Pandemia

Brasil é um dos piores do mundo em mortes de crianças por covid-19

A volta às aulas e o descaso do poder público com o combate ao vírus tornam este grupo especialmente frágil.

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O Brasil registrou 3.561 mortes de jovens de até 19 anos por covid-19 desde o início do surto - Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

O Brasil registrou 3.561 mortes de crianças e adolescentes de até 19 anos por covid-19 desde o início do surto, em março de 2020.

Destes, 326 eram bebês de até 1 ano de idade. Com isso, o país é o segundo com mais mortes de crianças pelo coronavírus no mundo, atrás apenas dos Peru, em termos proporcionais.

Em 2020, foram 1.203 mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Já em 2021, foram 2.293. Também 65 mortes foram notificadas por Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P); uma manifestação agressiva do vírus em crianças

De acordo com documento da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre a covid-19 em crianças e adolescentes, a probalidade de morte entre esse grupo no país é maior do que na comunidade internacional.

A Fiocruz lista uma série de fatores que podem explicar a situação. “Composição demográfica da população brasileira com alto número de crianças e adolescentes; contingente de crianças com condições crônicas com controle insuficiente; desafios no acesso e qualidade do cuidado na Atenção Primária à Saúde; desafios no acesso e qualidade do cuidado pediátrico de maior complexidade, particularmente em tempos de grande pressão no sistema hospitalar, levando, inclusive, à desativação de leitos pediátricos; Aumento da vulnerabilidade social”, afirma o estudo.

Afetados

Já a progressão com maior mortalidade em 2021 tem dois fatores centrais. O maior número geral de mortes no período (o Brasil é o país do mundo com mais mortes em 2021); e o abandono de medidas de isolamento social.

“Com maior flexibilização e circulação no decorrer da pandemia, as crianças passaram a se expor mais e, de modo recente, os adolescentes passaram a constituir o grupo contemplado com a vacinação no Programa Nacional de Imunização (PNI)”, aponta o estudo.

Intitulado “Covid-19 e Saúde da Criança e do Adolescente”, o trabalho é uma revisão e ampliação de um material lançado em agosto de 2020.

“No início da pandemia de covid-19, em março de 2020, o papel de crianças e adolescentes na transmissibilidade da doença ainda era pouco conhecido”, explica a Fiocruz. Então, agora, com maior número de estudos e protocolos consolidados, foi necessária a revisão do material.

“As crianças não são a face desta pandemia. Mas eles correm o risco de estar entre suas maiores vítimas, já que as vidas das crianças estão sendo alteradas de maneiras profundas”, observa a coordenadora do Portal de Boas Práticas do IFF/Fiocruz e de Ações Nacionais e de Cooperação do Instituto, Maria Auxiliadora Gomes.

Tragédia

O contexto de tragédia sanitária ganha tons mais sombrios ao se analisar o impacto da covid-19 nas crianças. Contudo, elas são menos afetadas pela doença de forma geral, mas isso não implica que cuidados devem ser abandonados. A volta às aulas e o descaso do poder público com o combate ao vírus tornam este grupo especialmente frágil.

“A doença pode afetar crianças e adolescentes de todas as idades”, destaca a Fiocruz

“Vale ressaltar que até agosto de 2021, foram notificados mais casos de SRAG hospitalizados por covid-19 na faixa etária de 0 a 19 anos que em todo o ano de 2020, entretanto, permanece correspondendo a uma parcela muito pequena dos casos totais (1,5%). Alertamos para a faixa etária de até um ano de idade, pois trata-se da faixa etária por número de anos com o maior número de casos (4.117) e óbitos (326) por SRAG confirmados por Covid-19, nos anos de 2020 e 2021”, analisa o pediatra do IFF/Fiocruz, Marcio Nehab, organizador do documento.

Balanço

O texto identifica que “Estados Unidos e Brasil permanecem como os países mais afetados no continente americano respondendo coletivamente por 40% dos casos confirmados e 27% das mortes em todo o mundo”.

A única forma não farmacológica conhecida pela ciência para mitigar os efeitos, diminuir a transmissão e evitar mortes desnecessárias é o distanciamento social aliado ao uso de máscaras. Por outro lado, vacinas foram produzidas em tempo recorde na história da humanidade. Cientistas argumentam que o fim da pandemia só virá com ações bem planejadas pelo poder público.

Não é o que acontece no Brasil. Até hoje faltam testes e o governo federal adotou postura negacionista durante toda a pandemia. Bolsonaro desistimulou a vacinação, está sob investigação de prevaricação e corrupção na compra de vacinas, estimulou e promoveu aglomerações, e divulgou mentiras sobre o uso de máscaras e a segurança das vacinas.

Mesmo assim, a população engajou no processo vacinal e a porcentagem dos que aceitam os imunizantes no país é referência no mundo.

Nesta segunda-feira (27) foram registradas 210 mortes por covid-19 nas últimas 24 horas. Com o acréscimo são, oficialmente, 594.653 vítimas. Entretanto, com a subnotificação, estudos apontam que a realidade é mais dura, com mortes chegando às 700 mil.

No mesmo período foram notificadas 14.423 infecções, totalizando 21.366.385. Enquanto isso, 74,27% dos brasileiros tomaram a primeira dose de algum imunizante e 43,29% estão com a imunização completa. A Organização Mundial da Saúde (OMS) indica mais de 80% da população com duas doses para conter o surto, e a Fiocruz fala em porcentagem acima de 70%.

Números da covid-19 no Brasil. Fonte: Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass)