Violência

Mortes, ameaças e invasões: como vive a indígena que discursou na COP26?

Sob governo Bolsonaro, Txai Suruí teve seus pais ameaçados, viu seu amigo ser morto e perdeu familiares para a covid-19

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
"O guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza", relatou a jovem em seu discurso - UN Climate Change/Reprodução

Ao discursar na 26º Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, a ativista indígena Txai Suruí, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, levou o Brasil que o governo Bolsonaro insiste em esconder. 

Do povo Paiter Suruí, a jovem de 24 anos é da Terra Indígena (TI) Sete de Setembro, que fica localizada entre os municípios de Cacoal e Espigão d’Oeste, em Rondônia, e avança até Mato Grosso, no município de Rondolândia.

Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), o território é alvo de garimpeiros e madeireiros. Em julho deste ano, a Polícia Federal realizou uma operação no local de combate ao desmatamento ilegal. Segundo a PF, foram encontrados no local pontos de desmate com árvores derrubadas, uma serraria, rádio comunicadores, motoserras e motos.

Em outubro do ano passado, uma operação do mesmo tipo também localizou pontos de desmate, serraria móvel, tratores, um caminhão carregado de toras, motosserras, rádios comunicadores e motos.

A TI fica próximo à Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a maior do estado de Rondônia, uma das três TIs mais ameaçadas entre fevereiro e abril de 2021, segundo o Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), feito por meio do monitoramento trimestral Ameaça e Pressão do Instituto Imazon. As outras duas foram a TI Trincheira /Bacajá (PA) e a TI Parakanã (PA). Segundo o documento, a ameaça é o risco iminente de ocorrer desmatamento. 

Frente ao avanço das ameaças, que por vezes foram concretizadas, indígenas da região criaram a Equipe de Vigilância Indígena para monitorar a ação de invasores e proteger os limites da reserva. 

Assassinato de Ari Uru-Eu-Wau-Wau 

Para lideranças da região, a criação e atuação da equipe motivou o assassinato de um dos guardiões do território, Ari Uru-Eu-Wau-Wau, lembrado por Txai Suruí em seu discurso na COP26. Ari, com 33 anos, foi encontrado sem vida e com sinais de espancamento na linha 625 de Tarilândia, distrito de Jaru (RO), perto de uma das entradas da Terra Indígena. 

“Enquanto vocês estão fechando os olhos para a realidade, o guardião da floresta Ari Uru-Eu-Wau-Wau, meu amigo de infância, foi assassinado por proteger a natureza. Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática, por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui. Nós temos ideias para adiar o fim do mundo”, afirmou a jovem.  

Em abril deste ano, quando o assassinato completou um ano sem respostas, Txai afirmou que existe “muita gente importante por trás disso que incentiva a invasão de terra” e que “o próprio governo federal deveria ser réu, porque é conivente com o que vem acontecendo. Mais do que conivente: incentiva a invasão dos nossos territórios”, disse ao Brasil de Fato

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“Ari era um defensor da Terra Indígena. Monitorava sua terra através da tecnologia, utilizando drones. Era um guerreiro, um líder, uma pessoa importante para o seu povo. Era também um grande amigo meu.” Até o momento, o caso não foi solucionado pela Polícia Civil. 

Atualmente, Awapy Uru-Eu-Wau-Wau, primo Ari, coordena da Equipe de Vigilância e também sofre com ameaças. “Nosso território pega 13 municípios e temos uma equipe pequena para ficar monitorando tudo. Eu venho sofrendo ameaças de morte por tomar a frente dessa proteção. Sou ameaçado há quatro ou cinco anos”, relata Awapy. 

Família também é alvo de perseguição 

A família da jovem também é alvo de perseguição e ameaças. Sua mãe, Ivaneide Cardozo, conhecida comom Neidinha, chegou a receber ligações com ameaças de mortes devido à sua atuação na denúncia contra invasores da Uru-Eu-Wau-Wau. Dois deles, inclusive, estiveram na sede da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, fundada e liderada por Cardozo. 

A associação atua na vigilência e fiscalização da Terra Indígena Uru-eu-wau-wau e do Parque Nacional de Pacaás Novos, além de prestar assessoria às organizações indígenas, como laudo de impacto ambiental, diagnóstico etnoambiental, avaliação ecológica, etnozoneamento, plano de gestão de terras indígenas, educação ambiental, entre outros projetos. 

O pai de Txai, uma das lideranças indígenas mais críticas ao governo Bolsonaro, Almir Suruí, também se tornou alvo de retaliações. No final de 2020, ele chegou a ser alvo de um pedido de abertura de inquérito do presidente Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva, para investigar “crime de difamação”.

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Segundo o Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena, foram registrados 60.490 casos confirmados, 1.228 óbitos de indígenas e 162 povos afetados, até esta terça-feira (2).

Nesses números estão as duas avós, primos e tios de Txai. Weitãg Suruí, mãe de Almir era, inclusive, uma das poucas de seu povo que nasceram antes do contato com as pessoas brancas, em 1969. 

 

Esta matéria foi atualizada às 14h11, de 3 de outubro de 2021, para corrigir a informação referente ao território do qual Txai Suruí pertence. A reportagem havia escrito que Txai pertence à TI Uru-Eu-Wau-Wau. Na verdade, Txai e sua família pertencem à TI Sete de Setembro e têm relações com os povos da TI Uru-Eu-Wau-Wau.

Edição: Leandro Melito