"nova normalidade"

Venezuela suspende quarentena após 1 ano e meio de restrições pela covid-19

Aumento da vacinação, recuperação econômica e eleições seriam principais fatores para fim do isolamento social

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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Venezuelanos voltaram a ocupar espaços públicos de Caracas após fim da quarentena radical - Michele de Mello / Brasil de Fato

A Venezuela inicia novembro com a suspensão da quarentena em todo o território nacional. O país foi o primeiro a impor restrições de isolamento social devido à pandemia do novo coronavírus, ainda no dia 13 de março de 2020.

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Depois disso o governo chegou a estabelecer o plano 7+7, uma semana de quarentena radical e outra semana flexível e, agora, passa a suspender todo tipo de medida restritiva.

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O aumento da campanha de vacinação seria um dos principais fatores para levantar a quarentena. De acordo com o governo bolivariano, cerca de 50% dos venezuelanos já recebeu pelo menos uma dose da vacina.

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No entanto, os dados fornecidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam que apenas cerca de 30% da população venezuelana foi parcialmente vacinada.

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Até o momento a Venezuela recebeu cerca de 33 milhões de doses das fórmulas russa Sputnik V, chinesas Sinopharm e Sinovac, assim como o imunizante cubano Abdala. Os governos cubano e venezuelano também assinaram acordos para começar a produzir a vacina Abdala na Venezuela a partir de março de 2022.

O país acaba de atravessar a terceira onda de contágios, com a presença da variante Delta, considerada até 50% mais contagiosa que outras cepas do vírus sars-cov2.

Nas últimas 24h foram registrados 715 novos casos e 11 falecidos, somando um total de 407 mil casos e 4.891 falecidos, com mais de 90% de taxa de recuperação, segundo dados oficiais. 

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Nas ruas, a decisão do Executivo divide opiniões. "Pode ser bom para uma coisa e ruim para outra, porque há mais opções para sair, você pode trabalhar mais. Mas também é ruim, porque as condições não são seguras", comenta a dona de casa Neida Piñero.

Já para Yelitza Canizales, servidora do Hospital Universitário de Caracas, a decisão pode gerar problemas no futuro.

"Em janeiro ou final de dezembro já vamos estar todos contagiados, porque não nos cuidamos, andamos feito loucos na rua, comprando, caminhando. Saímos ainda que seja apenas para olhar, porque já estamos cansados da pandemia, mas isso vai nos prejudicar", defende.

"Dá um pouco de medo, porque trabalho na área e vi muitos casos de pessoas que chegam muito graves. E ainda que prestemos atenção, já chegam em condições muito críticas", analisa a enfermeira Marbelys González. 


Para o comércio de rua, as vendas duplicaram na primeira semana após anúncio de fim das medidas de restrição pela covid-19 / Michele de Mello / Brasil de Fato

Já para quem vive do comércio de rua, o fim das restrições pode ser a garantia de um fim de ano farto.

"Realmente temos mais fluidez de clientes, isso ajuda os negócios, já que nas semanas radicais não podíamos estar todos os dias aqui, era mais difícil para vender. Agora com a flexibilização realmente é bom para o negócio", afirma Maximiliano Rojas, que vende cachapas (prato típico venezuelano) no centro de Caracas.

"Somente nessa primeira semana já quase duplicaram as vendas. Esperamos que continue assim para que cada um possa obter seu salário, ainda mais que aí vem as festas de dezembro"

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Economia x Saúde

A reativação da economia seria outro fator que pesou na decisão de suspender a quarentena. Há um mês da reconversão monetária, que implementou a nova moeda, o Bolívar Digital, com seis zeros a menos, o país segue dando sinais de uma lenta, mas constante recuperação.

Nos últimos seis anos, a economia venezuelana encolheu 60% com a redução de 99% da receita do Estado. O país ainda possui cerca de US$ 7 bilhões (cerca de R$ 38,5 bilhões) de ativos públicos bloqueados em contas no exterior, devido às sanções impostas pelos Estados Unidos e União Europeia. 

Apesar de permanecer em recessão, no último trimestre o país teve um crescimento de 9,4%, de acordo com o Observatório Venezuelano de Finanças. Isso se deve ao aumento do preço e de 38% da produção de petróleo entre setembro de 2020 e 2021. 

Segundo levantamento mensal da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), a Venezuela extrai 550 mil barris diários. A promessa do governo é chegar à meta de 1 milhão de barris até o final do ano. 


Dólar estadunidense está presente em 60% das transações comerciais na Venezuela / Michele de Mello / Brasil de Fato

O aumento da circulação do dólar estadunidense no país também teria ajudado a conter a inflação, que há três meses registra índices de apenas um dígito, no entanto o acumulado desde de janeiro de 2021 é de 1.456%.

"Sinceramente eu tinha um pouco de medo com a reconversão. Mas apesar de tudo me dei conta que foi boa, porque as máquinas de cobrança no cartão já não suportavam a quantidade de zeros. Era um problema realmente fazer essa conta de 3 milhões, 900 e algo. Agora tudo custa 1 bolívar, 2 bolívares, 10 bolívares", relata o comerciante Maximiliano Rojas.

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Porém, economistas indicam que é fundamental ativar outros setores da indústria, turismo e comércio para pensar em uma verdadeira estabilidade econômica.

Para quem vive a economia diária, além da reativação de outros setores, a disparidade preços x salários ainda é a maior preocupação.

O salário mínimo na Venezuela não ultrapassa US$ 3 (cerca de R$ 15). Apesar dos programas sociais, o ingresso médio dos venezuelanos ainda é muito inferior ao necessário para cobrir a cesta básica alimentar, estimada em cerca de US$ 300 (cerca de R$ 1.500) para uma família de quatro pessoas.

"O que o governo deve atualizar são os salários, porque nascemos aqui na Venezuela. Estamos na mesma situação. Um kilo de arroz custa 4 bolívares, um de farinha custa igual, ou seja, um dólar. Venezuela está praticamente dolarizada e o salário é pago em bolívares", comenta a auxiliar administrativa, Mirlene Benavides. 


Após decreto de fim da quarentena, todos os comércios estão autorizados a funcionar em toda Venezuela / Michele de Mello / Brasil de Fato

Eleições de novembro

Por fim, o fator político também pesa na decisão. Em três semanas, a Venezuela realizará eleições regionais para escolher 3.082 cargos públicos, entre governadores, deputados estaduais, vereadores e prefeitos. 

Para o governante Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv) a campanaha será decisiva para manter sua hegemonia em 19 dos 23 estados do país e em 90% das prefeituras.

Já a oposição busca medir sua popularidade nas urnas, depois de anos boicotando os processos eleitorais e meio a um desgaste do governo, causando pela crise econômica e problemas na oferta de serviços básicos, como gás, luz e água.

Edição: Leandro Melito