"Novembrismo"

Pautas sobre racismo "bombam" no mês da Consciência Negra, mas manchetes somem depois da data

Abordagem do tema cresceu na última década, mas ainda não faz parte da cobertura cotidiana das redações

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Manifestações de novembro: matérias sobre o tema triplicam no período, mas no resto do ano debate é deixado em segundo plano - ©Mateus Quevedo

Entre os anos de 2010 e 2020, a imprensa brasileira ampliou a cobertura do tema racismo estrutural, mas esse crescimento não significou a inserção do debate na cobertura diária. Em novembro, mês da Consciência Negra, as matérias sobre o assunto triplicam. No resto do ano, mal chegam às manchetes.

As conclusões estão expostas em um artigo da pesquisadora Tainá Freitas Medeiros, do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação da Universidade de São Paulo (USP). No texto, O tema do racismo estrutural no jornalismo digital, ela analisa dez anos de publicações quantitativamente e qualitativamente.

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Usando o Google Notícias, ferramenta de busca que agrega produções jornalísticas, Tainá analisou a ocorrência do reportagens sobre o tema nos últimos dez anos. Das 737 matérias compiladas, mais de 650 foram escritas entre 2017 e 2020. Antes disso, a quantidade de publicações era tímida. O período de 2016 chegou a apenas 30 resultados e o de 2010 contabilizou somente um. 

O avanço considerável foi influenciado pela criação de iniciativas independentes de jornalismo e pela incidência política dos movimentos negros. Ainda assim, as informações da pesquisa permitem concluir que a cobertura não está inserida no jornalismo brasileiro na medida necessária para combater as práticas racistas que estruturam a vida social do país.

Outra observação importante do estudo se refere à concentração de matérias em determinados períodos do ano. O "novembrismo" é o fenômeno mais explícito. O total de produções no mês da consciência negra dos anos analisados chegou a quase 150. Nos outros meses variou entre 25 e 89.

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Segundo o artigo, "esse acúmulo desproporcional nos sugere um padrão de preocupação episódico e circunstancial com o assunto. Esse fenômeno demonstra a necessidade de preenchimento de algumas lacunas na prática jornalística, mas que não estão apenas restritas a elas, refletem o modo como a sociedade brasileira ainda se relaciona com o tema do racismo".

Houve também uma forte concentração de reportagem em junho, influenciada pelos protestos contra o racismo que tomaram conta do mundo após o assassinato do estadunidense George Floyd, asfixiado por um policial.

Apenas 23 veículos, dos 178 avaliados, publicaram dez matérias ou mais sobre o tema no período de 2010 a 2020. Nessa relação aparecem algumas das grandes empresas de comunicação brasileira, mas a maior parte delas não está entre as que mais falaram tocaram no assunto.

A lista é liderada pelo site da revista Carta Capital, com 58 publicações no período e pelo Brasil de Fato, que aparece junto com o jornal Folha de S. Paulo com 28 matérias. Na outra ponta, com apenas dez matérias, estão, por exemplo, as revistas Veja e Época, da Editora Abril e do Sistema Globo, respectivamente. 

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Em 89 das organizações pesquisadas o tema apareceu apenas uma vez ao longo de toda a década. A imensa maioria, 145, se manteve em patamar inferior a cinco matérias no período. A pesquisa lembra que o Brasil tem mais de 3 mil veículos digitais, segundo o Atlas da Notícia de 2020, mas foram localizadas publicações sobre o tema em apenas 178 portais.

Para a análise qualitativa, a autora selecionou 1 texto de cada ano do período até 2017 e 5 produções dos anos seguintes, "o tema predominante dos textos estava ligado à discussão de casos de discriminação flagrante, como por exemplo, campanhas publicitárias, ofensas públicas e falas em programas de televisão cujo caráter explicitamente racista, gerou repercussão em proporções consideráveis" aponta ela no artigo.

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Tainá observou também que, mesmo quando o racismo estrutural foi abordado, houve falta de contextualização, principalmente nos veículos de grande porte. Para ela, o viés pode levar o leitor a entender o racismo como um problema moral e individual e não como uma questão que estrutura a sociedade.

"Nos textos que se dedicavam a repercutir os casos de notório racismo, a discussão em geral adotou um tom de repúdio ao fato ocorrido, entretanto, limitou-se a discutir o problema apenas na sua esfera comportamental, restringindo o fato a um tipo de relação interpessoal. As menções feitas ao caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira, em sua maioria não foram aprofundadas".

A pesquisadora conclui que, mesmo com os avanços em anos mais recentes, "a exploração do tema no jornalismo ainda se mostra de algum modo incipiente e em construção. Para ela,  "é preciso cautela com a impressão deixada por alguns textos de que o racismo é uma fatalidade inevitável, que conduz indivíduos a atitudes discriminatórias, e não avança para uma discussão sobre as condições estruturais, institucionais, sociais e políticas".

Edição: Vivian Virissimo