ELEIÇÕES 2022

Falsa simetria: entenda por que comparar Lula e Bolsonaro é absurdo, segundo especialistas

Paralelos estabelecidos para aproximar ex e atual presidente são frágeis e não se sustentam

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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Lula lidera as pesquisas de intenção de voto para 2022, com larga vantagem sobre Bolsonaro - Ricardo Stcukert e Marcelo Camargo/Agência Brasil | Montagem: Brasil de Fato

O ano eleitoral mal começou e as comparações entre o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT), os dois principais oponentes na disputa presidencial de outubro, não tardaram a aparecer em veículos de comunicação do país.

Nas redes sociais, logo na virada do ano, ganhou destaque um editorial do jornal O Estado de S. Paulo em que são apontadas supostas semelhanças entre os dois políticos.

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"Um dos aspectos mais perversos da similaridade entre Lula e Bolsonaro é o modo como tratam as classes mais pobres. Uma vez que medem tudo pelo interesse eleitoral, a vulnerabilidade social, em vez de ser enfrentada responsavelmente, é usada como oportunidade eleitoreira. Para os populistas, a autonomia do cidadão é obstáculo para a instauração do seu projeto de poder", diz um trecho do texto.

Acadêmicos e especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato condenam qualquer tipo de comparação entre Lula e Bolsonaro. Segundo eles, os paralelos estabelecidos para aproximar os dois pré-candidatos são frágeis e não se sustentam.

Nas pesquisas eleitorais, Lula tem larga vantagem sobre Bolsonaro. Em alguns estudos, aparece com possibilidade de vitória no 1º turno. Os entrevistados apontaram que a comparação entre o comportamento dos dois é uma das estratégias da chamada "terceira via".

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O sociólogo Wescrey Pereira, doutorando no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), listou os principais episódios em que a postura democrática de Lula e do PT foi colocada à prova desde o fim da Ditadura Militar.

"Havia, em 2002, aquele velho debate se a democracia brasileira seria sólida ao fazer a transição de dois projetos distintos. De um lado, o projeto do Fernando Henrique Cardoso, que era o partido da ordem, para o Lula. E a democracia no país se mostrou estável, sempre respeitando as regras do jogo", disse.

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"O Lula inclusive abdicou de apresentar um programa político mais radical no sentido do enfrentamento à política macroeconômica, fazendo sinalizações importantes ao mercado, ao setor produtivo brasileiro, não tendo uma postura radical. Foi um governo dentro dos marcos desse modelo de democracia que nós vivemos."

Pereira aponta que as posições do PT diante do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e da prisão de Lula, em 2018, são prova de que o partido não defende nenhum tipo de ruptura democrática.

"Quando, em 2016, ocorre o golpe – e olha que é um golpe que rompe com a democracia, é um golpe político importante – o PT ainda assim respeitou as regras do jogo que estavam postas", afirmou.

"O Lula foi preso e mesmo assim respeitou as regras do jogo, ainda que discordando do que estava se propondo na época. Eu acho que isso situa o Lula como um democrata de um partido que respeita a democracia", declarou.

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Em relação a Bolsonaro, Pereira aponta que a defesa da Ditadura Militar, a referência a figuras como o torturador Coronel Brilhante Ustra, e as ameaças ao resultado de eleições democráticas são prova cabal de desapreço pela democracia.

Milton Alves, colunista do Brasil de Fato e autor do livro A Política Além da Notícia: Guerra Declarada contra Lula e o PT (2019), aponta que a comparação entre os dois é patrocinada por grandes veículos de comunicação.

"Esse debate é levantado por setores da imprensa, particularmente a imprensa que eu chamo de golpista, a Rede Globo, a Folha de São Paulo, o Estadão, que nas eleições de 2018, falaram de uma 'escolha difícil' entre Fernando Haddad e Jair Bolsonaro. E, agora, tentam fazer essa simetria entre Lula e Bolsonaro. Nada pode ser mais distante da realidade e falso", afirma Alves.

"Essa é mais uma tentativa de tentar desqualificar o PT e de continuar a campanha midiática contra o PT e contra o Lula. É assim que eu vejo essa tentativa de comparação. Falsear a realidade e tentar equiparar Lula e Bolsonaro é tentar nublar as trajetória opostas deles".

"Dizer que eles têm os mesmos comportamentos políticos é uma tentativa da chamada terceira via, que tem muita dificuldade de encontrar o seu caminho", finaliza o escritor.

O Brasil de Fato listou, a partir das entrevistas, os principais argumentos utilizados pelos especialistas para contrapor o argumento de que há qualquer similaridade entre os dois.

Leia os 7 fatos:

1) Lula nunca descreditou processo eleitoral; Bolsonaro ataca urnas eletrônicas. Desde o final dos anos 1970, Lula participa como candidato ou como militante do PT de eleições. Em nenhuma delas, questionou o resultado, ameaçou não cumprir decisões da Justiça Eleitoral ou descreditou a confiabilidade do processo eleitoral. Nos últimos anos, Bolsonaro se notabilizou pelo ataque às urnas e à democracia. Ele é investigado pela Justiça por ataques promovidos contra o processo democrático brasileiro.

2) Lula nunca defendeu a Ditadura Militar; Bolsonaro é apoiador confesso do regime. Lula chegou a ser preso nos últimos anos da Ditadura Militar, em função de sua atuação sindical na região do ABC, na Grande São Paulo. Bolsonaro é apoiador confesso da tortura e de outras violências praticadas pelos militares no país de 1964 a 1985. Em seu voto pelo impeachment de Dilma, homenageou o torturador Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra.

3) Lula sempre cumpriu decisões judiciais; Bolsonaro desafia o Poder Judiciário. No auge da Operação Lava Jato, quando foi alvo de condução coercitiva, em 2017, e depois preso, em 2018, Lula cumpriu as decisões judiciais. Recusou convites para se asilar em embaixadas ou sair do país. Todos os seus questionamentos se deram em forma de recursos e dentro do devido processo legal. Bolsonaro tem postura repetida de ataques ao STF e ao Poder Judiciário.

4) Lula ampliou a participação social; Bolsonaro extinguiu conselhos populares. Em seu governo, Lula criou dezenas de conselhos e órgãos de representação da sociedade civil para elaboração de políticas públicas. A política é valorizada por organismos internacionais por incentivar a participação cidadã. Em um dos primeiros atos como presidente, Bolsonaro assinou um decreto na tentativa de extinguir os mecanismos de atuação e controle da sociedade no Poder Executivo.

5) Lula criou mecanismos de transparência; Bolsonaro aposta no sigilo. Os governos petistas tiveram grandes avanços em termos de transparência pública, com a criação do Portal da Transparência no governo Lula e a promulgação da Lei de Acesso à Informação (LAI) no governo Dilma. Já o governo Bolsonaro tem classificado uma quantidade cada vez maior de documentos públicos como sigilosos e precarizado o atendimento a pedidos de acesso via LAI e solicitações na Ouvidoria.

6) Lula nunca tentou politizar forças de segurança pública; Bolsonaro incita policiais. A relação de Lula com as forças policiais a nível federal e estadual sempre foi desprovida de teor político. O governo Bolsonaro tem forte relação com policiais miliares e agentes das Forças Armadas, tendo sido o recordista da nomeação de agentes de segurança pública em cargos comissionados no Executivo federal. Nas manifestações de 7 de setembro, o presidente celebrou o apoio de agentes fardados compartilnhando vídeo nas redes sociais.

7) Lula fez políticas populares de transferência de renda; Bolsonaro fez políticas populistas. A criação do Fome Zero e do Bolsa Família foi marcada pela importante redução da pobreza e da desiguladade no país. A extinção do Bolsa Família e sua substituição pelo Auxílio Brasil, que tem o prazo de execução apenas até o fim de 2022, tem viés eleitoral e pode ser enquadrado como populista.

Edição: Leandro Melito