O julgamento histórico no Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do "marco temporal", tese jurídica que restringe demarcações de terras indígenas, foi suspenso no final da tarde desta quarta-feira (1º) sem a leitura de votos dos ministros.
Na primeira sessão, realizada após uma sequência de adiamentos desde outubro do ano passado, foram ouvidas as partes envolvidas no processo e um grupo de entidades interessadas na causa, algumas representadas por advogados indígenas.
Conforme o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, o julgamento que servirá de base para inúmeras decisões judicias futuras será retomado na quinta-feira (2), com a fala do procurador-geral da República, Augusto Aras, além da votação dos integrantes do STF.
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O único voto proferido até agora ocorreu em junho deste ano, quando o ministro relator, Edson Fachin, rejeitou a consolidação do critério temporal para demarcar os territórios ancestrais. Ele reapresentará o voto na próxima sessão.
Cerca de 1.000 indígenas acompanharam a sessão em Brasília (DF), onde estão mobilizados contra o "marco temporal". Lideranças e especialistas afirmam que a validação da tese é incompatível com a própria Constituição e significaria um ataque sem precedentes aos povos originários.
Contrários e favoráveis ao "marco temporal"
Entre os favoráveis à consolidação do critério do "marco temporal", que prevê que povos indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando desde antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, estava o procurador-geral de Santa Catarina, Alisson de Bom de Souza.
“Precisamos proteger os direitos territoriais indígenas? Óbvio que sim. Mas devemos também proteger os direitos dos empresários e agricultores de Santa Catarina”, argumentou o procurador.
O estado catarinense foi o responsável por ingressar com a ação contra o povo Xokleng que agora é julgada pelo Supremo, alegando que eles não podem reivindicar um território que não estavam ocupando antes da promulgação da Constituição. Do outro lado, representando os Xokleng, os advogados Carlos Marés e Rafael Modesto dos Santos dividiram o tempo de fala.
Modesto classificou a defesa de um critério de tempo para definir demarcações como “ficção” e “negacionismo”.
"Negar-lhes o território é negar-lhes a organização social. Manter o 'marco temporal' é dizer claramente: os índios serão integrados e as sociedades indígenas desaparecerão", complementou Marés.
Representando o governo federal, que também é parte do processo, o advogado-geral da União Bruno Bianco Leal defendeu que o “marco temporal” vai contribuir para a “pacificação social”.
Indígenas no STF contra o "marco"
Entre as entidades que se manifestaram sobre o tema, estavam organizações não governamentais, advogados indígenas e associações religiosas. Todas se posicionaram de forma contrária ao "marco temporal".
Representante da Articulação dos Povos indígenas do Brasil (Apib), o advogado indígena Eloy Terena destacou que a Constituição formata a questão indígena sob o conceito de tradicionalidade, não de tempo de ocupação de território.
"Se as comunidades não estavam em suas terras em 5 de outubro de 1988, onde estavam? Basta lembrar que estávamos saindo do período da ditadura, quando muitas comunidades foram despejadas de suas terras, ora com apoio e com aval do próprio estado", lembrou Eloy Terena, advogado da Apib.
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Pelo Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), Samara Pataxó citou os mais de 500 anos de exploração vividos pelos povos indígenas.
O julgamento "decidirá sobre o futuro das nossas vidas e da nossa continuidade existencial enquanto povos originários do nosso país", afirmou a advogada.
O advogado Ivo Aureliano, do Conselho Indígena de Roraima, rebateu o argumento apresentado pelo procurador-geral catarinense, que afirmou existir jurisprudência consolidada em favor da aplicabilidade do “marco temporal”.
“Esta Corte definiu pela constitucionalidade da demarcação em área contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, por isso é de fundamental importância dizer que a decisão vincula a apenas aquela demarcação, ao contrário do que sustenta o estado de Santa Catarina.
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Representando o Amazonas, o procurador do estado Daniel Pinheiro afirmou que o estado, que tem a maior e mais diversa população indígena do Brasil, posicionou-se contra o "marco temporal".
Pela Indigenistas Associados, associação de servidores da Funai, a advogada Camila Gomes de Lima defendeu os critérios atuais de demarcação de territórios indígenas e criticou aqueles que defendem o "marco temporal" como forma de "simplificar" o procedimento.
O que é o "marco temporal"
O processo que volta a ser analisado pelos ministros nesta quarta-feira (1º) diz respeito à posse do território do povo Xokleng, de Santa Catarina. Trata-se de uma ação de reintegração de posse movida em 2009 pelo governo do estado referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ.
Criticado severamente por organizações indígenas, o "marco temporal" é uma tese jurídica defendida por ruralistas que ergue novas barreiras à demarcação de terras dos povos originários.
Pelo "marco temporal", os territórios só podem ser demarcados se os povos indígenas conseguirem provar que estavam ocupando a área anteriormente ou na data exata da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, ou se ficar comprovado conflito pela posse da terra.
"Muitos de fato não estavam nas suas terras nessa data porque foram expulsos, tiveram suas terras tomadas por fazendeiros", aponta Samara Pataxó, assessora jurídica da Apib.
Edição: Vinícius Segalla