Na mira do Senado

Advogada diz que médicos da Prevent Senior eram obrigados a receitar kit covid

Empresa realizou estudo observacional com a aplicação de remédios do tratamento precoce em 636 pacientes

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Bruna Morato, advogado de ex-médicos da Prevent Senior que denunciaram a empresa pelo estudo observacional - Edilson Rodrigues/Agência Senado

O depoimento de Bruna Morato, advogada de ex-médicos da Prevent Senior, que denunciaram a pressão da empresa para a utilização do "kit covid", derrubou a concepção de “autonomia médica”, defendida e utilizada pela operadora de saúde e pelo governo federal.

Morato afirmou aos senadores da CPI da Covid nesta terça-feira (28) que os profissionais da empresa não tinham a autonomia médica para decidirem qual medicamento utilizar no tratamento contra a covid-19.

À CPI, Pedro Benedito Batista Júnior, diretor-executivo do plano de saúde Prevent Senior, afirmou que “cada uma das prescrições foi feita por médicos em conversa com os pacientes”. Em outro momento, disse que “a autonomia do médico deve ser preservada para que possa indicar aos pacientes a melhor medicação.”

A advogada, no entanto, explicou que o protocolo é institucional, ou seja, vinha da direção da empresa, na figura de Pedro Benedito Batista Júnior.” Não é individualizado para cada unidade. Os médicos não têm autonomia”. 

Ela também afirmou que existia um castigo estipulado de redução de plantões para os médicos que se recusassem a adotar o tratamento precoce.

“Se você não demonstrasse lealdade e obediência aos protocolos, sofreria punições”, afirmou a advogada, que, inclusive, apontou para a prática de demissão em massa caso algum profissional desagradasse a instituição.

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Uma reportagem da GloboNews mostrou uma rotina de pressão sob os médicos para a prescrição de determinados medicamentos do tratamento precoce: cloroquina, azitromicina, ivermectina e a flutamida, este último normalmente indicado somente em casos de câncer de próstata.

“Eu deixei de prescrever por um único dia acreditando nisso [autonomia] e acabei sendo chamado à diretoria com orientações bem claras de que eu deveria prescrever a medicação e o que ficava implícito era que, se não prescrevesse a medicação, você estaria fora do hospital. Voltei a prescrever a medicação por ter sido obrigado a prescrever. A autonomia, na verdade, é zero, você não tem escolha de deixar de prescrever. Se você não prescreve, você vai ser demitido”, afirmou um dos médicos ao veículo.

Kit covid custa menos do que internação

A Prevent Senior é responsável por produzir um estudo observacional com a aplicação de remédios do tratamento precoce em 636 pacientes, como informou o próprio diretor-executivo da empresa, durante a sessão da CPI.

O objetivo era gerar a impressão de que havia um tratamento eficaz contra a covid-19. “Os estudos para Prevent Senior eram para justificar uma estratégia para a redução de custos, uma vez que era mais fácil disponibilizar os medicamentos do que internar”, afirmou Bruna Morato. O kit covid enviado aos clientes da Prevent Senior era composto por medicamentos como ivermectina, azitromicina e cloroquina.

Ainda assim, caso “as pessoas ficassem doentes, elas teriam tratamento. Eles dominavam isso como golden day, que era quando teriam que tomar esses medicamentos”, afirmou a advogada.

A advogada também afirmou que havia uma diretriz nos hospitais da Prevent Senior para não informar o paciente nem os familiares a respeito do tratamento. A orientação foi enviada por um dos diretores da instituição por mensagens de grupos de WhatsApp. A advogada também afirmou que o termo de consentimento para o tratamento era genérico. “Muitos pacientes não liam.”

Gabinete Paralelo

O estudo observacional da Prevent Senior foi utilizado pelo Ministério da Saúde, que incorporou os relatórios da empresa em seus próprios protocolos. Os primeiros resultados da pesquisa foram divulgados pela Prevent Senior em 15 de abril de 2020. Três dias depois, em sua conta pessoal no Twitter, Bolsonaro divulgou o estudo feito pelo plano de saúde.

“De um grupo de 636 pacientes acompanhados pelos médicos, 224 não fizeram uso da hidroxicloroquina. Destes, 12 foram hospitalizados e 5 faleceram. Já dos 412 que optaram pelo medicamento, somente 8 foram internados e, além de não serem intubados, o número de óbitos foi zero. O estudo completo será publicado em breve”, disse o presidente.

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Segundo Bruna Morato, durante 2020, houve uma tentativa de se aproximar do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, uma vez que pairava a ideia de que havia um alinhamento ideológico com o governo federal no sentido de promover o tratamento precoce.

No entanto, Mandetta “não deu abertura”, que já havia criticado a empresa por mortos por covid-19 no hospital Sancta Maggiore, em São Paulo. Pedro Benedito Batista Júnior, então, foi informado “que existia um conjunto de médicos assessorando o governo federal que estaria alinhado com os interesses do Ministério da Economia”.

Ainda de acordo com a advogada, a ideia era de que “se nós entrássemos nesse sistema de lockdown teríamos um abalo grande, a ideia era de que as pessoas pudessem sair na rua sem medo.

Eles desenvolveram uma estratégia através do aconselhamento de médicos, como Anthony Wong, Nise Yamaguchi, Paolo Zanotto e a Prevent iria entrar para colaborar com essas pessoas. Um alinhamento ideológico. Conceder esperança para que as pessoas pudessem sair às ruas e essa esperança tinha um nome: hidroxicloroquina”.

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A promoção do tratamento precoce, a proximidade com o governo federal e a presença de figuras como a médica Nise Yamaguchi na empresa mostram indícios de que a Prevent Senior fez parte do gabinete paralelo. 

O grupo seria formado por figuras de fora do governo federal que aconselhariam o presidente acerca do uso de medicamentos comprovadamente ineficazes pela ciência contra a covid-19, como hidroxicloroquina e cloroquina.

Edição: Anelize Moreira