Luta por Igualdade

Artigo | Um balanço da Reforma Política para as mulheres: avançamos ou retrocedemos?

Esperamos que o Brasil deixe de ser o país com a menor representação feminina no parlamento na América do Sul

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Conquistas do ano: a flexibilização das cotas de candidaturas e financiamento para mulheres caíram, enquanto que incentivos à eleição de mais mulheres e negros foram aprovados
Conquistas do ano: a flexibilização das cotas de candidaturas e financiamento para mulheres caíram, enquanto que incentivos à eleição de mais mulheres e negros foram aprovados - Caio Dias Couto / Mídia NINJA

Das muitas incertezas que permeiam a política brasileira, mudanças na legislação eleitoral em ano anterior às eleições não fazem parte do rol de imprevisibilidades que nos aflige. No Brasil, já é praxe: ano pré-eleitoral é ano de reforma política, e 2021, apesar de tudo, não foi diferente.

Em plena pandemia, com tantas atividades suspensas na sociedade civil, tentou-se aprovar no Congresso a maior reforma político-eleitoral desde a redemocratização.

A reforma contemplava Propostas de Emenda à Constituição, Projetos de Lei e um novo Código Eleitoral contendo quase 900  artigos que, entre outros pontos de preocupação, prejudicava também as mulheres e grupos minorizados.

Simone de Beauvoir já dizia que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados, já que esses não são permanentes e devemos nos manter vigilantes

Dentre vários retrocessos, a reforma legalizava o financiamento de candidaturas masculinas com recursos financeiros das candidaturas de mulheres, flexibilizava a cota de candidaturas femininas e dificultava imensamente a fiscalização das milionárias contas partidárias. Felizmente, o Senado freou parte considerável da reforma ao não pautar o novo Código Eleitoral, que fora aprovado na Câmara dos Deputados.

Outros pontos problemáticos que caíram no decorrer da tramitação foram a volta das coligações proporcionais e a instituição do “Distritão”, este considerado o pior sistema eleitoral por cientistas políticos. O sistema, devido aos altíssimos custos de campanha, estimula a corrupção e favorece candidatos com mais recursos financeiros, dificultando, consequentemente, a representatividade de mulheres e outras minorias já sub-representadas e subfinanciadas. 

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Por outro lado, foi aprovada na reforma a contagem em dobro dos votos dados a mulheres e negros para fins de distribuição dos Fundos Partidário e Eleitoral entre os partidos. Ou seja,  legendas com mais mulheres e negros eleitos receberão mais recursos financeiros.

Dessa forma, a medida altera o cálculo estratégico das lideranças partidárias, que passam a ter um forte estímulo para de fato apoiar, financiar e construir candidaturas competitivas de mulheres  e pessoas negras. A nova regra, juntamente com a estabelecida pelo TSE em 2014 de garantir ao menos 30% dos Fundos de campanha para candidaturas femininas, possivelmente acarretará em mais candidatas eleitas no próximo ano. 

Vale lembrar que desde 1995 o Brasil discute impulsionar mulheres na política, e apenas na última eleição algum progresso significativo foi alcançado na representação feminina no Congresso. Em 2018, foram eleitas 77 mulheres para a Câmara dos Deputados (15%), um avanço em relação à eleição de 2014, quando 51 mulheres foram eleitas deputadas (10%). O percentual ainda é baixíssimo e nos coloca na vergonhosa 141ª posição no ranking de representatividade feminina no parlamento, dentre 193 países. 

Para valer já nas eleições de 2022, os projetos deveriam ser transformados em lei até o dia 02 de outubro. Entretanto, é fato que seria necessário mais tempo e debate com a sociedade civil para realizar mudanças profundas na legislação eleitoral. Seria inconcebível que a maior reforma política dos últimos 30 anos fosse realizada às pressas, em um ano tão atípico, em que a prioridade deveria ser pautar projetos de recuperação econômica e social pós-pandemia.

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Pelo menos, ao final dessa, o saldo foi positivo: mudanças abruptas e retrocessos como o distritão e a flexibilização das cotas de candidaturas e financiamento para mulheres caíram, enquanto que incentivos à eleição de mais mulheres e negros foram aprovados.

Esperamos que, como resultado, o Brasil saia das eleições de 2022 com um Congresso mais diverso e que deixemos de ser o país com menor representação de mulheres no parlamento da América do Sul.

Afinal, ter mais mulheres ocupando espaços de poder é fundamental para a plena emancipação feminina. Parafraseando Mary Wollstonecraft, uma das fundadoras do feminismo, a questão não é sobre as mulheres terem poder sobre os homens, mas sim sobre si mesmas.

Carolina Martinelli é mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Oxford e Bacharela e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Voluntária em Advocacy do Instituto Vamos Juntas.

Larissa Alfino é diretora de Projetos no Instituto Vamos Juntas, graduada em Comunicação Social pela Faculdade Cásper Líbero e embaixadora do One Young World. 

Instituto Vamos Juntas: rede suprapartidária e de alcance nacional que luta pelo fim da desigualdade de gênero na política, impulsionando candidaturas femininas e mobilizando a sociedade em prol da causa.

Edição: Vinícius Segalla