.

O Ministério do Interior cazaque afirmou nesta sexta-feira que 26 "criminosos armados" foram "liquidados", 18 ficaram feridos e mais de 3 mil pessoas foram detidas. Também foram registradas as mortes de 18 membros das forças de segurança, e mais de 700 ficaram feridos, segundo a pasta.


O Cazaquistão faz fronteira com Rússia, China, Quirguistão, Uzbequistão e Turcomenistão / Creative Commons

Piores protestos em três décadas

O Cazaquistão vive os piores protestos populares desde que a ex-república soviética alcançou a independência, há três décadas. As manifestações começaram depois de os preços do gás liquefeito de petróleo (GLP), usado por muitos cazaques para abastecer seus carros, quase dobrarem na virada do ano.

Milhares foram às ruas em Almaty e na província ocidental de Mangystau, reclamando que o aumento do preço é injusto devido às vastas reservas do Cazaquistão, exportador de petróleo e gás.

Os protestos logo se espalharam pelo país na Ásia Central, refletindo um amplo descontentamento com a continuidade do mesmo partido no poder desde a independência.

Os atos se tornaram extremamente violentos, com prédios governamentais sendo saqueados e incendiados. O acesso à internet foi bloqueado pelo país a partir de quarta, e dois aeroportos foram fechados, incluindo um em Almaty.

Numa concessão aos manifestantes, o governo anunciou a limitação dos preços dos combustíveis por 180 dias e uma moratória sobre os aumentos das tarifas de serviços públicos.

Tokayev vem oscilando entre a tentativa de apaziguar os manifestantes, incluindo a aceitação da renúncia de seu governo, e promessas de medidas duras para reprimir os tumultos.


Tokayev, o atual presidente cazaque. O Cazaquistão foi, em 2018, o 9° maior exportador mundial de carvão, o 9° maior exportador mundial de petróleo e o 12° maior exportador mundial de gás natural. / Creative Commons

Ajuda russa

O presidente apelou a uma aliança militar liderada pela Rússia, a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (OTSC), para combater o que chamou de "grupos terroristas" que "receberam treinamento extensivo no exterior".

Além da Rússia, a aliança inclui cinco ex-repúblicas soviéticas – o próprio Cazaquistão, Belarus, Armênia, Tajiquistão e Quirguistão – e já enviou tropas para o território cazaque para uma missão de paz. A OTSC disse que 2.500 de seus soldados permanecerão no país por alguns dias ou semanas.

Nesta sexta, Tokayev afirmou que soldados vindos da Rússia e de países vizinhos haviam chegado e estavam numa base temporária no país. Autoridades do Cazaquistão insistiram que os soldados da aliança não combaterão os manifestantes, mas garantirão a segurança de instituições governamentais.

O Ministério da Defesa russo afirmou nesta sexta que mais de 70 aviões estavam voando sem parar para transportar tropas russas para o Cazaquistão.

O presidente cazaque agradeceu aos líderes de Rússia, China, Uzbequistão e Turquia pelo apoio, com um agradecimento especial ao presidente russo, Vladimir Putin, por enviar tropas no âmbito da missão de paz.


Campo de petróleo cazaque, em Atyrau. A mineração de criptomoedas consome parte considerável da energia do Cazaquistão. Apenas os EUA tem operações maiores de Bitcoin do que o país asiático. / Leon Leal/AFP

"Terroristas ainda estão usando armas"

Nesta sexta, Tokayev declarou que a ordem constitucional estava "majoritariamente restaurada em todas as regiões do país" e que autoridades locais tinham a situação sob controle.

O presidente acrescentou, no entanto, que "terroristas ainda estão usando armas e danificando propriedades" e que "ações antiterroristas" deveriam prosseguir.

Tiros ainda foram ouvidos em Almaty na manhã desta sexta-feira. A agência estatal russa Tass noticiou que o prédio onde fica a filial cazaque da emissora Mir, financiada por vários ex-Estados soviéticos, estava em chamas.

Correspondentes da agência de notícias Reuters viram oficiais armados ocupando a principal praça da cidade, onde houve enfrentamentos com manifestantes na véspera. A poucos metros dali, um corpo foi avistado num veículo civil severamente danificado.

Entretanto, o aeroporto de Almaty – que havia sido invadido e apreendido por manifestantes – estava novamente sob o controle das forças de segurança cazaques e da OTSC, comunicou o Ministério da Defesa da Rússia. O aeroporto permanecerá fechado até sexta-feira à noite, noticiou a estação de TV local Khabar 24.

Na capital, Nur-Sultan, o aeroporto está operando como de costume, segundo a Khabar 24, e o acesso à internet foi parcialmente restaurado. O tráfego ferroviário foi retomado no país.