A semana foi turbulenta nos corredores da Casa Rosada. Em um cenário ainda indefinido, o presidente Alberto Fernández confimou nesta sexta-feira (17) que anunciára a renovação de seu gabinete entre hoje e amanhã
A coalizão peronista Frente de Todos (FdT) expôs desentendimentos internos entre a vice-presidenta Cristina Kirchner e o presidente após a derrota eleitoral nas primárias legislativas do último domingo (12).
As urnas revelaram uma ampla vitória para o Juntos por el Cambio (JxC). É a coalizão do ex-presidente Mauricio Macri, responsável por governar o país de 2015 a 2019 e assinar um empréstimo de US$ 57 bilhões (R$ 300 bilhões) com o Fundo Monetário Internacional (FMI) que hoje pressiona o orçamento da Argentina.
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O segundo capítulo da crise começou na quarta-feira (15), quando diversos ministros nacionais e provinciais kirchneristas puseram sua renúncia à disposição, um sinal de pressão para a presidência.
Todo o gabinete do governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, apresentou formalmente sua renúncia diante da derrota eleitoral, como um reconhecimento de que o governador deve decidir com que equipe dar os próximos passos. O gesto foi considerado uma sugestão para o presidente.
No governo federal, os ministros do Interior, Eduardo de Pedro; da Justiça, Martín Soria; da Cultura, Tristán Bauer; e do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Juan Cabandie, ligados à Cristina Kirchner, também puseram sua renúncia à disposição.
"Vou ordenar o gabinete e terminar com essa discussão", afirmou o presidente, segundo o jornal El Destape. A "discussão" é revelada, na verdade, como um forte dissenso na coalizão do FdT entre o kirchnerismo e o albertismo sobre como conduzir o governo diante da crise econômica, principalmente. Com a midiatização das disputas, foi explicitado como a ala kirchnerista considera Alberto demasiadamente moderado, e que o grupo esperava uma reação imediata de troca de gabinete, começando pelo ministro da Economia, Martín Guzmán, o de Desenvolvimento, Matías Kulfas, e o chefe de gabinete, Santiago Cafiero, principal alvo do kirchnerismo.
Esta opinião ficou mais explicitada ainda com um áudio vazado da deputada federal Fernanda Vallejos. Em 11 minutos, a congressista aliada de Cristina descreve o presidente Alberto Fernández como "mequetrefe" e "surdo", por não ter atendido às leituras do kirchnerismo sobre como conduzir o governo, além de dirigir insultos explícitos a vários funcionários escolhidos pelo presidente. "Eles têm que entender que não estariam no governo se não fosse pela Cristina", disse. "Alberto não poderia sonhar em ser sequer um prefeito."
Pouco depois da divulgação do áudio vazado, a deputada publicou em seu Twitter um pedido de desculpas e disse que ele era parte de uma "conversa privada" marcada pela "angústia" criada pelo resultado das prévias.
Alberto Fernández, por sua vez, se pronunciou pela mesma rede social em um tom conciliador e ressaltou que "a coalizão deve escutar a mensagem das urnas e atuar com responsabilidade".
"A prepotência não me afeta. A gestão do governo continuará se desenvolvendo da forma que eu estime conveniente. Para isso fui eleito", continuou o presidente da Argentina.
La coalición de gobierno debe escuchar el mensaje de las urnas y actuar con toda reesponsabilidad. Debemos hacerlo, y lo haremos, para asegurar que se satisfagan las necesidades de nuestro pueblo.
— Alberto Fernández (@alferdez) September 16, 2021
Mais tarde, uma carta publicada por Cristina Kirchner fez acentuar o tom das diferenças internas, que a população e a mídia acompanham com ansiedade. Em um longo texto, a vice explicita em seu estilo sem meias palavras que previa o resultado da eleição primária e não foi escutada pelo presidente, a quem teve que solicitar uma reunião após dois dias da eleição de domingo. "Deixei passar 48h deliberadamente para ver se ele me ligava", conta Kirchner na missiva que gerou tantos acessos que derrubou o site em que estava hospedada.
"Confio, sinceramente, que com a mesma força e convicção que enfrentou a pandemia, o Presidente não vai apenas relançar o seu governo, senão que se sentará com seu Ministro da Economia para olhar os números do orçamento", diz, referindo-se ao orçamento do governo para 2022 enviado às pressas na noite da conturbada quarta-feira (15).
"Quando tomei a decisão, e o digo em primeira pessoa do singular porque realmente foi assim, de propor a Alberto Fernández como candidato a Presidente de todos os argentinos e argentinas, o fiz com a convicção de que era o melhor para minha Pátria", escreveu Cristina Kirchner, encerrando a carta pedindo que o presidente "honre essa decisão" e com a "vontade do povo".
Edição: Thales Schmidt