Um grupo de 130 trabalhadores foi resgatado de condições análogas à de escravo, durante operação de combate ao trabalho escravo realizada ao longo de toda essa semana. Desse total, 114 trabalhadores estavam em uma fazenda de produção de alho e os outros 13 foram encontrados em duas carvoarias, na zona rural dos municípios de João Pinheiro e Coromandel, localizados na região do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba do Estado de Minas Gerais.
O proprietário é Ricardo Yoshio Muraoka. Procurado pelo Brasil de Fato, ele não se pronunciou até a publicação desta reportagem. O infrator é sócio em uma série de fazendas e empresas de agronegócio, além de estar cadastrados na lista oficial de fornecedores do governo federal.
A operação está sendo conduzida pelo grupo móvel de fiscalização e combate ao trabalho escravo de Minas Gerais, da Superintendência Regional do Trabalho (SRT/MG), juntamente com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF).
A equipe de fiscalização concluiu que, tanto na colheita de alho quanto nas carvoarias, estavam presentes condições degradantes de trabalho, razão pela qual foi realizado o resgate dos trabalhadores e a suspensão das atividades.
O procurador do Trabalho que está atuando no caso, Fabrício Borela, descreve a situação encontrada na fazenda de colheita de alho, neste que foi o maior resgate de trabalhadores do ano de 2021:
“O alojamento para os trabalhadores consistia, na verdade, em 15 contêineres, absolutamente subdimensionados, visto que dentro de cada um deles dormiam 10 trabalhadores, instalados em 5 beliches, sem o mínimo distanciamento entre os leitos. Além de representar violação à norma técnica que regulamenta o setor, a situação configura grave descumprimento de protocolos de prevenção contra a covid-19. Não havia um arejamento adequado e, tampouco, nenhum conforto térmico para minimizar o calor, que é muito forte nessa época do ano na região, e ficava ainda mais acentuado dentro dos contêineres. Os banheiros e os chuveiros também não eram em quantidade suficiente, para aquela quantidade de trabalhadores”.
Com relação às frentes de trabalho na colheita, o procurador relata que também foram encontradas diversas irregularidades. “Mais grave que a situação encontrada nos alojamentos, nas frentes de trabalho foi verificado que esses trabalhadores laboravam debaixo de sol escaldante, sem qualquer abrigo ou ponto de sombra para descanso. Não havia instalação sanitária no local onde de trabalho, onde permaneciam de 5h da manhã até 16h, 17h.
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Também não havia um refeitório adequado e com as dimensões corretas para abrigar todos os trabalhadores, que faziam as refeições no próprio posto de trabalho, sentados em caixotes. Ali mesmo onde realizavam a colheita do alho, começavam a comer, sem sequer realizar a higienização adequada das mãos. Além disso, não era respeitado o intervalo intrajornada, pois eles retornavam ao trabalho logo que acabavam de almoçar, sem a concessão do devido período de descanso.
Também não havia descanso semanal e o trabalho era feita de domingo a domingo. Como o pagamento havia sido combinado por produção, o empregador não apenas tolerava, mas incentivava os trabalhadores a laborarem no dia de folga, com o valor da produção sendo o dobro do valor acordado para o dia da semana. E isso é ilegal”, destaca Fabrício.
Além disso, ainda foram encontradas outras irregularidades com relação ao cumprimento da legislação trabalhista e das normas regulamentadoras, conforme expõe o procurador Fabrício.
“Outra situação muito grave encontrada foi a cobrança pelos equipamentos e ferramentas utilizadas no trabalho, o que é proibido por lei.Por exemplo, era cobrado um valor de cerca de R$ 200 reais por uma tesoura importada usada na colheita do alho, sendo que ela é um instrumento necessário ao trabalho. Embora seja obrigação do empregador fornecer os equipamentos de proteção individual (EPI’s), as botas, óculos e vestimentas de trabalho estavam sendo, indevidamente, descontados do salário dos trabalhadores”.
Constatou-se, ainda, que os trabalhadores não recebiam atendimento médico adequado e, “quando apresentavam algum problema de saúde, não eram levados à cidade para fazer consultas ou procedimentos médicos, a menos que estivessem em estado realmente muito grave”, conta o procurador.
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Foi constatado, ainda, o cerceamento da liberdade dos trabalhadores, “que eram todos migrantes, a maioria proveniente da cidade de São Francisco/MG e, embora tenha sido garantido o transporte de ida para a fazenda, caso o trabalhador quisesse rescindir o contrato de trabalho e retornar à sua cidade, teria que pagar à empresa uma multa a título de 'quebra de contrato' e ainda arcar com as despesas de transporte, o que caracteriza um cerceamento da liberdade do trabalhador”, explica Fabrício.
O MPT firmou, na manhã dessa sexta-feira, 1º de outubro, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o empregador, por meio do qual foram estabelecidas diversas obrigações de fazer e de não-fazer para a regularização. Além disso, o empregador se obrigou ao pagamento de uma indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 150 mil reais, além das indenizações por danos morais individuais a todos os trabalhadores resgatados, num valor que varia de R$ 1.500,00 a R$ 4.000,00 reais, conforme o tempo de contrato de cada um, totalizando quase R$ 400 mil reais por danos individuais.
A empresa irá pagar, ainda, as verbas trabalhistas de todos os empregados, valor que chega quase a R$ 900 mil reais, além de garantir o transporte dos trabalhadores a seus respectivos locais de origem.
Nas carvoarias, as condições degradantes de trabalho também derivavam de uma série de irregularidades que caracterizavam aviltamento da dignidade dos trabalhadores: alojamentos precários, frentes de trabalho sem fornecimento de água potável, sem instalações sanitárias, sem abrigos para descanso, sem refeitórios, somados à ausência de fornecimento de equipamentos de proteção e de registro de CTPS, entre outras.
Os responsáveis pelas carvoarias também firmaram TAC com o MPT. Além de assumir obrigações de fazer e não-fazer para regularizar as situações encontradas, cada um deles irá pagar R$ 15 mil por dano moral coletivo e cerca de mais R$ 20 mil em dano moral individual, cada um.
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Os trabalhadores foram levados para a sede da Agência Regional do Trabalho, no Centro de Patos de Minas, para realizarem o acerto das verbas rescisórias.Foram lavrados autos de infração e, devido à constatação de trabalho análogo ao de escravo, os responsáveis, além de responderem na esfera trabalhista, também poderão responder criminalmente.
Os empregados também farão jus a três parcelas de um salário-mínimo (R$ 1.100) cada, referentes ao Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, por meio de guias entregues pela Inspeção do Trabalho. Estima-se um recolhimento de FGTS da ordem de R$ 100 mil.
Edição: Vivian Virissimo