Para o ex-ministro da Fazenda (1967-1973) e da Agricultura (1979-1984) Delfim Netto, a economia brasileira deve crescer muito pouco no ano que vem, “qualquer coisa parecida com 1%”.
Junto a isso, o economista prevê uma inflação “um pouco mais vigorosa”, no curto e médio prazos, em função dos choques de oferta decorrentes da desorganização da economia mundial causada pela pandemia.
Combinadas, essas duas variantes devem produzir uma situação de “estagflação” em 2022, segundo ele. Em debate promovido pelo Centro de Estudos de Economia do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE) nesta quarta-feira (22), Delfim não poupou críticas ao governo Bolsonaro. Nem tampouco ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
“O que existe no Brasil hoje não é apenas uma desintegração da oferta produzida pela pandemia. Mas é, na verdade, uma desorganização política. O governo Bolsonaro tem sido uma tragédia. A política econômica tem deixado muito a desejar. Essa é que a verdade”, afirmou Delfim Netto.
“Tenho impressão que o Paulo Guedes está sem combustível. O posto Ipiranga não recebeu suprimento adicional”, acrescentou.
Por sua vez, a economista-chefe do IREE, Juliane Furno, ressaltou que a alta da inflação causada pelo choque de ofertas, somada ainda à desvalorização do real e à alta dos preços administrados (energia elétrica e combustíveis, principalmente) tem agravado as desigualdades no país.
Além disso, ela pontuou que a corrosão no poder de compra da população também compromete as perspectivas de retomada da economia.
Planejamento
Delfim, contudo, aposta na atuação do Banco Central (BC) para evitar o descontrole da inflação. Segundo o ex-ministro, o BC tem “autonomia suficiente” para conter a escalada dos preços a partir da elevação paulatina da taxa básica de juros (a Selic). Juliane, porém, argumenta que o progressivo aumento da Selic, ao promover o arrefecimento da demanda, poderia se configurar como mais um complicador para a volta do crescimento.
Para Juliane, um dos agravantes é que, nos últimos anos, foi abandonada a ideia de planejamento econômico. Predomina uma visão de curto prazo, incapaz de pensar transformações estruturais na economia.
Como exemplo, ela destacou o papel relevante que teve o 2º Plano de Desenvolvimento Econômico, que foi comandado por Delfim durante a ditadura. Ela destacou, principalmente, o avanço da industrialização pesada nesse período, essencial para garantir o que chamou de “autodeterminação do capital”. “Crescimento” é outra palavra que, segundo a economista, também caiu em desuso nos últimos anos, mas precisa ser retomada.
Delfim Netto concordou com tal abordagem.
“Precisamos de investimentos, públicos e privados. Investimento privado só existe quando existe investimento público. O investimento público é instrumento para garantir o crescimento, porque atrai o investimento privado”, declarou o ex-ministro.
“Sem planejamento, não se vai a lugar nenhum”, acrescentou. Segundo ele, o livre mercado é “incapaz” de indicar esse caminho.