A repressão a movimentos populares enquanto esteve no comando do Ministério da Justiça é um dos assuntos mais sensíveis sobre o qual o advogado-geral da União, André Mendonça, vai ter que dar explicações em sabatina no Senado que vai avaliar sua indicação ao STF (Supremo Tribunal Federal) pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A sessão no Legislativo foi anunciada para a semana que vem pelo presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A entrada do tema em pauta demorou quatro meses, um recorde na história brasileira. O senador "segurou" o agendamento da sabatina em função de disputa política que trava com Bolsonaro.
Mendonça representa a indicação de um nome "terrivelmente evangélico" para a Suprema Corte, conforme prometido pelo próprio presidente da República, na vaga deixada pela aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello.
Em novembro do ano passado, o primeiro ministro apontado por Bolsonaro tomou posse no STF, o então juiz federal Kássio Nunes Marques.
Depois de sabatinado e de ter o nome votado pela CCJ, a indicação segue para o plenário da Casa, onde é submetido à aprovação dos 81 senadores em votação secreta.
Para ser confirmado, nessa etapa, são necessários, pelo menos 41 votos favoráveis. O Senado pode vetar a nomeação, mas o expediente é raro. Foi adotado apenas cinco vezes, todas elas em 1894, no governo de Floriano Peixoto.
Entre os diversos argumentos apresentados pela oposição para contestar a escolha de Mendonça foi sua postura diante de movimentos populares, organizações e ativistas.
À frente do Ministério da Justiça, protagonizou casos que foram duramente questionados por apontarem um autoritarismo na relação com atores da sociedade civil.
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Como forma de protesto contra a indicação de Mendonça, em junho, um grupo de 130 organizações entregou uma carta a senadores em apoio à candidatura da jurista Soraia Mendes ao cargo de ministra do STF. Entre os signatários, estão o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), o MNU (Movimento Negro Unificado) e a CUT (Central Única dos Trabalhadores).
O caso da Força Nacional contra o MST
Mendonça ganhou protagonismo nos ataques do governo Bolsonaro ao MST após o envio de tropas da Força Nacional para uma região com concentração de assentamentos do grupo na Bahia, em gesto criticado por diversas autoridades.
O ministrou autorizou a atuação dos agentes no município do Prado, zona de atuação do MST. A localidade sedia, por exemplo, o assentamento Rosa do Prado, que reúne 265 famílias.
A suspeita da organização é de que a atuação dos agentes na área teve relação com um ataque político a outro assentamento, Jacy Rocha, a cerca de 50 km dali, que concentra outras 223 famílias do MST. A decisão de Mendonça recebeu duros protestos e contou com reação do governador da Bahia, Rui Costa (PT), que se disse surpreso com a iniciativa.
“A legislação é muito clara ao dizer que a Força Nacional não é uma força federal . É uma força de cooperação dos entes federados, e a lei estabelece que ela só pode ser usada por chamamento, concordância e anuência do estado. Sequer o estado foi informado”, criticou o mandatário, afirmando que a medida teria ocorrido “completamente à margem da lei”.
Dossiê sobre antifascistas
Também no comando do Ministério da Justiça, Mendonça foi alvo de medida cautelar do STF que proibiu a produção de informações sobre a vida pessoal, escolhas pessoais e políticas e práticas cívicas de cidadãos e de servidores públicos federais, estaduais ou municipais identificados como integrantes do movimento político antifascista.
A ação, de autoria do partido Rede Sustentabilidade, foi motivada por um “dossiê” do governo com informações pessoais de 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários.
Nos arquivos, compartilhados com outros órgãos públicos, há nomes, fotos e endereços de redes sociais de opositores do governo.
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Relatora do caso, a ministra Cármen Lúcia manifestou-se duramente contra os relatórios, reforçando que “o Estado não pode ser infrator, menos ainda em afronta a direitos fundamentais, que é sua função garantir e proteger”. Ela considerou que a prática fere o legítimo direito de manifestação e votou pela suspensão dos dossiês.
Oito dos 10 ministros acompanharam o voto da relatora. O ministro Alexandre de Moraes disse que a função dos serviços de inteligência é trabalhar com fatos, não com informações pessoais sobre escolhas pessoais ou políticas. Ele chamou o dossiê de “fofocaiada”.
“A legislação autoriza, dentro dos fatos, que se identifique pessoas, mas não bisbilhotar e supor se essas pessoas, principalmente servidores públicos, são a favor ou contra o governo, são a favor ou contra essa ideologia ou outra. Isso é grave. Como foi feita, estava mais para fofocaiada do que para um relatório de inteligência”, aludiu Moraes.
O ministro Luis Roberto Barroso, por sua vez, comparou a produção do relatório à atuação dos órgãos de repressão da ditadura civil-militar. Com ironia, observou que “talvez” fossem os fascistas que representassem algum tipo de risco à democracia.
Já o ministro Luiz Fux avaliou que, ao produzir o dossiê, o governo adotou uma atitude “intimidadora” para difundir a “cultura do medo”. “Uma investigação enviesada, que escolhe pessoas para investigar, revela uma inegável finalidade intimidadora do órgão de investigação, inibe servidores públicos e professores e difunde a cultura do medo”, afirmou.
Alcolumbre explica demora
Logo no início da reunião da CCJ desta quarta-feira em que anunciou a sabatina para a próxima semana, Alcolumbre fez um desabafo e rebateu críticas sobre demora em marcar a sabatina de Mendonça. O senador ressaltou que, como presidente, tem a prerrogativa de elaborar a pauta do colegiado.
“Tenho sido, em alguns momentos, aqui na presidência e pela imprensa, criticado pela não deliberação pela comissão, e quero falar uma coisa para vossas excelências: o próprio STF decidiu a prerrogativa de cada instituição do Senado Federal. Quando questionado sobre prazos, sobre deliberação, ainda bem, o Judiciário brasileiro definiu a independência e a prerrogativa de cada instituição”, disse.
Ainda bem que o Judiciário brasileiro definiu a independência e a prerrogativa de cada instituição. Então, cabe, está claro, a todos os presidentes de comissões, que cabe ao presidente fazer a pauta porque, se não fosse assim, para reflexão, o Senado Federal poderia fazer as pautas do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais regionais. Cada um faz sua pauta", declarou.
Edição: Leandro Melito