A CPI da Covid teve uma sessão extraordinária de depoimentos na segunda-feira (18) destinada a ouvir vítimas dos impactos da pandemia. Em relatos marcados por tristezas e luto, os depoentes responsabilizaram o presidente Jair Bolsonaro pela demora na vacinação, pela circulação de mentiras e desinformação e, principalmente, pela morte de familiares e amigos.
O primeiro depoente do dia foi Antônio Carlos Costa, fundador da ONG Rio de Paz. Ele destacou a negligência do governo Bolsonaro, a falta de políticas públicas no controle e combate à covid-19, a crise econômica e o aumento de desemprego do país. Ele frisou que pessoas morreram por “desinformação e falta de vacina, oxigênio a atendimento médico”.
“Incompetência, descaso e irresponsabilidade fizeram o Brasil se tornar o segundo país com maior número de mortes na pandemia. O que vimos foi a antítese do que se esperava de um presidente da República. Jamais o vimos derramar lágrimas de compaixão ou expressar enorme pesar pelo povo brasileiro. Nenhuma palavra de direção ou encorajamento às milhões de famílias implodidas pela crise múltipla”, afirmou.
Costa prosseguiu lembrando que Bolsonaro minimizou o poder letal do vírus, promoveu aglomerações, xingou jornalistas e debochou da dor dos que perderam familiares durante a crise sanitária causada pela covid-19.
“Para nossas perplexidade e revolta, ele apoiou manifestações antidemocráticas, chamou o povo de “marica”, fez deboche com aqueles que sofreram com a falta de ar, insuflou golpe militar, prescreveu remédio sem eficácia, combateu uso de máscara, trivializou o poder letal do vírus. Em dias de morte, doença, fome e luto, ele se dedicou a defender seu mandato e garantir sua reeleição. É uma impressionante falta de empatia”, finalizou.
Órfãos da covid-19
Em um depoimento que emocionou os senadores, Katia dos Santos, relatou à CPI da Covid a morte do pai e da mãe pela infecção. Durante seu relato, Katia explicou que, a uma semana de se vacinar, em março deste ano, o pai testou positivo para o coronavírus, indo a óbito alguns dias depois em hospital público.
Chorando, a depoente também contou que, pelo excesso de mortos vitimados pela covid-19 no necrotério, sua irmã teve de ajudar os servidores do local a localizar o corpo de seu pai para reconhecimento e liberação. Ela também denunciou que sua mãe, também morta pela covid-19, era cliente da Prevent Senior e foi cobaia do “kit covid”.
“Ela recebeu o ‘kit covid’ após uma consulta de telemedicina, e nós usamos, acreditando no médico que enviou. Os medicamentos não ajudaram, levamos ela ao hospital e viram que o pulmão dela estava 50% comprometido. Porém, o hospital estava cheio e só durante a madrugada conseguimos a transferência para outra unidade. Naquele mesmo dia, meu pai faleceu e nem conseguimos mais processar o luto. Dias depois, minha mãe nos deixou também”, disse.
Sangue nas mãos
Katia também culpa Bolsonaro pelas perdas e criticou a postura do presidente ao debochar das vítimas. “Por isso, quando vemos um presidente da República imitando uma pessoa com falta de ar é muito doloroso. Se ele tivesse ideia do mal que faz para toda a nação, jamais faria isso. A dor é grande, mas a vontade de justiça é maior. Não são só números, são pessoas que tiveram a vida encerrada pela negligência. O sangue dessas vítimas está nas mãos daqueles que subestimaram o vírus”, criticou Katia.
Outra depoente à CPI da Covid nesta segunda-feira, Giovanna Gomes da Silva, de 19 anos, contou que a doença também a deixou órfã de pai e mãe agora vai ter a guarda da irmã, de 11 anos. “Quando meus pais morreram, eu me apoiei na minha irmã e ela se apoiou em mim. Assumi esse desafio por amor a ela. Hoje temos mais de 600 mil vítimas, e são 120 mil órfãos. O governo tem responsabilidade nessas vidas perdidas”, disse Giovanna, com a voz embargada.
Sequelas eternas
O servidor público Arquivaldo Leão Leite relatou aos senadores que a covid-19 lhe deixou sequelas graves: sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) e perdeu a audição de um dos ouvidos, como consequência da infecção. Além disso, ele também perdeu um irmão para o coronavírus.
Hoje, ele coordena uma associação de vítimas da doença. “Tive um derrame que prejudicou meu corpo. Não consigo mais andar sozinho, me desequilibro. Eu perdi a audição de um ouvido e tenho muito cansaço”, relatou. “Fomos hostilizados por setores da sociedade, liderados pelo presidente, por conta do respeito ao isolamento social. Está confirmado que o Bolsonaro provocou um genocídio ao atrasar as vacinas”, acrescentou.
Em seu testemunho, Mayra Pires Lima, enfermeira de Manaus, contou que, após a morte da irmã por covid-19, passou a cuidar dos quatro sobrinhos pequenos, sendo um casal de gêmeos. Ela aproveitou sua fala para cobrar a valorização de enfermeiros e técnicos em enfermagem. “Não precisamos de tapinhas nas costas. Precisamos de valorização. Falar que nós somos heróis é fácil, mostrar através de atos é que é difícil.”
Vidas abreviadas
Por sua vez, Rosane dos Santos Brandão também fez um testemunho de acusação ao governo Bolsonaro, em razão da morte do marido, que era servidor da Universidade Federal de Pelotas-RS. Sem hesitar, ela afirmou que o companheiro “teve a vida abreviada por uma política genocida”.
“A vacina chegou tardiamente e a conta-gotas. Há várias maneiras de o Estado matar o povo e a falta de política pública é uma delas. Há pessoas que deveriam estar entre nós, se não fossem as escolhas deste governo”, criticou.
Rosane também fez um apelo aos senadores da CPI da Covid e criticou parlamentares que ostentam, em suas mesas, placas que celebram os “curados” da covid-19.
“Vocês precisam de coragem, não fiquem ombreando com fascistas e canalhas, colocando um ‘ponto final’ no genocídio. Honrem nossos mortos, diferente do que fez o presidente da República. Há placas com números de mortos aqui na CPI, mas também tem quem comemore o número de sobreviventes. É como comemorar os que não morreram no Holocausto”, finalizou.