O Projeto Meninos e Meninas de Rua, que completa 38 anos em 2021, corre o risco de ser despejado a qualquer momento da rua Jurubatuba, no centro de São Bernardo do Campo, onde atua desde 1989.
Movimentos sociais, parlamentares, lideranças da periferia e sindicatos têm manifestado apoio e cobrado diálogo do prefeito Orlando Morando (PSDB) contra a ordem de despejo. Um abaixo-assinado na internet conta com 82.284 adesões em apoio à permanência da ONG na região.
Em nota, a prefeitura afirma que a área onde encontra-se instalado o projeto “será adaptada e utilizada pela Secretaria de Assistência Social para implantação de serviços correlatos à Pasta”.
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Como organização não-governamental, o Projeto Meninos e Meninas de Rua atua na luta pela garantia do direito de crianças e de adolescentes. São inúmeras as histórias de famílias que foram atendidas ao longo de quase quatro décadas.
De acordo com a coordenadora do projeto, Néia Bueno, 350 famílias ficarão desamparadas caso o despejo aconteça.
“Em todos esses anos, o projeto atuou na implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] e ajudou na criação dos conselhos de direito e tutelares no município. Somos reconhecidos por nossa atuação nacionalmente e internacionalmente”, afirma.
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Néia, que atua na ONG desde 1996, relata que a prefeitura foi procurada nos últimos meses. Segundo ela, apenas técnicos da Secretaria de Assistência Social fizeram triagem da demanda apresentada por representantes do projeto, mas não houve avanço.
“Ao contrário do que o governo municipal vem dizendo, não houve nenhuma conversa formal com o prefeito. É por isso que avaliamos ser uma perseguição política e ideológica da prefeitura. A política é o ato de dialogar, mas o prefeito não apresenta disposição a isso, sem falar que não podemos negar o fato de que a nossa sede está instalada em um local privilegiado com olhar atento da especulação imobiliária”, completa.
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"Promover o despejo significa atacar os direitos humanos”, avalia o secretário de Comunicação do Sindicato dos Bancários do ABC, Belmiro Moreira. Segundo ele, é preciso que as entidades comprometidas com os direitos das crianças e dos adolescentes se somem à resistência desse projeto que não beneficia apenas São Bernardo, mas se estende a diferentes regiões.
Ordem de despejo
Em 2019, a prefeitura, na gestão de Orlando Morando (PSDB), retirou a permissão de uso precário (sem estabilidade garantida, a depender da decisão do prefeito). Os coordenadores do projeto não receberam comunicado sobre a medida. Souberam da decisão por meio do Diário Oficial do município.
Em outubro de 2020, receberam uma primeira notificação de ordem de despejo, suspendida posteriormente pela juíza Ida Inês Del Cid, que decidiu pela manutenção da sede até o fim da pandemia.
Mas, por surpresa dos coordenadores do projeto, ainda na pandemia, uma nova notificação foi entregue por um funcionário da prefeitura no dia 1º de outubro de 2021, com prazo de 15 dias para o despejo.
“Existe uma mobilização ampla contra a ordem de despejo envolvendo entidades e movimentos sociais. Na verdade, estamos tentando uma conversa desde abril deste ano, mas tivemos como resposta que ele irá se manifestar apenas nos autos do processo”, segundo e-mail enviado pelo Executivo, que a reportagem teve acesso.
Crise sanitária
Na pandemia, o projeto ampliou seu trabalho e realizou parceria com a Coalizão Negra por Direitos, Sefras e os sindicatos dos bancários, químicos, metalúrgicos, servidores municipais, entre outras entidades.
Ao promover ações em conjunto a campanha “Tem Gente com Fome, Dá de Comer”, o Projeto Meninos e Meninas de Rua tem atendido mensalmente 350 famílias.
“Estamos falando de famílias que moram na periferia, em sua maioria negras. São pessoas que trabalhavam como domésticas, como guardadores de carro ou vendedores de balas nos semáforos e que, na pandemia, ficaram desempregadas. Estamos diante do Brasil com fome, com famílias que têm batido de porta em porta atrás de alimentos”, relata.
Em nota, a Prefeitura de São Bernardo afirma que a ONG Meninos e Meninas de Rua “está impedida de celebrar convênios ou contratos com qualquer ente público no âmbito do Estado de São Paulo, por determinação do TCE/SP [Tribunal de Contas do Estado de São Paulo], por não cumprir corretamente convênios junto à antiga Fundação Criança da cidade e à Prefeitura de Santo André. Além disso, a entidade responde por processos em razão de dívidas não saldadas com a Administração, impedindo legalmente o município de celebrar qualquer parceria com a entidade, incluindo permissões de uso de próprios municipais”.
Questionada sobre as negativas de diálogo do prefeito, enviadas por e-mail à ONG nos últimos meses, a prefeitura disse que foram realizadas reuniões entre 2018 e 2020, mas, “diante das restrições, não há condições de celebração de qualquer convênio.”.
Edição: Leandro Melito