Luta pela terra

“MST oferece uma possibilidade de solucionar a fome”, diz bispo de Campo Mourão (PR)

Dom Bruno participou da inauguração de capela e Centro de Produção Agroecológica da comunidade Valdair Roque, no Paraná

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Comunidade Valdair Roque, em Campo Mourão (PR), é formada por 70 famílias - Foto: Valmir Fernandes/MST-PR

Na última sexta-feira (22), o acampamento Valdair Roque, localizado em Quinta do Sol (PR), recebeu autoridades religiosas e representantes do Poder Público para a inauguração de dois espaços comunitários: a capela Santa Catarina e o Centro de Produção Agroecológica Pinheiro Machado.

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Dom Bruno Elizeu, Bispo da Diocese de Campo Mourão, participou da celebração e enfatizou o papel da Reforma Agrária para a superação da fome no Brasil. “O Movimento Sem Terra oferece uma possibilidade de solucionar a fome. Se as pessoas Sem Terra que querem, que têm vocação para trabalhar a Terra, tivessem um pedacinho para poder trabalhar, com certeza teria alimento em abundância nas cidades”, afirmou.

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O religioso parabenizou a organização e a forma como as famílias camponesas testemunham a fé e garantem a produção de alimentos. “É um povo de fé, temente a Deus, que tem como único objetivo criar sua família aqui na terra, porque tem vocação para trabalhar na terra, e produzir alimento para sua família e o excedente partilhar com os demais”, completou Dom Bruno.


Acampamento Valdair Roque inaugurou dois espaços comunitários, na sexta (22) / Foto: Valmir Fernandes/MST-PR

A capela Santa Catarina foi construída com recursos e mutirões de trabalho da própria comunidade. Dom Bruno celebrou a missa inaugural ao lado do padre José Carlos Krause, da paróquia do município, e do padre Dirceu Luiz Fumagalli.

O Centro de Produção Agroecológica Pinheiro Machado foi inaugurado no mesmo local em que, no dia 2 junho de 2020, homens armados destruíram lavouras como forma de pressionar pelo despejo das famílias. “Aqui, para nós, é um símbolo de resistência contra as milícias, esse modelo de agricultura que expulsou nosso homem do campo e que nessa nossa luta de retomar a terra, a gente continue enfrentando, libertar essa terra toda das garras do latifúndio. Que isso aqui seja um espaço onde brote leite e mel para saciar a fome do nosso povo”, disse Martina Utemberg, da direção estadual do MST, durante o ato de inauguração do Centro. 

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Martina Utemberg, da direção estadual do MST / Foto: Leandro Taques

O nome é uma homenagem ao Professor Luiz Carlos Pinheiro Machado, que faleceu no mesmo dia em que a lavoura havia sido destruída. Pinheirão, como era chamado, foi grande propagador da agroecologia, defensor das ideias socialistas e crítico do modelo de produção agrícola capitalista.

Reconhecimento

A comunidade Valdair Roque é formada por 70 famílias e fica na antiga Fazenda Santa Catarina, de propriedade da Usina Sabarálcool, que acumula enorme passivo jurídico, com 964 ações trabalhistas somente na Comarca de Campo Mourão.

O descumprimento da função social das relações de trabalho levou o Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a manifestar interesse na área para destinação à Reforma Agrária, conforme prevê a Constituição Federal. Desde 2018, existe uma recomendação do Ministério Público Federal para que o Incra intervenha junto a este conjunto de ações e execuções trabalhistas para adquirir e destinar a área a famílias acampadas.

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Quinta do Sol está entre os pequenos municípios do Paraná, com cerca de cinco mil habitantes. Duas áreas rurais já foram destinadas para assentamentos da Reforma Agrária: Roncador, com 65 famílias, e Marajó, com 58, que faz divisa com Peabirú.

Leonardo Romero, prefeito da cidade, esteve no evento de sexta-feira no Valdair Roque e afirmou ver a luta das famílias “com bons olhos”. “Em nossa cidade, já temos dois assentamentos e vimos que tem dado certo. É segurar a população no campo, gerar alimento para a população”, disse, garantindo que a prefeitura apoia a efetivação de um assentamento na área.


Desde 2018, existe recomendação do Ministério Público Federal para destinar a área a famílias acampadas / Foto: Valmir Fernandes/MST-PR

A prefeitura está seguindo a orientação do Ministério Público para a emissão do Cadastro de Produtores Rurais (CAD-PRO) para as famílias acampadas. A iniciativa atende a uma demanda antiga das famílias Sem Terra.

Também participaram da cerimônia Maurício Kalache, procurador de justiça do Ministério Público, Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Patrimônio Público e à Ordem Tributária, que comentou sobre a emissão do CAD-PRO. “Os acampados, assentados, quando buscam o cadastro junto ao cadastro de contribuinte de ICMS, eles estão se oferecendo para o Estado para recolher tributos, e como é possível uma resistência por tantos anos. Quem dos homens ricos batem à porta do Estado para dizer 'eu quero pagar tributos?' E os trabalhadores e trabalhadoras fizeram esse gesto e não tiveram a porta aberta até recentemente”, apontou. 


Centro de produção foi inaugurado na sexta (22) / Foto: Leandro Taques

Partilha dos frutos da Reforma Agrária

Veranice Marcondes Santos tem 53 anos e vive com a família na comunidade há quatro anos. “Planto batata doce, arroz, feijão, mandioca, quiabo, amendoim, todo tipo de alimento, tudo sem agrotóxico”, contou a camponesa. Desde maio de 2020, a comunidade se organiza para cultivar a Horta Antonio Tavares, voltada à produção para o autossustento e para doações. “É um sentimento bom partilhar [...] tem muitas pessoas na cidade passando necessidade, então se a gente tem um pouco a mais não custa doar”.

Cerca de cinco toneladas de alimentos já foram partilhados pela comunidade desde o início da pandemia. A ação faz parte da campanha nacional do MST em solidariedade a quem enfrenta a fome neste período de pandemia e de crise econômica. No Paraná, mais de 790 toneladas de alimentos já foram doados por famílias do MST desde abril de 2020.

O prefeito da cidade, Leonardo Romero (PSD), reconhece o papel do acampamento no enfrentamento à fome. “A produção de alimentos tem ajudado muito a gente da cidade. Com essa pandemia, temos sofrido muito com a falta de alimentos, pessoas carentes, sem emprego [...]. Muitos alimentos daqui foram para a cidade, de doação. São famílias, crianças, mulheres que hoje estão com a esperança de ter seu lote e trabalhar com dignidade”, garantiu.


Cerca de cinco toneladas de alimentos já foram partilhados pela comunidade desde o início da pandemia / Foto: Valmir Fernandes/MST-PR

A comunidade também participa do Plano Nacional do MST “Plantar Árvores, Produzir Alimentos Saudáveis”. Somente no Dia da Árvore, 19 de setembro, 3.500 mudas de nativas e frutíferas foram plantadas. “A gente tem que reflorestar porque tem muito lugar que tá secando a nascente, ensinar as crianças a preservar a nascente”, reforçou Verônica.

No evento de sexta-feira, também participaram prefeitos de outras cidades da região, representantes de sindicatos e entidades e dos deputados estaduais José Lemos (PT) e Arilson Chiorato (PT). 

 

Fonte: BdF Paraná

Edição: Lia Bianchini