Tempo de Reflexão

Suplicy, 80 anos: a busca de sintonia na vida e na política, com respostas ao vento

Vereador e ex-senador lança o primeiro volume da autobiografia neste sábado (11), em São Paulo

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Em 2019, na avenida Paulista: ato em defesa da educação - Divulgação

Durante a pandemia, o vereador paulistano Eduardo Suplicy, 80 anos completados em junho, resguardou-se. Em termos. Participou de 730 lives, transmitidas para 170 municípios, incluindo 10 países além do Brasil. O tema principal sempre esteve ligado a uma palavra chave, cidadania, citada 75 vezes nas 272 páginas de Um jeito de fazer política, primeiro volume de sua autobiografia, que ele lança neste sábado (11), a partir das 12h, na praça Dom José Gaspar, região central de São Paulo.

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Publicado pela editora Contracorrente, o livro traz dois prefácios, que de certa forma sintetizam interesses do político antes e ao longo de seus 44 anos de vida pública, como vereador, deputado estadual e federal e senador, além de secretário municipal de Direitos Humanos. Os textos são assinados pelo rapper Mano Brown e pelo teólogo e escritor Leonardo Boff. O ponto de vista da periferia e o olhar global se encontram.

Ele é e parece ser

O músico ressalta a presença permanente de Suplicy na periferia, em todos os momentos, não apenas em períodos eleitorais. “A gente sabe que fazer o certo é obrigação, mas no Brasil a obrigação é muito maleável. (…) O Suplicy é e parece ser, e a periferia se agrada disso. De ele parecer ser e realmente ser.” Entre várias passagens, Brown lembrou de quando, ainda senador, o petista leu na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania a letra de Um homem na estrada, dos Racionais. Já Boff definiu Suplicy como uma flor que brotou no ambiente “obscuro e tenebroso” da política.

Sua paixão pelo boxe, que praticou durante anos – há uma foto dele estreando no campeonato paulista em 1962 –, rendeu ao menos um episódio curioso. Em 1981, ele foi ao tradicional Tuca, o Teatro da Universidade Católica, na zona oeste de São Paulo, para uma apresentação musical que começaria com a cantora Joan Baez. Ao chegar, encontrou um amigo e ex-treinador de boxe – que era agente da Polícia Federal. Ele reforçou que o show estava proibido. Joan Baez subiu ao palco para explicar o ocorrido à plateia que lotava o teatro e depois se misturou ao público. Lá, de repente, começou a cantar Blowin’ in the Wind, de Bob Dylan. Prosseguiu com Imagine, de John Lennon. As 1.500 pessoas presentes reagiram com Pra não dizer que não falei de flores, de Geraldo Vandré.

Renda Básica de Cidadania

Ao longo dos anos, Suplicy, além de sua Renda Básica de Cidadania, também passou a ser identificado por cantar algumas dessas músicas, especialmente a de Bob Dylan (que conheceu pessoalmente em 2012). Ele conta ainda várias histórias relacionadas à cultura, como a resistência do Teatro Oficina, alvo de especulação imobiliária. É frequentador desde as origens do Oficina, ainda nos anos 1950. Chegou a intermediar uma “reunião conciliatória” entre José Celso Martinez Corrêa, diretor e alma do teatro, e o empresário e apresentador Silvio Santos, em 2004, com a presença de seu filho Supla. Ele tem três filhos: Eduardo (Supla), André e João, do casamento com Marta, três netas e quatro netos.

Atlético e com boa envergadura (tem 1,83 metro), Suplicy sempre gostou de praticar esportes, além do boxe, como corrida e natação. Isso deve tê-lo ajudado quando, em 2003, teve o celular levado por um rapaz, perto do parque do Ibirapuera. Correu atrás dele e conseguiu alcançá-lo. Conseguiu o aparelho de volta, não registrou ocorrência e ainda lhe deu um exemplar do livro que escreveu sobre a renda básica, seu apaixonado projeto de vida.


Com Joan Baez, em 1981: impedida de cantar no Tuca / Divulgação

Períodos históricos

Outra passagem curiosa aconteceu em Brasília, quando um policial atiçou o cachorro contra ele, que escapou da mordida, mas teve a calça rasgada. O então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, adversário político, providenciou um corte novo. Para outro presidente da Casa, José Sarney, no entanto, Suplicy pediu o afastamento exibindo um cartão vermelho.

As memórias de Suplicy perpassam períodos históricos recentes, a difícil transição democrática brasileira e sua relação com os movimentos. Há capítulos dedicados à CUT, ao MST, favelas, a lideranças populares, cooperativas, Casa de Detenção, comunidade LGBT, ocupações, cracolândia.

Não se furta a comentar como se deu o polêmico episódio da sunga vermelha, que a pedido da apresentadora Sabrina Sato vestiu sobre o terno, no Senado, em 2009. Também fala sobre o episódio controverso do ativista italiano Cesare Battisti, que acabou extraditado para o país europeu. “O que posso asseverar é que agi com total boa-fé em cada passo”, diz no livro, rico em imagens.

Trajetória

São 101 fotos, várias inéditas. Aos 5 anos de idade, no banco escolar, aprovado no curso de Administração de Empresas (em 1960), golpeando em competição de boxe, ajudando a livrar Brown da prisão, com índios, em palcos, na comunidade do Pinheirinho, no Pontal do Paranapanema, com moradores de rua, com a família, no Quênia, nas Caravanas da Cidadania de Lula. A jornalista Mônica Dallari, sua ex-companheira, responde pelo projeto, pesquisa e texto, com edição do também jornalista Jorge Félix.

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Suplicy fala ainda de vinhos (brasileiros) e paçoquinha. E conta como foi treinar expressão verbal com o conhecido Reinaldo Polito. Na primeira aula, o professor pediu que ele explicasse o programa de renda mínima em três minutos. O aluno não foi exatamente disciplinado: a primeira fala levou 48 minutos. Mas foi se esforçando até chegar ao tempo desejado.

Polito treinou Suplicy para duas ocasiões em especial: uma peça teatral com jovens de Heliópolis e em encontro nacional do PT em 2002, quando se apresentou como pré-candidato à Presidência da República, concorrendo com o próprio Lula e sabendo que isso provocaria “certo desconforto” interno. Em seu segundo ano de governo, em 2004, o petista assinou a Lei 10.835, criando justamente a renda básica de cidadania.