O Ministério da Economia, liderado por Paulo Guedes, sofreu uma debandada na noite da última quinta-feira (21). Quatro integrantes do segundo escalão pediram exoneração: Bruno Funchal, secretário especial do Tesouro e Orçamento; Jeferson Bittencourt, secretário do Tesouro Nacional; Gildenora Dantas, secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento; Rafael Araújo, secretário-adjunto do Tesouro Nacional.
Os pedidos de demissão ocorreram horas após uma declaração de Guedes, sinalizando a intenção do governo Jair Bolsonaro (sem partido) de “ser reformista e popular” e a necessidade de uma “licença” para furar o chamado “Teto de Gastos”.
:: Debandada: quatro secretários pedem exoneração do Ministério da Economia nesta quinta (21) ::
Aprovado pelo Congresso e promulgado em dezembro de 2016, o Teto de Gastos congelou investimentos em áreas sociais por 20 anos, por meio da Emenda Constitucional (EC) 95. Desde então, o aumento dos gastos públicos está limitado à variação da inflação.
Respeitar o Teto era, até a última semana, uma das promessas de Bolsonaro e Guedes ao setor financeiro. A um ano da eleição, em um contexto de aumento dos preços e diminuição da renda média dos brasileiros, o governo mudou sua postura.
“O governo está propondo o tal Auxílio Brasil, uma proposta de substituição do Bolsa Família, no valor de R$ 400. Como o governo não propõe uma fonte de financiamento, isso fura o chamado Teto de Gastos”, explica Leonardo Leite, professor da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o Marxismo (Niep-Marx).
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A reportagem conversou com o economista sobre o contexto que resultou na debandada dos secretários. Na interpretação dele, a EC 95 foi promulgada para abrir caminho a uma série de reformas de caráter liberal. A sinalização de Bolsonaro e Guedes é que essas reformas não são mais prioridade, a menos de um ano da eleição.
“O Teto de Gastos entrou na discussão econômica no governo Temer [MDB]. Ele era basicamente um Cavalo de Troia para instalar as reformas liberais. Ou seja, com o Teto de Gastos, a condução da economia exigiria reformas de redução de gastos de todo tipo: gastos sociais, direitos previdenciários, trabalhistas, reforma administrativas, para ‘adequar’ a máquina pública”, diz.
“O segundo escalão do Ministério da Economia está abandonando o barco porque a possibilidade dessas reformas diminuiu, com a sinalização do fim do Teto de Gastos.”
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A alternativa proposta pelos ex-secretários era custear o Auxílio Brasil tirando dinheiro de trabalhadores que também são atingidos pela crise econômica e pelo aumento do custo de vida.
“O que esses economistas [do segundo escalão] estavam propondo para substituir esse aumento de gastos era cortar o abono salarial para quem ganha até dois salários mínimos. Outra sugestão era congelar as aposentadorias ligadas ao salário mínimo por dois anos. Ou seja, cortar de quem também precisa”, acrescenta Leite, citando informações de bastidores levantadas pelo jornal Valor Econômico.
“Vendo que isso não vai acontecer, eles pularam do barco.”
O economista e professor da UFF finaliza lembrando que, embora tardia, a mudança de postura de Guedes e Bolsonaro sobre o Teto de Gastos é positiva para os trabalhadores.
“Claramente, Bolsonaro está pensando em eleições. Mas essa é uma medida que tem mesmo que ser feita, porque estamos passando por uma crise humanitária”, ressalta.
Bolsonaro aparece em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto para 2022, atrás do ex-presidente Lula (PT).
Para Leonardo Leite, o perfil dos secretários que assumirão os cargos no Ministério será uma sinalização importante da política que o atual governo pretende adotar até as eleições.
O Brasil tem mais de 14 milhões de desempregados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme dados do grupo de pesquisa Alimento para Justiça: Poder, Política e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia, com sede na Freie Universität Berlin, na Alemanha, 125,6 milhões de brasileiros sofreram com insegurança alimentar durante a pandemia. O número equivale a 59,3% da população do país.
Edição: Vivian Virissimo