Diretamente das montanhas do sudeste mexicano, um comunicado do Comando Geral do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) - o Comitê Clandestino Revolucionário Indígena (CCRI) - convocou o mundo para voltar seus olhos ao acirramento de conflitos em Chiapas. O estado mexicano que faz fronteira com a Guatemala é onde está localizado todo o território autônomo zapatista. "Chiapas à beira da guerra civil" é o título da declaração que denuncia a escalada de ataques às comunidades originárias, tornado público no domingo (19) e dirigido aos povos do mundo.
O alerta é feito depois que duas autoridades indígenas da Junta de Bom Governo de Pátria Nueva - Sebastián Nuñez Perez e Jose Antonio Sanchez - foram sequestradas e ficaram desaparecidas durante oito dias. Após mobilizações no México e ao redor do mundo por suas aparições com vida, os dois zapatistas foram libertos no domingo (19).
De acordo com o EZLN e a Red de Resistencias y Rebeldías AJMAQ (uma articulação que reúne diversos coletivos e movimentos sociais no México), o sequestro aconteceu na manhã de 11 de setembro e foi feito pela Organización Regional de Cafeticultores de Ocosingo (ORCAO), acusada de ser um grupo paramilitar a serviço do governo do Estado de Chiapas.
"Os companheiros foram liberados (...) graças à intervenção dos párocos de San Cristóbal de las Casas e de Oxchuc, pertencentes à diocese de San Cristóbal", narrou o Subcomandante Insurgente Galeano no comunicado.
Escalada de violência
Fundada em 1988 por 12 comunidades no município de Ocosingo, em Chiapas, a ORCAO surge, inicialmente, para se organizar em torno de demandas relacionadas ao preço do café e questões agrárias. Até o final dos anos 1990 a relação entre a ORCAO e o movimento zapatista foi amistosa. A perspectiva contada em matéria da Rádio Zapatista aponta que o rompimento, agravado com a chegada do político Pablo Salazar ao governo de Chiapas em 2000, se deu quando os cafeicultores "cederam à tentação de disputar apoios governamentais e cargos públicos em troca de favores".
O mais recente episódio do sequestro de dois zapatistas se insere num histórico de conflitos em torno de disputas políticas e territoriais que nos últimos meses vêm escalando a violência contra os povos zapatistas. Ao menos desde agosto de 2020 a comunidade autônoma Moisés y Gandhi denuncia estar sofrendo, por parte da ORCAO, saques, roubos e o incêndio de uma loja cooperativa autônoma chamada Arco Íris.
Mesmo a prática de sequestros não é novidade. Entre 8 e 11 de novembro de 2020 o zapatista da comunidade San Isidro, Félix López Hernández, permaneceu sob captura de paramilitares da ORCAO. E em abril desse ano, foi a vez de dois integrantes do Centro de Derechos Humanos Fray Bartolomé de Las Casas: Lázaro Sánchez Gutiérrez y Victórico Gálvez Pérez. Na ocasião, os ativistas foram soltos depois de 40 horas.
No comunicado, o EZLN afirma que o mais recente episódio é de responsabilidade do governador de Chiapas, Rutilio Escandón (de uma aliança entre o mesmo partido do presidente mexicano López Obrador, o Movimiento Regeneración Nacional - Morena, com o Partido Verde Ecologista de México - PVEM), e a secretária geral de governo, Victoria Cecilia Flores Pérez.
Contextualizando o ataque como mais um entre outros sofridos recentemente pela população de Chiapas, o texto do Comando Geral do EZLN cita a repressão policial contra estudantes da Escola Normal Rural de Mactumactzá e o descumprimento de acordos do governo federal com professores do magistério.
O texto denuncia, ainda, que a Travessia pela Vida - giro de delegações zapatistas por cada um dos continentes e que está atualmente na sua etapa europeia - está sofrendo diversas tentativas de sabotagem.
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As alianças estatais "com o narcotráfico estão forçando as comunidades originárias a formar grupos de autodefesa", destaca o comunicado, ao denunciar que o governo de Chiapas "incentiva, promove e financia grupos paramilitares". O regime de Rutilio Escandón - descrito como se estivesse se equilibrando em uma balança - é acusado, ainda, de implementar uma "política de vacinação propositalmente lenta e aleatória".
Chamamento à solidariedade internacional
"Diante da ação e omissão das autoridades estaduais e federais diante dos crimes atuais e anteriores", afirma a nota do CCRI, "tomaremos as medidas pertinentes para que a justiça seja aplicada aos criminosos da ORCAO e aos funcionários que o apadrinham".
O comunicado zapatista termina pedindo que manifestações de solidariedade sejam feitas na frente de embaixadas e consulados do México ao redor do mundo na sexta-feira, dia 24 de setembro. A reivindicação é para que todas as instâncias de governo no México cessem com "as provocações e abandonem o culto da morte que professam".
Edição: Vinícius Segalla