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EUA vivem tragédia ecológica com 470 mil litros de petróleo derramados na Califórnia

Plataforma na cidade de Huntington Beach vazou e o combustível atingiu águas, animais e criou "sopa tóxica no ar"

Los Angeles (EUA) |

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Águas de Huntigton Beach, na Califórnia, após receber 470 mil litros de óleo de plataforma que vazou - AFP

Era de se esperar que um país que tivesse um quarto de sua infraestrutura crítica ameaçada por conta das mudanças climáticas tivesse urgência em resolver questões ambientais, mas, em vez disso, os Estados Unidos acumulam mais um desastre à sua extensa lista de maior poluidor histórico do mundo.

Dessa vez, a tragédia nada natural aconteceu na badalada praia de Huntigton Beach, no estado da Califórnia, onde um vazamento despejou mais de 470 mil litros de petróleo no mar do Oceano Pacífico. A prefeita local classificou o ocorrido como uma "catástrofe ambiental", e especialistas não veem exagero nisso.

Em conversa com o Brasil de Fato, a ativista Laura Deehan, Diretora Estadual da ONG Environment California, disse que o despejo do óleo é uma sentença de morte imediata aos peixes da região, mas que não é só a vida marinha a prejudicada. "O petróleo basicamente destrói a penagem dos pássaros que vivem nesse ecossistema, deixando-os vulneráveis ao frio", afirma, "mas muitos dos sintomas só são sentidos semanas ou meses depois do acidente". 

Ainda segundo Deehan, vazamentos como esse também são extremamente danosos para seres humanos. "Além de as pessoas não poderem nadar, surfar ou curtir o dia na praia, o ar se torna uma espécie de sopa tóxica, contaminando até quem vive em lugares mais afastados da costa. É muito, muito grave esse tipo de tragédia".

A situação fica ainda mais complicada à medida que as investigações são conduzidas. "Há motivos para suspeitarmos que esse despejamento de petróleo esteja acontecendo há tempos, e o vazamento do dia 2 de outubro foi apenas o noticiado", explica Brettny Hardy, advogada ambientalista da Earthjustice.

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À reportagem do Brasil de Fato, Hardy explica que as autoridades responsáveis pela fiscalização das plataformas não têm aparato para validar a infraestrutura subaquática, e que confiam essa responsabilidade às empresas operantes da plataforma. "O que essa agência faz é basicamente sobrevoar, de vez em quando, a região e ver se a água tem um brilho diferente, que indicaria um vazamento", afirma, "essa operação não é nada eficaz; nossa fiscalização é muito falha". 

Monitorar a estrutura dessas plataformas é fundamental, sobretudo porque muitas delas foram instaladas há 40 anos atrás ou mais. Só na Califórnia, 23 plataformas de gás e petróleo estão em operação — o número certamente seria maior, se o estado não tivesse proibido novas perfurações em 1969, quando um grande despejamento de petróleo aconteceu em Santa Bárbara.


As praias atingidas pelo vazamento receberam longos tubos que servem para reter o óleo que chega às areias. Antes, ele chega aos animais do ecossistema / David McNew / AFP

Para "burlar" essas regras estaduais, muitas companhias se valem da lei que diz que as águas a partir dos cinco quilômetros da costa do continente passam a ser território federal, e não há uma lei que impeça ou limite novas perfurações.

No caso de Huntignton Beach, o vazamento mais recente, entra em questão uma discussão legal "ambígua". "Embora as águas ali sejam federais, a regra diz que as camadas subjacentes dos oceanos são de responsabilidade estadual", pontua Richard M. Frank, diretor e professor de Leis Ambientais na Universidade da Califórnia Davis.

"Como resultado, os agentes estaduais e federais têm a responsabilidade de monitorar as plataformas de petróleo e gás nas águas oceânicas da costa da Califórnia. Da mesma forma, agências federais e estaduais têm responsabilidade de limpeza, de supervisão e de monitoramento das operações de limpeza quando houver um vazamento", diz.

Empresa será multada em valor "ainda impossível de calcular"

De acordo com Frank, ainda é impossível calcular o valor da multa a ser imposta à Amplify Energy, empresa responsável pela plataforma defeituosa. "Além de queixas criminais e ambientais, cabem ainda processos por parte da sociedade civil", diz, "então os restaurantes, hotéis e outros negócios costeiros podem acionar a justiça buscando reparação, porque foram prejudicados".

A Amplify Energy acumula mais de 70 notificações ambientais e há cerca de quatro anos enfrentou ainda um caso de falência. Não se sabe se a companhia têm fôlego para arcar com as consequências desse desastre ou lutar por uma pena mais branda. A companhia viu suas ações despencarem 44% na segunda-feira seguinte à tragédia.

Para evitar que esses acidentes aconteçam, ONGs como a Earthjustice pedem para que os Estados Unidos coloquem um fim nas concessões dessas plataformas de petróleo no oceano e apresse sua transição para energia limpa.

A realidade, porém, é bastante diferente — como explica o professor Richard Frank: "aqui nos Estados Unidos, como em muitas outras nações, as ações só são tomadas depois das tragédias. A Califórnia mesmo não gozava de uma regulação para vazamentos de petróleo, e só o fez quando se deparou com um desastre do gênero."

Por isso, Frank está otimista que esse último incidente vai resultar em regras mais claras e rígidas. "O ideal seria desenhar as estruturas legais antes das tragédias, mas pelo menos vemos que estamos nos atualizando, corrigindo os valores das multas e das penalidades, para que compensem a inflação e sirvam como um alarme às companhias, que precisam reembolsar o governo pela limpeza das praias", avalia.

Os especialistas concordam que questões ambientais se tornaram palco político, sobretudo depois da gestão Trump, mas acreditam que, no fundo, a luta pela ecologia está caminhando para ser apartidária.

"Quando conversamos com as pessoas, tanto faz se democrata ou republicano, todos concordam que precisamos de ar puro para respirar, água limpa para beber e que os oceanos não são lugar de despejo", diz Laura, "o importante é que transformemos esses desejos em ações, e não esperamos os outros para começar. Se esperarmos esse estado ou país fazer isso ou aquilo, talvez nunca comecemos."

Edição: Vinícius Segalla e Thales Schmidt